domingo, 31 de julho de 2022

Santo Inácio de Loyola e as perseguições

Foi com Santo Inácio que fiz uma das mais importantes descobertas que mudou radicalmente a minha vida, e que sintetizo desta forma: “A doutrina da Igreja não é um pesado jugo que temos de carregar sobre os nossos ombros: é um dos dons mais preciosos que Jesus nos deixou para acertarmos caminho”.

Estou profundamente grato a Santo Inácio por esta descoberta que me abriu o caminho da verdadeira felicidade (o caminho da conversão e da santidade). Naturalmente, neste caminho, que segundo as palavras de Jesus, não é uma “estrada larga” mas uma “estrada estreita”, não nos devemos surpreender se aparecem dificuldades e mesmo perseguições, tal como o próprio Cristo previu.

Sobre isto escrevia São Cláudio La Colombière, SJ, meditando na sua própria experiência de vida: “É estranho a quantidade de inimigos que temos que combater desde o momento que tomamos a resolução de nos tornarmos santos. Parece que tudo se desencadeia: o Demónio com as suas astúcias, o mundo com os seus atractivos, a natureza com sua resistência que se opõe aos nossos bons desejos; os louvores dos bons, a crítica dos maus, as pressões dos tíbios”...

Mas, na verdade, se queremos seguir Jesus não há outro caminho. Como disse Jesus: “O servo não é maior do que o seu senhor. Se me perseguiram a mim, também vos hão-de perseguir a vós” (Jo 15, 20). Resta-nos seguir Jesus, imitá-lo e confiar: “Para imitar e parecer-me mais actualmente com Cristo nosso Senhor, eu quero e escolho antes pobreza com Cristo pobre que riqueza; desprezos com Cristo cheio deles que honras; e desejo mais ser tido por insensato e louco por Cristo que primeiro foi tido por tal, que por sábio ou prudente neste mundo” (Santo Inácio de Loyola, Exercícios Espirituais 167).

Como não há nada de mais belo neste mundo do que ser discípulo de Jesus e "acertar o caminho", eu sou o homem mais feliz e agradecido do mundo! Obrigado Santo Inácio. Guia-me sempre no caminho da vontade de Deus.

Tomai, Senhor, e recebei toda a minha liberdade, a minha memória, o meu entendimento e toda a minha vontade, tudo o que tenho e possuo; Vós mo destes; a Vós, Senhor, o restituo. Tudo é vosso, disponde de tudo, à vossa inteira vontade. Dai-me o vosso amor e graça, que esta me basta.

(Santo Inácio de Loyola, Exercícios Espirituais 234)

Pe. Fernando António

Breve biografia de Santo Inácio de Loyola e a relação com os Beneditinos

Nasceu em Loyola, na Espanha do Norte, em 1491. Oitavo filho duma família de 13, entrou o jovem senhor de Loiola como pajem na corte de Fernando V. De natural ardente e belicoso, deixou-se seduzir pela carreira das armas.

Tendo sido gravemente ferido no cerco de Pamplona, deram-lhe na convalescença a ler, por falta de romances de cavalaria, a vida de Jesus Cristo e dos Santos. A leitura destes livros, que nunca lhe prendera os olhos, foi uma revelação para ele. Compreendeu que também a Igreja devia possuir uma milícia para defender, às ordens do representante de Jesus Cristo [o Papa], os interesses invioláveis do Deus dos exércitos. 

Colocou pois a espada aos pés da Virgem na célebre abadia beneditina de Monserrate, e a sua alma generosa que outrora se deixara empolgar pelas glórias do mundo, não aspirou daí por diante senão por trabalhar o mais possível pela glória do Rei dos Céus, a quem só iria doravante servir.

Na noite de 25 de Março, que se celebra o mistério da Anunciação e Incarnação do Verbo, fez a sua velada de armas e a Mãe de Deus armou-o cavaleiro de Cristo e da Igreja militante, sua esposa.

Dentro de pouco tempo, será o General dessa admirável Companhia de Jesus, suscitada por Deus para combater o protestantismo, o jansenismo e o paganismo renascente. Os filhos de S. Bento continuarão no alto da montanha a celebrar os louvores divinos, prelúdio da liturgia do Céu, os quais o Santo recomendava com insistência aos fiéis e a que nunca assistia sem chorar. E ele, sacrificando-se à nova missão de que o Senhor o incumbiu, descerá cá abaixo ao campo para fazer frente aos exércitos do inimigo, cujo embate o seu instituto é o primeiro sempre a experimentar.

