A liturgia da Igreja prevê que o «sprint» final que antecede o Natal comece no dia 17 de Dezembro, mas no actual pontificado esse dia tem mais qualquer coisa: faz anos o Papa Francisco. Poderia parecer pouco importante, soprar as velas (78 velas) e cortar umas fatias de bolo, mas é uma coisa muito séria.
À primeira vista, o Evangelho da Missa do dia 17, que marca o «sprint» de preparação para o Natal, não se parece com a partida para uma corrida de velocidade. Julgamos mesmo que S. Mateus perde tempo com uma lengalenga interminável: «Abraão gerou Isaac, Isaac gerou Jacob, Jacob gerou…» e lá vão catorze gerações de personagens estranhos, e mais catorze gerações de uma genealogia ainda mais incompreensível, e mais outras catorze gerações… até concluir finalmente em «José, esposo de Maria, da qual nasceu Jesus». É raro o Evangelho da Missa ser tão comprido e, sobretudo, nenhum outro tem tantos personagens e tão pouco argumento. Poderia suspeitar-se que o Evangelho do dia 17 de Dezembro está em competição renhida com a lista telefónica.
De facto, à primeira vista, é um relatório cansativo. Só Deus parece interessado em cada um daqueles homens e mulheres e conhece o sentido das suas vidas. Por isso, lido no dia 17 de Dezembro, no começo do «sprint» do Natal, aquela lista tem sabor a um sinal de partida pouco incisivo. Ou talvez não.
A surpreendente mensagem de S. Mateus é que Deus se fez Homem e quis misturar-se connosco. Quis ter antepassados, quis nascer numa família e quis rodear-se de pessoas. Mais tarde, quando começou a sua vida pública, Cristo aparece sempre rodeado dos seus discípulos. Podia dispensá-los, mas convoca-os. Atrapalham um pouco, mas quere-os junto a si. Viver acompanhado foi uma opção pessoal tão forte, que se transformou num programa para o mundo: Cristo quer chegar a todos os povos através de uma corrente de pessoas.
Em consequência, Simão ficou «Pedro», isto é, «rocha», porque Cristo o colocou como elo entre nós e Deus, fundamento sobre o qual assentaria a sua Igreja. Nem Pedro compreendeu o mistério. Nem dava para perceber: todos conhecem os inconvenientes de contar com a colaboração de seres humanos; porque é que Deus conta com eles?! Porque é que Deus chamou Pedro? Em vez de uma comunicação directa, eficiente, Deus fala connosco através de um intermediário. Que processo mais complicado, sob todos os pontos de vista! A fraqueza humana não tem limites e a tarefa exige, com alguma frequência, arriscar a vida. Nenhum homem pensaria num sistema tão complexo, mas Cristo não tem só uma inteligência humana, de modo que foi mesmo assim que estabeleceu a sua Igreja.
«Abraão gerou Isaac, Isaac gerou Jacob»… geração após geração, Deus não saltou nenhum elo na cadeia que o liga às raízes da humanidade. Analogamente, nós, como diz uma oração habitual da Missa, «em comunhão com toda a Igreja, veneramos a memória da gloriosa sempre Virgem Maria (…), a de S. José, seu esposo, e a dos bem-aventurados Apóstolos e Mártires Pedro, (…) Lino, Cleto, Clemente, Anastásio…». A lista dos Papas, que começa com Pedro e continua com Lino, Cleto, Clemente, … prolonga-se pelos séculos, geração após geração, até …João Paulo, Bento e Francisco.
É este Francisco, escolhido por Deus para governar a Igreja, que soprou as velas do bolo no dia 17 de Dezembro. Ele podia não ser importante para a nossa relação com Deus, mas Cristo quis que fosse indispensável.
José Maria C.S. André in «Correio dos Açores», 21-XII-2014
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