Quando, a 5 de Novembro [ndr: na primeira
sessão do Concílio], foram retomados os debates conciliares, um dos
vinte e quatro oradores que tomaram a palavra foi Mons. Duschak[1],
bispo titular de Abida e vigário apostólico de Calapan, nas Filipinas,
mas alemão de nascimento, que defendeu a necessidade de uma “Missa
ecumênica” decalcada na Última Ceia[2].
“Cristo celebrou a primeira Missa
diante dos Apóstolos — voltado para o povo, seguindo o costume então
vigente durante as ceias. Cristo falou em voz alta, de maneira que
todos, por assim dizer, ouvissem o Cânone desta primeira Missa. Cristo
serviu-se da língua falada, para que todos O compreendessem sem qualquer
dificuldade, a Ele e às palavras que disse. Nas palavras “fazei isto”,
de acordo com o seu significado completo, parece estar contido o
preceito de celebrar a Missa como uma ceia, de frente, ou pelo menos em
voz alta, e numa língua que os comensais compreendam.”
Mons. Duschak convidava pois: “a uma colaboração entre os especialistas de todos os ritos e das Igrejas que conservam a fé na eucaristia; para se compor uma Missa que se possa chamar verdadeiramente ecumênica ou “Missa do mundo”, e com ela a tão desejada unidade, pelo menos na memória eucarística do Senhor. O povo de Deus gozaria assim da participação perfeita e íntima de que gozaram os Apostolos na Última Ceia.”[3]
À tarde, Mons. Duschak explicou a sua intervenção aos jornalistas, salientando que a sua ideia consistia em “introduzir
uma Missa ecumênica, despojada, na medida do possível, das
superestruturas históricas, baseadas na essência do Santo Sacrifício e
firmemente radicada na Sagrada Escritura”[4].
O Prelado chegava ao ponto de pretender alterar as palavras tradicionais do Cânone:
“Se os homens dos séculos passados puderam escolher e inventar os ritos
da Missa, por que não pode o maior de todos os concílios fazer a mesma
coisa? Por que não havemos de decretar a elaboração de uma fórmula da
Missa, adaptada ao homem moderno, para corresponder, com toda a
reverência, aos desejos deste?”[5] Toda a Missa, insistia Duschak,
devia ser celebrada em voz alta, em língua vernácula, e voltada para o
povo. Estas propostas, que na altura pareceram radicais, seriam postas
em prática ainda antes do encerramento do Concílio.
Mas as réplicas não faltaram. Ao Cardeal
Döpfner, que tinha afirmado que era necessário introduzir as línguas
vernáculas também porque os candidatos ao sacerdócio, formados nas
escolas públicas, já não sabiam latim, respondeu Mons. Carli salientando
que os referidos candidatos também não conheciam a filosofia e a
teologia cristã e ninguém se lembrava de os ordenar antes de terem
completado os seus estudos nestas matérias[6].
Estava-se em presença de um confronto
entre a Cúria Romana e algumas conferências episcopais, sobretudo a
francesa e a alemã, apoiadas por determinados bispos dos países do
Terceiro Mundo, como Mons.D’Souza que, nas suas intervenções de 27 de
Outubro e 7 de Novembro de 1962[7], solicitou que se atribuísse às
conferências episcopais o direito de escolherem a língua em que queriam
fazer o rito, mas também o direito “de adaptarem a liturgia dos Sacramentos”[8]; e Mons. Bekkers[9], que afirmou que apenas “o núcleo sacramental fundamental de todos os sacramentos” tinha de ser “universal”, “mas
que, para uma celebração mais evoluída e mais ampla deste núcleo
sacramental, seja concedida uma amplíssima liberdade, de cujos limites
apenas a conferência de bispos de cada povo pode julgar adequada,
contanto que os actos sejam aprovados pela Santa Sé”[10].
Para o partido anti-romano, o latim era o
instrumento de que a Cúria se servia para exercer o seu poder. Enquanto
o latim fosse a única língua da Igreja, Roma teria competência para
controlar e verificar os ritos; se, porém, se introduzissem na liturgia
centenas de línguas e costumes e línguas locais, a Cúria perderia
automaticamente as suas prerrogativas e as conferências episcopais
passariam a ser os juízes desta matéria. “Era precisamente neste
ponto que insistia a maioria que começava a perfilar-se, e que pretendia
que as conferências episcopais fossem autorizadas a tomar determinadas
decisões importantes em matéria de usos litúrgicos”, sublinha Wiltgen[11].
A aliança progressista recebeu na aula o
apoio de um numeroso grupo de bispos da América Latina, chefiados pelo
Cardeal Silva Henriquez, arcebispo de Santiago do Chile; estes Padres,
recorda ainda Wiltgen, manifestavam o seu reconhecimento pelas
importantes ajudas financeiras que tinham recebido durante os últimos
anos do Cardeal Frings de Colónia, através das Associações Misereor e Adveniat: “Um
número significativo daqueles aproveitaram a ocasião do Concílio para
fazer uma visita ao Cardeal Frings, e agradecer-lhe pessoalmente, vieram
a encontrar-se envolvidos na aliança.”[12]
Roberto de Mattei in O Concílio Vaticano II – Uma história nunca escrita (Ed. Caminhos Romanos, 2012, p. 214-216)
[1] Wilhelm Josef Duschak (1903-1997), alemão, da Sociedade do Verbo Divino, ordenado em 1930, bispo de Abida (1951) e vigário apostólico em Calapan (Filipinas) entre 1951 e 1973.
[2] AS, I/1, pp. 109-112.
[3] Ibid, pp. 111-112.
[4] WILTGEN, P. 37.
[5] Ibid, p. 38.
[6] AS, I/2, PP. 398-399.
[7] AS I/2, pp. 497-499 e AS, I/2, pp. 317-319.
[8] AS I/2, p. 318. “Seria óptimo que o poder se alargasse a todo o rito e ao uso da língua falada. É isto que esperamos do Concílio porque é realmente necessário a sua actuação” (ibid.).
[9] Wilhelm Marinus Bekkers (1908-1966), holandês, ordenado em 1933, bispo coadjutor em 1956 e depois bispo de Bois-le-Duc até a morte. O seu funeral foi uma espécie de manifestação pública da corrente ultraprogressista holandesa (Actes et Acteurs, p. 372).
[10] AS I/1, pp. 313-314.
[11] WILTGEN, p. 42.
[12] Ibid., p. 53
ResponderEliminarDentro da minha ignorância sobre este tema, pois já sou da Geração em que a "missa nova" foi apresentada como uma mais valia para a nossa Fé, com todos os argumentos em cima mencionados,
hoje, que já entendo melhor, começo a acreditar que, por trás desta polémica, possa estar algo no mínimo leviano, para não dizer perverso!
E mais, se já vários Papas fizeram de tudo para manter a UNIDADE, dando liberdade de escolha a todos os Católicos para poderem escolher entre as duas formas, porquê, AGORA, em que o estado da Igreja é o que se vê, AINDA, se cria outra DIVISÃO desnecessária?! Só se for, MAIS UMA VEZ, para AGRADAR ao MUNDO, que não perde uma oportunidade de opinar sarcasticamente, sobre TUDO o que é Religioso, mas somente para descredibilizar, porque CONVERSÃO, nem vê-la!