Para conservar nos seus filhos aquela vida interior exigida pela actividade militante a que se devotam, Santo Inácio dotou-os duma forte estrutura hierárquica e deixou-lhes, como poderoso guia, um tratado magistral, recomendado altamente pela Santa Igreja, os ‹‹Exercícios Espirituais››, com que se têm santificado milhares de almas. Tem-se dito que foi no ‹‹Exercitatorum›› do abade beneditino Cisneros (1050) de Monserrate que o Santo se inspirou. De qualquer modo que seja, o certo é que os compôs em Manresa de maneira muito diferente e pessoal.

Santo Inácio arma os seus filhos com o escudo do nome de Jesus, dá-lhes por couraça o amor de Deus que o Salvador veio reacender na terra e por espada a palavra e a pena, o apostolado sobre todas as formas. Aos pés da Virgem, na Abadia beneditina de Monserrate, pegou Inácio a primeira vez nas suas novas armas, e em S. Dinis de Paris, dos beneditinos também, na festa da Assunção de 1539, e mais tarde no altar da Virgem da basílica de S. Paulo fora-dos-muros, servida pelos beneditinos, funda a Companhia de Jesus.

Em 1814, Pio VII, monge beneditino da abadia de Nossa Senhora de Cesena, restabelece a Companhia com todos os seus direitos. Foi Deus quem uniu aos pés da Virgem estas duas Ordens que tão poderosamente têm defendido a Igreja, porque Marta e Maria, a acção e a contemplação, contribuem ambas por meios diferentes para a glória de Deus. Por isso é que são tão semelhantes as divisas destas duas famílias religiosas: U.I.O.G.D. ‹‹Que em tudo Deus seja glorificado››. A.M.D.G. ‹‹Para maior glória de Deus››. Fazer tudo para glória de Deus e fazê-lo para a sua maior glória é o acume da santidade. 

É esta a finalidade da criação e da elevação do homem ao estado sobrenatural e dos conselhos evangélicos que arrastam do mundo as almas religiosas que se querem consagrar de modo mais perfeito ao serviço de Deus. Bento encheu a Europa de monges missionários, cujo múnus principal consiste na condigna celebração dos louvores divinos; Inácio, com os seus sacerdotes apóstolos, manifestam a sua vida interior na operosa actividade a que indefesamente se consagram. É a mesma árvore do amor de Deus, produzindo os mesmos frutos em ramos diferentes.

Quando Santo Inácio morreu em 31 de Julho de 1556, a Companhia contava já 12 províncias e 100 colégios. Peçamos a este grande Santo a graça de nos alcançar que os mistérios sacrossantos da Missa, fonte de toda a santidade, nos santifiquem no amor da verdade para que, combatendo na Terra a seu exemplo e com o auxílio da sua intercessão, mereçamos ser com ele coroados no Céu.

in Missal Quotidiano e Vesperal, Desclée de Brouwer, Bruges (1957)

sábado, 30 de julho de 2022

A evidência racional do sobrenatural

É por motivos racionais, embora não seja por razões simples, que adiro ao cristianismo. Consistem esses motivos numa acumulação de factos diversos, que é também aquilo que justifica a atitude do agnóstico comum. Acontece, porém, que o agnóstico percebeu tudo mal. Ele é descrente por uma série de razões - todas elas falsas. 

Ele duvida porque a Idade Média foi uma idade bárbara, quando a verdade é que não foi; porque o darwinismo está provado, quando a verdade é que não está; porque não há milagres, quando a verdade é que há; porque os monges eram preguiçosos, quando a verdade é que eram diligentes; porque as freiras são infelizes, quando a verdade é que são particularmente alegres; porque a arte cristã era triste e apagada, quando a verdade é que era feita de cores berrantes e recoberta a ouro.

Contudo, no meio destes milhões de factos, todos orientados para o mesmo ponto, há naturalmente uma questão que se coloca, uma questão suficientemente sólida e distinta para ser tratada de forma breve, mas independente; refiro-me à ocorrência objectiva do sobrenatural. Dispomos de uma quantidade imensa de testemunhos humanos a favor do sobrenatural. 

Se as pessoas os rejeitam, só pode ser por uma de duas razões: rejeitam a história que o camponês conta acerca do fantasma, ou porque o homem é um camponês, ou porque se trata de uma história de fantasmas; isto é, ou negam o princípio de base da democracia, ou afirmam o princípio de base do materialismo, que consiste na impossibilidade abstracta de haver milagres. Têm todo o direito de o fazer; mas, em ambos os casos, essas pessoas é que estão a ser dogmáticas. Nós, os cristãos, aceitamos os indícios de facto; os racionalistas é que se recusam a aceitar as provas, e são constrangidos a fazê-lo em virtude do credo que professam. 

