quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O pessimismo é mais fácil - Pe. José Tolentino Mendonça

A tradição ocidental não deixa margens para dúvidas na ligação que faz entre sabedoria e pessimismo. Bastaria um daqueles inesquecíveis retratos de Rembrandt para nos dizer tudo: sábio é aquele que se senta na penumbra, olhando com ponderada distância para as ilusões de transparência que a luz e a existência acendem. O que não é propriamente algo que tenha mudado. Veja-se como mais facilmente o taciturno passa por sábio do que o homem alegre. E um espírito torturado e reticente arranca maior alcance e aplauso do que todos os que se esforçam por manter activa a esperança.

Há, de facto, um erro de avaliação que leva a considerar a jovialidade do optimista como característica espontânea de carácter, que nada deve à decisão, à maturação da vontade ou à tenacidade. Aliás, o mais comum é arrumar o optimismo na ingénua estação dos verdes anos (mesmo se ele persiste fora de época) e reservar o fruto comprovado da argúcia apenas para o seu oposto. “Juventude ociosa/ por tudo iludida/ por delicadeza/ perdi minha vida” - é aviso de Rimbaud, garantem-nos.

No pessimismo, pelo contrário, nada se perde, pois somos levados a adivinhar aí um coerente processo de consciência, uma abrangência de análise sobre todas as variantes, um metabolismo sagaz da pequena e da grande história. Contudo, o que realmente experimentamos é o avesso desta experiência, já que o pessimismo é, em muitas circunstâncias, a resposta mais fácil às solicitações do tempo. Os que só vislumbram doses colossais de ciência e de humanidade no pessimismo, esquecem quanto ele pode ser conformista, parcial ou insensível.

Certamente que o pessimismo desempenha uma função purgatória face às derivas, mas um mundo gerido por pessimistas talvez não nos levasse sequer a levantar âncora do porto. Importa sublinhar que optimismo não é fatalmente leviano ou infundado (e não deveria sê-lo nunca). Os optimistas autênticos não são os que desconhecem as razões que levam outros ao seu inverso, mas aqueles que dominando objectivamente o quadro do real, mesmo assim o integram num projecto maior e paciente, onde os obstáculos podem constituir oportunidades.

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