segunda-feira, 7 de julho de 2014

Encantos e jóias

Na passada Sexta-feira, a Igreja Católica celebrou o dia de Santa Isabel, Rainha de Portugal. Esta grande mulher, que viveu em plena Idade Média, foi tudo menos o estereótipo que temos das mulheres medievais.

Além disso, a santidade dela notou-se em muito mais episódios do que o famoso milagre das rosas. Isto é algo que se pode confirmar por mais este artigo fantástico (re-)publicado pelo Senza:
Pintura idealizada da rainha Santa Isabel de Portugal,
da autoria de Francisco de Zurbarán (1598-1664), Museu do Prado.
Hoje (4 de Julho) celebra-se em todo o mundo uma das figuras mais encantadoras da história portuguesa. Muitos escreveram sobre ela, mas a melhor biografia é a publicada em 2011 pelo historiador espanhol José Miguel Pero-Sanz.

Já adivinhou? É uma mulher aparentada com quase toda a realeza europeia: avós húngaros e alemães, pai aragonês, mãe de sangue alemão e siciliano. Pelo casamento com D. Dinis, ficou ligada à coroa portuguesa e indirectamente às famílias reais francesa e castelhana. Tinha um porte elegantíssimo, cabelo claro, olhos verdes, feições perfeitas. Os cronistas da época falam da «sua grande formosura, muito louvada nas cortes dos reis e dos príncipes». Media 1,76 m. Isabel era um deslumbramento, naquela época.

Sabia arranjar-se, usava bons vestidos e jóias caras. Era rainha a tempo inteiro e não deixava que alguém tivesse dúvidas a esse respeito. Até ao fim da vida, assinou sempre «Isabel, rainha de Portugal e do Algarve». Oficialmente, começou a ser rainha aos 11 de idade, embora só tenha começado a exercer funções quando entrou em Portugal, com 12 anos.

Um traço de carácter que se destacava era a autoridade natural. Mandava (mandou muito!), mas com uma ascendência tão forte que todos lhe reconheciam a liderança. O marido dizia e repetia que ela «nasceu para ser rei» (escrevia assim, no masculino) e o povo concordava, porque Isabel não precisava de puxar por uma espada para pôr em sentido os vassalos mais poderosos e ricos, pouco dados a obedecer.

Nasceu no palco das intrigas internacionais. Talvez por isso, tivesse um instinto e uma habilidade política tão extraordinários.

Naquela época, as famílias reais costumavam casar entre si, primos com primos, de modo que o flagelo da consanguinidade explica muita coisa. O caso de Isabel foi uma excepção. O seu próprio casamento com o rei português foi um dos poucos daquela época que não precisou de dispensa papal por razão de consanguinidade. Por causa dos cruzamentos entre familiares próximos ou do ambiente decadente da corte portuguesa, ou por várias razões juntas, D. Dinis foi um homem descontrolado, violento ou, como o descrevia Vitorino Nemésio, «vigoroso, com uma imaginação aguda e sensual; não lhe faltavam na sua própria casa exemplos de vida regalada». Este luxo e essa luxúria não ajudaram a formar uma personalidade íntegra e generosa. Desse descontrolo nasceram muitos filhos ilegítimos e confrontos sangrentos. Por outro lado, segundo os dados disponíveis, D. Dinis foi o primeiro rei português não analfabeto o que, só por si, diz muito sobre a rudeza intelectual daquela corte. D. Isabel tinha outra formação. Sabia latim. Ai dos padres, se alguma vez eram pouco rigorosos no latim, na presença dela!

A história descreve-nos D. Isabel como estadista profissional. Não tinha nada de frágil senhora num mundo desumano dominado por homens violentos. A sua profissão, a tempo inteiro, foi ser rainha. Administrou um património enorme, que mobilizou, com mão firme, ao serviço dos mais pobres e da cultura, e estendeu a sua acção diplomática a grande parte da Europa. Valendo-se dos laços familiares, tomou a iniciativa de intervir em muitas disputas, com tanto sentido de oportunidade e de justiça, com tanta capacidade de negociação, que resolveu conflitos aparentemente insolúveis. O correio diplomático e os enviados não paravam. A vida desta mulher é um exemplo extraordinário de capacidade de trabalho.

Em Lisboa, perto da «Loja dos Açores», existe uma lápide que pertenceu a um padrão ainda mais antigo. Traduzo: «Santa Isabel, rainha de Portugal, mandou colocar este padrão neste lugar em memória da pacificação que nele se fez entre seu marido el-rei D. Dinis e seu filho D. Afonso IV, estando para se darem batalha, na era de 1323». Recentemente, roubaram a cruz e depois a coluna do padrão. Resta a lápide, a recordar o episódio. Os poderosos preparavam-se para disputar o poder, à custa de uma guerra civil; intervém a rainha, com coragem física e inteligência rápida. Cederam o rei, o filho, os nobres.

Os êxitos das mediações nacionais e internacionais de Santa Isabel não cabem num artigo de jornal.

Em Junho de 1336, chegou-lhe a notícia de mais uma guerra, desta vez entre Portugal e Castela. A rainha pôs-se a caminho. Tinha 65 anos, eram muitos quilómetros e vários rios pelo caminho, mas não houve maneira de a convencer.

O calor apertava. Ao fim de uma semana de viagem, chegou a Estremoz, recebida com imenso carinho, mas com uma úlcera no braço. Os tratamentos não deram nada. No dia 1 de Julho a febre foi tanta que não conseguiu levantar-se para assistir à Missa. Os médicos estavam confiantes, a rainha percebeu que estava por um fio.

No dia 4, confessou-se antes da Missa, celebrada no quarto. Ainda se levantou para ir à capela. Durante o dia, conversou com as visitas, encantadora como sempre. Tudo normal, excepto que Nossa Senhora lhe apareceu, quando estava com a nora. À noite, quis que não atrasassem o jantar por sua causa. Pouco depois teve um desfalecimento e D. Afonso correu para junto da mãe. Recompôs-se, e ficaram os dois a falar das netas. Passado um tempo, advertindo que o fim se aproximava, invocou Nossa Senhora, recitou o Credo, o Pai Nosso e outras orações. A voz ficou sumida e difícil de entender. Morreu.

Era o dia 4 de Julho. Hoje, festa de Santa Isabel.

José Maria C. S. André in «Correio dos Açores», 7-VII-2014

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