segunda-feira, 29 de agosto de 2011

As forças inimputáveis - João César das Neves

Uma peculiaridade do nosso panorama político é o peso da extrema-esquerda. Ele não vem dos votos, pois no eleitorado essa área é residual. Os 14% acumulados das últimas eleições, dada a abstenção de 42%, devem representar cerca de 10% do total, nível estável há 20 anos. O fundamento do seu poder é mediático, pela sedução e captura dos jornalistas.

A extrema-esquerda é a coqueluche da imprensa, sobretudo em tempo de crise. Pode-se sempre contar com ela para declarações bombásticas, chocarreiras, insultuosas até, exactamente as que dão boas manchetes. Este facto, se lhe dá enorme influência, cria evidentes problemas conceptuais. A esquerda, ao contrário da direita, sempre procurou legitimidade intelectual e ética em modelos ideológicos. Ela luta de forma científica pela sociedade ideal, projecto que se perde se ficar como mero provocador de serviço.

Nos próximos meses o seu coro de críticas aos sacrifícios nacionais terá sucesso garantido. Mas isso só porque ninguém se lembra de analisar o valor da alternativa. Recusar o plano de estabilização, renegociar a dívida externa e abandonar o euro é uma proposta que, em vez de aliviar a austeridade, aumentá-la-ia violentamente. Além de perder os 78 mil milhões de euros do acordo, faria de Portugal um pária internacional, cortando o acesso a qualquer dinheiro externo. Isso implicaria reduzir a despesa imediata e brutalmente. Os sacrifícios seriam inimagináveis. É espantoso que PCP, BE e afins possam repetir estas ideias até à exaustão sem ninguém as denunciar como disparates monstruosos.

Este padrão é consistente. A extrema-esquerda só se aguenta como força política porque ninguém se dá ao trabalho de escrutinar as suas propostas, ouvindo apenas as queixas. Ninguém como ela se tem dedicado a demonstrar o falhanço dos nossos poderes públicos, em todas as épocas e governos. As suas declarações constituem um longo rol de denúncias de erros ministeriais, abusos do funcionalismo, vícios estruturais. Aliás, nisso têm dado contributos sólidos e válidos ao País. A única conclusão razoável seria o seu repúdio pelo intervencionismo. Só com um Estado mais pequeno e leve se eliminam tais tropelias. Ora o seu programa visa, pelo contrário, aumentar o poder dos mesmos organismos que tanto criticam. Se os nossos responsáveis são tão maus, como dizem a cada passo, porque querem mais activismo público? Se nos órgãos estatais há tantas asneiras, distorções, roubos, como aumentar a sua influência? Serão eles o grupinho de responsáveis puros capazes de reformar toda a máquina?

Pode ser que defendam o intervencionismo porque desconfiam mais de empresários e mercados que de ministros e burocratas. Isso faria sentido. Daí se deduziria que querem uma economia só com pequenas empresas, e mesmo essas sem grande sucesso, para evitar que cresçam. Mas o que acontece é precisamente o oposto. O seu modelo exige empresas ainda maiores que as actuais, só que controladas pelo Estado. O tal que eles asseguram só fazer burrices.

Aquilo que esses partidos censuram ainda mais que a incompetência governativa são as negociatas entre autoridades e grupos económicos. Este é o seu tema preferido. Seria assim de esperar que as suas propostas aumentassem as distâncias e defesas entre esses dois poderes, que tendem a corromper-se mutuamente. Mas ninguém no espectro político advoga maior ligação entre ministros e empresas, acreditando piamente que quando os primeiros controlarem directamente as segundas ninguém terá fins lucrativos, desaparecendo abusos do capital e exploração de trabalhadores e público.

A extrema-esquerda é a única área política que não precisa de ter alternativa credível ou sequer fazer sentido, para ganhar impacto mediático. Basta-lhe gritar alto ou dizer piadas para os jornais lhe darem lugar de relevo. Veremos isso esmagadoramente nos próximos meses. Mas esta origem da sua influência é também o seu maior vício. A política dirige-se apenas ao bem comum. Crítica gratuita em emergência nacional é sabotagem.

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