Num texto anterior[i], perguntávamos se seria possível conciliar o relativismo e o
ateísmo. E víamos que, segundo três famosos ateus (Nietzsche, Adorno e
Horkheimer) o ateísmo, ao negar a origem do conhecimento e ao tomar como
verdade a inexistência de Deus, cai numa contradição insuperável.
De facto, quem nega a existência da verdade, não pode coerentemente
afirmar que Deus não existe. Sabemos que há quem se esforce
muito por conciliar relativismo e ateísmo, colocando um ateísmo
indiscutível e dogmático como fundamento do relativismo e construindo um
sistema de pensamento no qual se parte da negação de Deus e, a partir
dessa verdade quase “divina”, afirma-se um relativismo moral e cognitivo
radical.
Um pensador que colocou em íntima relação o
ateísmo com o tema da verdade foi F. Nietzsche, autor que se considerava
«ateu por instinto». O seu ateísmo voluntarista tinha como
consequência a afirmação dum forte relativismo e a verdade era
considerada como «um exército de metáforas, metonímias», «ilusões das
quais se esqueceu a sua natureza ilusória», «moedas nas quais as imagens
foram consumidas». Noutro texto famoso, ele fazia uma interessante observação: «receio
que não possamos nunca afastar-nos de Deus porque ainda acreditamos na
Gramática».
Desse modo, o ateísmo radical deveria conduzir a uma sociedade sem
ciência, sem explicações últimas, na qual o homem só seria capaz de
conhecer os seus próprios estados de ânimo. Porém, tudo isso parte de uma
afirmação com valor de verdade absoluta: «Deus morreu, Deus continua
morto, nós matámo-lo».
O “teomicídio” seria, pois, o ato supremo de uma vontade que busca uma
autonomia absoluta, e não de uma demonstração racional. E aquele gesto
traria consigo um relativismo radical, mas não certamente absoluto.
É certo que hoje muitos pensam que o relativismo seja o fundamento do
ateísmo, mas isso deve-se a um modo superficial de examinar o problema.
Se o relativismo é total, se não há nenhuma verdade, jamais pode ser
verdade que Deus não exista. De modo que, surpreendentemente, o ateísmo coloca limites ao relativismo. Por outras palavras, pode existir um
ateísmo relativista, ou seja, um ateísmo a partir do qual se deduz o
relativismo, mas não um relativismo ateu.
Então, é impossível um relativismo absoluto? Coloquemos de outro modo a questão: pode ser verdade que não existe nenhuma verdade? Só há duas respostas possíveis: “sim, é verdade que não existe nenhuma verdade”. Ora, quem diz isso, assume, talvez inconscientemente, que há alguma verdade; e se alguém disser “não, não pode ser verdade que não exista a verdade”, certamente estaria a usar melhor a sua razão e teria encontrado a resposta lógica. De modo que, com uma resposta ou outra, a conclusão é sempre a mesma: não pode existir um “relativismo absoluto”, a verdade sempre faz parte do nosso pensamento e discurso.
A consequência disto é que, por incrível que pareça, o relativismo só pode ser relativo, uma vez que só pode ser parcial. Isto porque é sempre necessário aceitar que há alguma verdade, que algo pode ser conhecido. Certo tipo de relativismo pode ser aceite para as opiniões, que são afirmações de algo pouco fundamentado, de modo que quando se opina há receio de que a afirmação contrária seja a verdadeira. Mas nem tudo na nossa comunicação é simples opinião.
Aristóteles dizia que como a verdade é uma realidade primeira do nosso pensamento, quem nega a verdade, afirma a verdade. Ou seja, quem nega que ela exista, sabe já o que ela seja e supõe que é verdade a sua não existência, o que é uma contradição em termos. Outro modo de fugir ao compromisso com a verdade seria assumir a posição céptica, ou seja, aquela postura de certos pensadores que dizem não ser possível nem afirmar, nem negar a verdade. Quem assume essa posição, certamente se livra da linguagem e da “Gramática”, mas isso traz consigo uma consequência nefasta: não negar nem afirmar algo, faz o ser humano se tornar semelhante a uma planta, com quem não é educado discutir.
