Foi há já algum tempo que um espevitado rapaz,
de uma dúzia de anos e com ares de alguma importância, me interrogou sobre a
minha condição sacerdotal. Fê-lo de forma tão directa que não me deixou hipótese
de nenhuma airosa escapadela.
- Mas então – inquiriu – o que é que faz um padre?!
À frontalidade brutal da questão apeteceu-me responder
com a não menos brutal crueza da verdade, mas – cismei – seria correcto
fazê-lo?! Mesmo que não estivesse em causa faltar à verdade, parecia com efeito
mais oportuno satisfazer o seu indiscreto pedido com alguma ambiguidade mais ou
menos corriqueira, recorrendo, por exemplo, a uma insípida descrição dos
deveres pastorais. Uma resposta desse estilo, mesmo sem dar conta da essência
sacerdotal, poderia contudo saciar a atrevida curiosidade do meu jovem
inquisidor. Mas a verdade é que, não obstante a inconveniência, acabei por me
decidir pela resposta pura e dura que, por certo, a impertinência do
interrogador estava mesmo a pedir.
- Um padre – disse-lhe com humilde convicção – faz
milagres. É, aliás, a única coisa que verdadeiramente sabe fazer e que ninguém
pode fazer melhor do que ele. Todas as outras coisas que os sacerdotes fazem,
podem também ser feitas por outras pessoas, como gerir centros pastorais, dar
catequese, leccionar, etc., mas certos milagres só os padres os podem fazer.
O meu jovem interlocutor, não foi capaz de esconder o
seu assombro ante uma resposta que excedia as suas mais ousadas expectativas.
Suponho que, de imediato, me perscrutou intrigado, procurando descobrir na
minha fronte algum indício das antenas que seriam de supor em quem tem tão
extraordinários poderes ou, na minha retaguarda, o chumaço de umas misteriosas
asas camufladas, que me permitissem os fantásticos voos que a sua imaginação
adivinhava. Nada detectando, porém, de insólito na minha anatomia, investiu com
uma nova pergunta:
- Milagres?! Mas milagres como os que fez Jesus Cristo
aqui na terra, quando curava os paralíticos, cegos, coxos, surdos e mudos?!
A questão era pertinente mas, muito embora traduzisse
alguma inquietação, não me contive e, mais uma vez, tive mesmo que lhe dizer a
verdade, toda a verdade:
- Não, claro, como esses que Nosso Senhor fez e que
alguns santos, mesmo sem serem padres, também fizeram, mas milagres muito
maiores, como converter um pequeno naco de pão e um pouco de vinho no próprio
Deus, prodígio que, segundo consta nos Evangelhos, Jesus Cristo só realizou uma
vez antes de subir ao Céu, na última Ceia, mas que nós, os padres, fazemos
diariamente e, às vezes, até mais do que uma vez ao dia, sempre que celebramos
a Eucaristia.
Não voltei a ver aquele rapaz que consciente e
voluntariamente escandalizei, mas não se varreu da minha memória o seu
semblante estupefacto ante a minha resposta, afinal tão óbvia quanto
escrupulosamente exacta. E, quando alguma vez me assalta a lembrança daquele
diálogo e de novo revejo, espelhado na sua jovem face, o fascínio do mistério,
não posso deixar de reconhecer que essa é, afinal, a única atitude lógica ante
a grandeza do dom sacerdotal.
Também a mim me assusta, confesso, a sublimidade do
meu munus sacerdotal, mas conforta-me no entanto saber que Deus, por
ironia e graça, escolhe habitualmente aqueles que nada são para este ministério,
para que não caiba qualquer dúvida de que os méritos dos seus milagres são
única e exclusivamente d’Ele.
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