terça-feira, 22 de julho de 2014

Incentivar a natalidade e patrocinar o aborto ao mesmo tempo?

Três anos depois de ser eleito, e depois de ter criado uma “comissão para a natalidade”, o nosso governo percebeu o seguinte silogismo:

- O Estado social precisa de ser sustentado pelas novas gerações;
- A taxa de natalidade em Portugal é a mais baixa da Europa, cerca de 1,2 filhos por mulher em idade fértil (muito longe nível de substituição de 2,1);
- Se isto continua assim Portugal pode dizer adeus ao Estado social porque não vai haver ninguém para pagar as contas.

Mesmo que não fosse a coisa mais óbvia do mundo, este panorama já tinha sido anunciado há muito tempo, e repetido até à exaustão na campanha contra a legalização do aborto, em 2007.

Para tentar remediar esta previsível catástrofe, o governo deverá brindar os progenitores com uma vasta panóplia de (pequenas) vantagens económicas por gerarem descendência, esperando que sirvam como um incentivo à natalidade.

Qualquer incentivo fiscal que ajude as famílias, especialmente as que generosamente têm mais filhos, é de salutar. O problema é que estas medidas são “peaners”.

O desenvolvimento económico ocidental que nos acompanha, mais crise menos crise, desde o fim da segunda guerra mundial foi incentivando o consumo privado, privilegiando o “ter de ter”, o materialismo, o individualismo, em última análise o egoísmo.

Com o Maio de 68, e a “revolução sexual”, patrocinada pelo aparecimento da pílula anticoncepcional, sexo e casamento divorciaram-se, passou a ser sempre que se quisesse, com quem se quisesse, sem um compromisso de vida.

O casamento foi menosprezado e o seu valor diminuído, entrando em crise, com cada vez menos pessoas a querer casar-se, e um aumento constante na taxa de divórcio. Generalizou-se o “viver junto” e a “união de facto”.

O aborto começou a ser visto como um direito, e legalizado praticamente em todos os países, onde se matam hoje em dia milhões de bebés por ano.

Os mesmos que atacaram o casamento até passar a ser visto como uma “tradição sem sentido” exigiram que duas pessoas do mesmo sexo se pudessem casar, dizendo que sem isso não haveria igualdade. Com um lobby poderosíssimo conseguiram o seu intento em tempo recorde, dando mais uma machadada na já frágil instituição casamento.

Isto tudo para dizer que a falta de filhos não existe por causa da crise, mas provém da mentalidade anti-família e anti-compromisso que se foi instalando na sociedade ocidental. Um dos grandes culpados pela propagação desta doutrina em Portugal foi o governo de José Sócrates, que conseguiu a proeza de legalizar o aborto, aprovar o divórcio-expresso e sem culpa, e o “casamento gay”.

Enquanto nada disto mudar, o governo bem pode arranjar umas promoções jeitosas, que vão apenas fazer ricochete e o problema de fundo irá continuar. É uma questão de mentalidade, de maneira de encarar a vida e o que andamos cá a fazer, e isso não se muda com descontos no IRS.

João Silveira

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