domingo, 15 de janeiro de 2012

Regras espirituais para um Padre que aspire à perfeição (I)

1. Evitar o pecado e a perturbação depois do pecado

Um Padre que aspira à perfeição e deseja santificar-se, deve primeiro que tudo tomar a peito evitar antes o pecado que a morte, até o mínimo pecado venial deliberado. Depois do pecado de Adão, no estado actual da fragilidade humana, ninguém pode e nunca pôde — à excepção de Jesus Cristo e de sua Mãe santíssima — ser isento de todas as faltas veniais indeliberadas; mas podemos muito bem, com o auxílio de Deus, evitar todas as faltas deliberadas, isto é, cometidas com plena advertência e consentimento; é o que têm feito os santos. Quem aspira à perfeição deve estar bem decidido a deixar-se antes martirizar, do que dizer com advertência plena uma mentira, ou cometer qualquer outro pecado venial, por pequeno que seja.

Tal deve ser a sua resolução; mas, se tiver a desgraça de cair nalguma falta, deliberada ou indeliberada, não se perturbe nem inquiete. Nunca a inquietação vem de Deus, é um fumo que não pode sair senão do próprio abismo da inquietação, que é o inferno. Vem-nos de lá, porque, como dizia com razão S. Luís de Gonzaga, o demónio pesca sempre nas águas turvas.

Quando uma pessoa, por exemplo, cometeu uma falta, perturba-se, e depois perturba-se por se haver perturbado: neste estado de inquietação, não só será incapaz de praticar o bem, mas até facilmente cometerá muitas outras faltas, quer de impaciência, quer doutra espécie.

Por isso, desde que a falta está cometida, é necessário humilhar-se e recorrer logo a Deus: faça um acto de amor ou de contrição, com o bom propósito de emenda, e peça com muita confiança a graça de que necessita, dizendo: Senhor! eis o que eu sei fazer e, se me retirardes a vossa mão, ainda farei pior! Amo-vos, arrependo-me do passado e não quero recair no futuro; dignai-vos conceder-me o socorro que da vossa bondade espero.

Feito isto, ficai em paz, como se nenhuma falta houvésseis cometido. Se até no mesmo dia recairdes, procedei do mesmo modo. se tivésseis a desgraça de recair cem vezes, sempre deveríeis concluir assim: humilhe-se quem se exaltou, mas nunca se fique desalentado. Importa observar que o perturbar-se depois de uma falta cometida, não é efeito da humildade, mas do orgulho: dói-se o pecador do que lhe aconteceu, menos por ser ofensa feita a Deus, do que pela vergonha que sente de se apresentar diante dele com tal mancha. Nunca o padre pois deve perturbar- se com as suas faltas, mas humilhe-se como capaz de cometer essas e ainda outras; faça depois um acto de amor de Deus.

2. Desejo eficaz de adiantar no amor de Deus

Esteja o padre animado do desejo de crescer cada vez mais no amor de Deus. Não querer adiantar na perfeição — que assenta por completo no amor de Deus — é querer atrasar. Non progredi, jam reverti est diz Sto. Agostinho (Epist. 17. E. B. app.). Quem sobe a corrente dum rio, e não luta de contínuo contra o movimento das águas, será por elas arrastado. É o que nos acontece, desde que não lutemos contra a concupiscência da carne.

Os santos desejos adoçam-nos as dificuldades e fazem-nos caminhar para a frente; mas é necessário que sejam firmes e eficazes, isto é, que sejam quanto possível postos em prática. Não tenhamos a linguagem dos que, por exemplo, se limitam a dizer: Ó! se eu tivesse irmãos nem sobrinhos, entraria numa ordem religiosa; se eu tivesse saúde, faria tais penitências...

Esses jamais dão um passo à frente no caminho de Deus; ao contrário, sempre se arrastam nos mesmos pecados, sempre conservam os mesmos apegos e animosidades, caminham de mal a pior.

Haja pois desejo de adiantar no amor de Deus, mas com a resolução firme de fazer todo o possível para chegar ao fim, desconfiando das próprias forças e pondo toda a confiança só em Deus; porque aquele que confia em si, priva-se do auxílio da graça.

3. Devoção à Paixão do Salvador e ao Santíssimo

Para adiantar na perfeição, é também necessário ser muito devoto da paixão de N. S. Jesus Cristo e do Santíssimo Sacramento. Quando se consideram estes grandes mistérios de amor, em que um Deus, para se fazer amar, sacrifica a sua vida e se dá em alimento a um verme da terra, criatura sua, não se pode deixar de arder em amor por Jesus Cristo. Charitas enin Christi urget nos, diz S. Paulo (2Cor 5,14). Quem pensa no amor do nosso Salvador, vê-se como que forçado a amá-lo. Às suas chagas sagradas chama S. Boaventura feridas, que ferem os mais duros corações, e inflamam no amor de Deus as almas mais geladas.

De ordinário pois, não deixe o padre de fazer todos os dias meia hora de meditação sobre a Paixão de Jesus Cristo. Faça além disto durante o dia frequentes actos de amor para com o divino Mestre, começando desde o despertar e procurando adormecer num acto de amor. Dizia Sta. Teresa que os actos de amor são como lenha que entretém no coração o doce fogo do amor divino. Em particular, um acto de amor muito agradável a Deus é o oferecimento de si mesmo, dispondo-se para fazer e sofrer tudo quanto for do beneplácito divino. Santa Teresa repetia este acto pelo menos cinquenta vezes cada dia.

Santo Afonso-Maria de Ligório in A Selva

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