domingo, 3 de julho de 2022

Carta de J.R.R. Tolkien para o seu filho Michael sobre as dúvidas de Fé

1 de Novembro de 1963

Falas de Fé esmorecida. Em última análise, a fé é um acto de vontade inspirado pelo amor. O nosso amor pode estar esfriado e a nossa vontade corroída pelo espectáculo das deficiências, loucura e até pecados da Igreja e os seus ministros, mas não acho que alguém que tenha Fé volte atrás por essas razões (pelo menos alguém com algum conhecimento histórico). 

“Escândalo” no máximo é uma ocasião de tentação – como a indecência está para a luxúria, que não faz mas desperta. É conveniente porque tende a desviar os nossos olhos de nós mesmos e das nossas próprias falhas para encontrar um bode expiatório. Mas o acto da vontade da Fé não é um único momento de decisão final: é um acto/estado permanente e indefinidamente repetido que deve continuar – por isso rezamos por “perseverança final”. A tentação da “incredulidade” (que realmente significa rejeição de Nosso Senhor e dos Seus ensinamentos) está sempre presente dentro de nós. Parte de nós anseia encontrar uma desculpa para isso fora de nós. Quanto mais forte a tentação interior, mais prontamente e severamente seremos “escandalizados” pelos outros.

Acho que sou tão sensível quanto tu (ou qualquer outro cristão) aos “escândalos”, tanto do clero quanto dos leigos. Sofri terrivelmente durante a minha vida com padres estúpidos, cansados, esmorecidos e até maus. Mas eu sei o suficiente para saber que não devo deixar a Igreja (o que para mim significaria deixar a fidelidade de Nosso Senhor) por quaisquer dessas razões. Eu estaria a negar o Santíssimo Sacramento, isto é: chamar Nosso Senhor de fraude na Sua cara.

É preciso uma vontade fantástica de incredulidade para supor que Jesus nunca “aconteceu” e mais ainda para supor que Ele não disse as coisas que dizem que Ele disse – tão incapazes de serem “inventadas” por qualquer pessoa no mundo naquela época. Devemos, portanto, crer Nele, no que Ele disse e assumir as consequências; ou rejeitá-lo e assumir as consequências. Acho difícil acreditar que alguém que tenha recebido a Comunhão, ainda que só uma vez, pelo menos com a intenção correcta, possa rejeitá-Lo novamente sem culpa grave.

A única cura para o esmorecimento da Fé fraca é a Comunhão. Embora seja sempre Ele perfeito, completo e inviolável, o Santíssimo Sacramento não opera completamente e de uma vez por todas em nenhum de nós. Como o acto de Fé, deve ser contínuo e crescer pelo exercício. A frequência é da mais alta importância. 

Sete vezes por semana é mais nutritivo do que sete vezes com intervalos. Também posso recomendar isso como um exercício: comunga em circunstâncias que afectem o teu gosto. Escolhe um padre a fungar do nariz e tagarela ou um frade orgulhoso e vulgar; e uma igreja cheia da habitual multidão burguesa, crianças mal-comportadas – desde os que gritam até aos produtos das escolas católicas que no momento em que o tabernáculo é aberto se sentam e bocejam – jovens de pescoço sujo, mulheres de calças e muitas vezes com cabelos tanto desleixados quanto descobertos. Vai à comunhão com eles (e ora por eles). Será exactamente igual (ou melhor do que) a uma missa lindamente rezada por um homem visivelmente santo e compartilhada por algumas pessoas devotas e decorosas.

Estou convencido das afirmações petrinas; e parece haver pouca dúvida de qual é a Igreja Verdadeira, o templo do Espírito morrendo, mas vivo, corrupto, mas santo, auto-reformado e ressuscitado. Aquela Igreja da qual o Papa é o chefe reconhecido na Terra tem a principal reivindicação de que é aquela que sempre defendeu o Santíssimo Sacramento; e deu-Lhe a maior honra; e O colocou (como Cristo claramente pretendeu) no local privilegiado. “Apascenta as minhas ovelhas” foi o seu último encargo a São Pedro; e como as Suas palavras são para serem entendidas em primeiro lugar literalmente, suponho que elas se refiram principalmente ao Pão da Vida. 


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2 comentários:

Maria José Martins disse...


Está atualíssima esta reflexão, porque TUDO o que a Igreja nos oferece para nos Santificarmos e, logicamente, a EUCARISTIA em primeiríssimo lugar, é para aumentar a nossa Fé, ao mesmo tempo que vale por si mesmo.
Logo, fixarmo-nos nas deficiências humanas ou de percurso, daqueles que a Ela presidem ou frequentam, de forma a justificar a nossa apatia, comodismo ou mesmo abandono, é arranjar "desculpas de mau pagador", como costuma dizer o nosso Povo.
Ninguém é perfeito e cada um responde por si...embora tenhamos que rezar por todos!
E é isso que nos resta fazer, nos momentos de maior desânimo: rezar, rezar, rezar, somente rezar e REPARAR, quanto tudo nos parecer perdido, em vez de criticar ou arranjar desculpas que nos ilibam, pensando que somos superiores...
E é o próprio Jesus que no-lo diz: "(...) O futuro de um coração, aparentemente condenado, não livra ninguém de perserverar até ao fim, pela sua Salvação! Tudo devemos fazer para resgatá-lo de uma possível ruína(...)"
"(...) Muitas vezes, Deus espera o sacrifício de um coração justo que supera todas as náuseas, desprezos e antipatias, até mesmo as justificadas, para ARRANCAR UMA ALMA DO PÂNTANO em que se está afundando. Sim, Eu vo-lo digo: Muitas vezes, o TODO PODEROSO espera que alguém faça um sacrifício ou uma oração, para que ELE --Deus-- confirme ou não, a condenação dessa alma. Nunca é tarde demais, para SALVAR uma Alma. Entre a agonia e a morte HÁ SEMPRE TEMPO PARA O PERDÃO, para si mesmo ou para aqueles por quem oramos(...)"-- Da Obra, "O Evangelho como me foi revelado."
E como refere o Autor do texto, nada melhor que a COMUNHÃO EUCARÍSTICA, para despertar e aperfeiçoar a nossa sensibilidade, relativamente aos irmãos, mesmo àqueles que, tantas vezes, nos custa a entender...e que, de maneira nenhuma, podem ser uma justificação para a nossa perda de Fé!

Anónimo disse...

Concordo em absoluto,não diria melhor