Por mim, não estou constrangido por credo algum relativo a esta matéria; de maneira que, analisando de forma imparcial determinados milagres dos tempos medievais e modernos, cheguei à conclusão de que eles de facto de se deram. Todos os argumentos contra estes factos são circulares. 

Se eu disser: "Os documentos medievais atestam determinados milagres como atestam determinadas batalhas", respondem-me: "É que os medievais eram supersticiosos"; mas, se eu quiser saber em que medida é que eles eram supersticiosos, a resposta será, em última análise, que o eram porque acreditavam em milagres. Se eu disser: "Um camponês viu um fantasma", respondem-me: "É que os camponeses são muito crédulos"; mas, se eu perguntar: "Mas porque é que eles são crédulos?", a única resposta que recebo é: "Porque vêem fantasmas." 

G.K. Chesterton in Orthodoxia

Marta e Maria vistas por Santa Teresinha do Menino Jesus

Uma alma abrasada de amor não pode ficar inactiva. Sem dúvida que, como Santa Maria Madalena, ela permanece aos pés de Jesus, e escuta a sua palavra doce e inflamada. Parecendo não dar nada, dá muito mais do que Marta, que se aflige com muitas coisas e que quereria que sua irmã a imitasse. Não são, de modo nenhum, os trabalhos de Marta que Jesus censura; a esses trabalhos se submeteu humildemente sua Mãe durante a vida, pois tinha de preparar as refeições da Sagrada Família. Era apenas a inquietação da sua ardente anfitriã que Ele queria corrigir. 

Todos os santos o compreenderam, e mais particularmente talvez aqueles que encheram o universo com a iluminação da doutrina evangélica. Não foi acaso na oração que os santos Paulo, Agostinho, João da Cruz, Tomás de Aquino, Francisco, Domingos e tantos outros ilustres amigos de Deus beberam esta ciência divina que arrebata os maiores génios? 

Houve um sábio que disse: «Dai-me uma alavanca, um ponto de apoio, e levantarei o mundo.» O que Arquimedes não pôde obter, porque o seu pedido não se dirigia a Deus, e por não ser feito senão sob o ponto de vista material, obtiveram-no os santos em toda a plenitude: o Todo-Poderosos deu-lhes como ponto de apoio Ele mesmo e Ele só; e como alavanca a oração, que abrasa com fogo de amor. E foi assim que levantaram o mundo; é assim que os santos que ainda militam na terra o levantam e que, até ao fim do mundo, os futuros santos o levantarão também.

Santa Teresa de Lisieux in Manuscrito autobiográfico C, 36 r° - v°

Rezar de joelhos faz sentido?

A oração de joelhos torna-se necessária sempre que acusamos os nossos pecados diante de Deus, e Lhe suplicamos que deles nos cure e nos absolva. Essa atitude é o símbolo da humilhação e da submissão de que fala Paulo, quando escreve: «É por isso que eu dobro os joelhos diante do Pai, do qual recebe o nome toda a paternidade nos céus e na terra» (Ef 3,14-15). 

Trata-se da genuflexão espiritual, assim chamada porque todas as criaturas adoram a Deus no nome de Jesus e a Ele se submetem humildemente. O apóstolo Paulo parece fazer uma alusão a isso quando diz: «Para que, ao nome de Jesus, se dobrem todos os joelhos, os dos seres que estão no céu, na terra e debaixo da terra» (Fil 2,10).

Orígenes (c. 185-253), presbítero, teólogo, A Oração, 31

quarta-feira, 27 de julho de 2022

Sacerdote detido mais de 70 vezes por lutar contra o aborto

Vídeo em memória do Padre Norman Wesley, que foi preso mais de 70 vezes por rezar de joelhos à frente de clínicas de aborto nos Estados Unidos da América. Um verdadeiro herói pró-vida.

segunda-feira, 25 de julho de 2022

Deus ama-me!

Em nome do Deus santo, tomo hoje a pena para que as minhas palavras, que se imprimem sobre a folha branca, sirvam de louvor perpétuo ao Deus bendito, autor da minha vida, da minha alma, do meu coração. Gostaria que o universo inteiro, com os planetas, todos os astros e os inúmeros sistemas estelares, fosse uma imensa extensão, polida e brilhante, onde eu pudesse escrever o nome de Deus. 

