Quando
tive conhecimento da renúncia de Bento XVI ao ministério papal, confesso que
fiquei surpreendido e um pouco confuso. A surpresa resultava do inesperado
acontecimento, que nada fazia prever, nem ninguém antecipara, não obstante a
profusão de profetas que enxameiam a comunicação social.
A confusão
nascia do insólito da situação, agora criada, e sem precedentes nos últimos
séculos da história da Igreja e do papado. E também das suas causas e
consequências. Porque renunciara? Será que alguma razão oculta levara o Papa a
esta dolorosa decisão? Que iria ocorrer agora? Como continuaria, sem ele, o Ano
da Fé?
Se me doeu
o sentimento de uma antecipada orfandade, consolou-me a certeza da fé. Antes
ainda de percorrer os comentários, ou de aceder às inevitáveis especulações
mediáticas, recolhi-me em oração. Foi no silêncio da minha meditação que
constatei uma vez mais que, não obstante as vicissitudes dos tempos e dos
homens, é Deus quem dirige a barca de Pedro e que, portanto, é coisa de
secundária importância o timoneiro de turno. E senti aquela paz que o mundo não
pode dar.
Se o
discurso do Beato João Paulo II se dirigia, sobretudo, aos crentes, recorrendo
à linguagem da fé, Bento XVI falou principalmente aos intelectuais, no registo
da razão em diálogo com a transcendência. Não estranha, portanto, que de todos
os quadrantes ideológicos se oiçam agora palavras de apreço por Joseph
Ratzinger, que não é apenas um importante expoente do pensamento católico
actual, mas também uma indispensável referência cultural da modernidade.
Coube-lhe
a ingrata missão de suceder ao carismático Papa Wojtyla. Até então, tinha sido
o odiado titular do órgão mais malquisto de toda a Igreja. Foi no seu
pontificado que eclodiu um dos piores escândalos da bimilenar história da
Igreja, a que soube fazer frente com corajosa determinação, impondo a caridade
da verdade, contra a cumplicidade do silêncio e da impunidade.
As
multidões pareciam causar-lhe algum desconforto. Talvez sofresse a nostalgia do
seu escritório, dos seus livros, das suas partituras e, seguramente, do recato
da sua oração. Mas foi essa sua timidez, pele de ovelha a esconder a fibra de
um verdadeiro leão da fé, que me fez sentir mais comprometido com o seu
pontificado. Foi a sua fragilidade que me obrigou a permanecer, em sentido, a
seu lado, firme na oração e na fidelidade ao seu magistério. Foram os ataques à
sua pessoa que me forçaram a sair à liça, com a indignação de um filho ferido
no seu mais sincero e profundo afecto filial.
Eu não
sabia que queria tanto a Bento XVI! Aprendi a quere-lo rezando, ouvindo e
meditando as suas palavras, vendo-o. Descobri agora, quando o Papa acenou um
adeus que feriu a minha alma, quanto o queria. Teria desejado que este dia
nunca tivesse acontecido. Mas dou graças pelo amor ao Papa que Deus pôs no meu
coração. E se uma lágrima furtiva se desprender, na hora da sua partida, tenho
por certo que não é sentimentalismo, mas gratidão, piedade, fé.
Em breve,
outro será o Papa. Muitas vezes, como tantos outros católicos do mundo inteiro,
usei a expressão “Santo Padre” para me referir a Sua Santidade, o Papa Bento
XVI. Mas creio que nunca a disse com tanta verdade e unção como agora, que
Joseph Ratzinger abandona a ribalta, para se retirar para a penumbra de uma
vida de sacrifício e oração, ao serviço da Igreja universal.
Bem-haja,
Santo Padre!
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