O relativismo só pode, pois, ser relativo, ou seja, só pode ser aplicado a algumas afirmações e nunca a todas. A verdade não pode jamais ser excluída da vida e da linguagem humana, a menos que alguém se conforme em viver como uma planta. F. Nietzsche só pôde dizer que a verdade é «um exército de metáforas», uma «ilusão», uma moeda sem valor porque sabia perfeitamente o que é uma metáfora, uma ilusão, uma moeda com valor. Negar a verdade implica sempre aceitar a verdade, assim como negar Deus implica pressupor a sua existência.
Então, temos que colocar agora a incómoda questão: afinal de contas, o que é a verdade? Platão dizia que «verdadeiro é o discurso que diz as coisas como são, falso o que diz como as coisas não são». E Aristóteles afirmou algo tão simples quanto essencial: «Negar aquilo que é, e afirmar aquilo que não é, é falso, enquanto afirmar o que é e negar o que não é, é a verdade». A verdade dá-se quando o nosso discurso expressa o que as coisas realmente são.
Pe. Anderson Alves in Zenit
Então, é impossível um relativismo absoluto? Coloquemos de outro modo a questão: pode ser verdade que não existe nenhuma verdade? Só há duas respostas possíveis: “sim, é verdade que não existe nenhuma verdade”. Ora, quem diz isso, assume, talvez inconscientemente, que há alguma verdade; e se alguém disser “não, não pode ser verdade que não exista a verdade”, certamente estaria a usar melhor a sua razão e teria encontrado a resposta lógica. De modo que, com uma resposta ou outra, a conclusão é sempre a mesma: não pode existir um “relativismo absoluto”, a verdade sempre faz parte do nosso pensamento e discurso.
A consequência disto é que, por incrível que pareça, o relativismo só pode ser relativo, uma vez que só pode ser parcial. Isto porque é sempre necessário aceitar que há alguma verdade, que algo pode ser conhecido. Certo tipo de relativismo pode ser aceite para as opiniões, que são afirmações de algo pouco fundamentado, de modo que quando se opina há receio de que a afirmação contrária seja a verdadeira. Mas nem tudo na nossa comunicação é simples opinião.
Aristóteles dizia que como a verdade é uma realidade primeira do nosso pensamento, quem nega a verdade, afirma a verdade. Ou seja, quem nega que ela exista, sabe já o que ela seja e supõe que é verdade a sua não existência, o que é uma contradição em termos. Outro modo de fugir ao compromisso com a verdade seria assumir a posição céptica, ou seja, aquela postura de certos pensadores que dizem não ser possível nem afirmar, nem negar a verdade. Quem assume essa posição, certamente se livra da linguagem e da “Gramática”, mas isso traz consigo uma consequência nefasta: não negar nem afirmar algo, faz o ser humano se tornar semelhante a uma planta, com quem não é educado discutir.
O relativismo só pode, pois, ser relativo, ou seja, só pode ser aplicado a algumas afirmações e nunca a todas. A verdade não pode jamais ser excluída da vida e da linguagem humana, a menos que alguém se conforme em viver como uma planta. F. Nietzsche só pôde dizer que a verdade é «um exército de metáforas», uma «ilusão», uma moeda sem valor porque sabia perfeitamente o que é uma metáfora, uma ilusão, uma moeda com valor. Negar a verdade implica sempre aceitar a verdade, assim como negar Deus implica pressupor a sua existência.
Então, temos que colocar agora a incómoda questão: afinal de contas, o que é a verdade? Platão dizia que «verdadeiro é o discurso que diz as coisas como são, falso o que diz como as coisas não são». E Aristóteles afirmou algo tão simples quanto essencial: «Negar aquilo que é, e afirmar aquilo que não é, é falso, enquanto afirmar o que é e negar o que não é, é a verdade». A verdade dá-se quando o nosso discurso expressa o que as coisas realmente são.
Pe. Anderson Alves in Zenit
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