Gostaria que a minha voz fosse mais potente que mil trovões, mais forte que o estrépito do mar, e mais terrível que o bramido dos vulcões, para dizer apenas: Deus! Gostaria que o meu coração fosse tão grande como o céu, puro como o dos anjos, simples como o da pomba (Mt 10,16), para nele pôr Deus! Mas, dado que toda esta grandeza com que sonhaste não se pode tornar realidade, contenta-te com pouco e contigo, que não és nada, Irmão Rafael, porque o nada deve bastar-te. 

Por quê calar? Por que escondê-lO? Por que não gritar ao mundo inteiro e bradar aos quatro ventos as maravilhas de Deus? Por que não dizer às pessoas e a todos os que quiserem entender: vêem o que sou? Vêem o que fui? Vêem a minha miséria que se arrasta na lama? Pouco importa: maravilhem-se; apesar de tudo, possuo Deus. Deus é meu amigo! 

Deus ama-me, a mim, com tal amor que, se o mundo inteiro o compreendesse, todas as criaturas ficariam loucas e bramiriam de assombro. Mas isso ainda é pouco. Deus ama-me tanto, que nem os próprios anjos o compreendem! (cf 1P 1,12) A misericórdia de Deus é grande! Amar-me, a mim, ser meu Amigo, meu Irmão, meu Pai, meu Senhor, sendo Ele Deus, e eu o que sou! Ah, meu Jesus, não tenho nem papel, nem pena. Que posso dizer! Como não enlouquecer?

São Rafael Arnaiz Baron (monge trapista) in 'Escritos espirituais' (04/03/1938)

São Tiago Maior

De São Tiago podemos aprender muitas coisas: a abertura para aceitar a chamada do Senhor também quando nos pede que deixemos a "barca" das nossas seguranças humanas, o entusiasmo em segui-lo pelos caminhos que Ele nos indica além de qualquer presunção ilusória, a disponibilidade a testemunhá-lo com coragem, se for necessário, até ao sacrifício supremo da vida. 

Assim, Tiago o Maior, apresenta-se diante de nós como exemplo eloquente de adesão generosa a Cristo. Ele, que inicialmente tinha pedido, através de sua mãe, para se sentar com o irmão ao lado do Mestre no seu Reino, foi precisamente o primeiro a beber o cálice da paixão, a partilhar com os Apóstolos o martírio.

Papa Bento XVI in 'Audiência Geral' (21.VI.2006)

Os instrumentos das boas obras de acordo com a Regra de São Bento

[1] Primeiramente, amar ao Senhor Deus de todo o coração, com toda a alma, com todas as forças. 
[2] Depois, amar ao próximo como a si mesmo. 
[3] Em seguida, não matar. 
[4] Não cometer adultério. 
[5] Não furtar. 
[6] Não cobiçar. 
[7] Não levantar falso testemunho. 
[8] Honrar todos os homens. 
[9] E não fazer a outrem o que não quer que lhe seja feito. 
[10] Abnegar-se a si mesmo para seguir o Cristo. 
[11] Castigar o corpo. 
[12] Não abraçar as delícias. 
[13] Amar o jejum. 
[14] Reconfortar os pobres. 
[15] Vestir os nus. 
[16] Visitar os enfermos. 
[17] Sepultar os mortos. 
[18] Socorrer na tribulação. 
[19] Consolar o que sofre. 
[20] Fazer-se alheio às coisas do mundo. 
[21] Nada antepor ao amor de Cristo. 
[22] Não satisfazer a ira. 
[23] Não reservar tempo para a cólera. 
[24] Não conservar a falsidade no coração. 
[25] Não conceder paz simulada. 
[26] Não se afastar da caridade. 
[27] Não jurar para não vir a perjurar. 
[28] Proferir a verdade de coração e de boca. 
[29] Não retribuir o mal com o mal. 
[30] Não fazer injustiça, mas suportar pacientemente as que lhe são feitas. 
[31] Amar os inimigos. 
[32] Não retribuir com maldição aos que o amaldiçoam, mas antes abençoá-los. 
[33] Suportar perseguição pela justiça. 
[34] Não ser soberbo. 
[35] Não ser dado ao vinho. 
[36] Não ser guloso. 
[37] Não ser apegado ao sono. 
[38] Não ser preguiçoso. 
[39] Não ser murmurador. 
[40] Não ser detrator. 
[41] Colocar toda a esperança em Deus. 
[42] O que achar de bem em si, atribuí-lo a Deus e não a si mesmo. 
[43] Mas, quanto ao mal, saber que é sempre obra sua e a si mesmo atribuí-lo. 
[44] Temer o dia do juízo. 
[45] Ter pavor do inferno. 
[46] Desejar a vida eterna com toda a cobiça espiritual. 
[47] Ter diariamente diante dos olhos a morte a surpreendê-lo. 
[48] Vigiar a toda hora os actos de sua vida. 
[49] Saber como certo que Deus o vê em todo lugar. 
[50] Quebrar imediatamente de encontro ao Cristo os maus pensamentos que lhe advêm ao coração e revelá-los a um conselheiro espiritual. 
[51] Guardar a sua boca da palavra má ou perversa. 
[52] Não gostar de falar muito. 
[53] Não falar palavras vãs ou que só sirvam para provocar riso. 
[54] Não gostar do riso excessivo ou ruidoso. 
[55] Ouvir de boa vontade as santas leituras. 
[56] Dar-se frequentemente à oração. 
[57] Confessar todos os dias a Deus na oração, com lágrimas e gemidos, as faltas passadas e 
[58] daí por diante emendar-se delas. 
[59] Não satisfazer os desejos da carne. 
[60] Odiar a própria vontade. 
[61] Obedecer em tudo às ordens do Abade, mesmo que este, o que não aconteça, proceda de outra forma, lembrando-se do preceito do Senhor: "Fazei o que dizem, mas não o que fazem". 
[62] Não querer ser tido como santo antes que o seja, mas primeiramente sê-lo para que como tal o tenham com mais fundamento. 
[63] Pôr em prática diariamente os preceitos de Deus. 
[64] Amar a castidade. 
[65] Não odiar a ninguém. 
[66] Não ter ciúmes. 
[67] Não exercer a inveja. 
[68] Não amar a rixa. 
[69] Fugir da vanglória. 
[70] Venerar os mais velhos. 
[71] Amar os mais moços. 
[72] Orar, no amor de Cristo, pelos inimigos. 
[73] Voltar à paz, antes do pôr-do-sol, com aqueles com quem teve desavença. 
[74] E nunca desesperar da misericórdia de Deus. 
[75] Eis aí os instrumentos da arte espiritual: 
[76] se forem postos em ação por nós, dia e noite, sem cessar, e devolvidos no dia do juízo, seremos recompensados pelo Senhor com aquele prêmio que Ele mesmo prometeu: 
[77] "O que olhos não viram nem ouvidos ouviram preparou Deus para aqueles que o amam". 
[78] São, porém, os claustros do mosteiro e a estabilidade na comunidade a oficina onde executaremos diligentemente tudo isso.

sexta-feira, 22 de julho de 2022

A Missa e os nativos do Brasil

E hoje que é Sexta-Feira, primeiro dia de Maio, pela manhã, saímos em terra com nossa bandeira; e fomos desembarcar acima do rio, contra o sul onde nos pareceu que seria melhor arvorar a cruz, para melhor ser vista. 

Ali disse Missa o padre frei Henrique, a qual foi cantada e oficiada por esses já ditos. Ali estiveram connosco, a ela, perto de cinquenta ou sessenta deles [índios], assentados todos de joelhos assim como nós. E quando se veio ao Evangelho, que nos erguemos todos em pé, com as mãos levantadas, eles se levantaram connosco, e alçaram as mãos, estando assim até se chegar ao fim; e então tornaram-se a assentar, como nós. 

E quando levantaram a Deus, que nos pusemos de joelhos, eles se puseram assim como nós estávamos, com as mãos levantadas, e em tal maneira sossegados que certifico a Vossa Alteza que nos fez muita devoção. Estiveram assim connosco até acabada a comunhão; e depois da comunhão, comungaram esses religiosos e sacerdotes; e o Capitão com alguns de nós outros. E alguns deles, por o Sol ser grande, levantaram-se enquanto estávamos comungando, e outros estiveram e ficaram. 

Um deles, homem de cinquenta ou cinquenta e cinco anos, se conservou ali com aqueles que ficaram. Esse, enquanto assim estávamos, juntava aqueles que ali tinham ficado, e ainda chamava outros. E andando assim entre eles, falando-lhes, acenou com o dedo para o altar, e depois mostrou com o dedo para o céu, como se lhes dissesse alguma coisa de bem; e nós assim o tomamos!

Pêro Vaz de Caminha, escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral, em carta escrita a El-Rei D.Manuel