segunda-feira, 25 de maio de 2015

Uma religião à medida do «New York Times»?

O Papa Francisco continua a sua catequese sobre a família. Em vez de criticar, propõe a grandeza da vocação familiar; em vez do peso das tentações, prefere falar das exigências maravilhosas do amor. Alguns jornalistas só perguntam se é proibido, mas em muitos ambientes a mensagem profunda e optimista da Igreja vai passando.

Neste contexto positivo, os desafios ganham sentido: «a fidelidade ao Evangelho da vida e ao respeito da vida como dom de Deus, às vezes exigem escolhas corajosas e contracorrente» – diz o Papa (15-XI-2014). O plano de Deus é tão maravilhoso que é uma pena deixarmo-nos enganar; não podemos olhar as tentações como quem suspira por um paraíso proibido; as tentações são uma miragem de felicidade: «Às vezes o pensamento dominante propõe uma “falsa compaixão”: como se favorecer o aborto fosse ajudar a mulher; ou a eutanásia fosse um acto de dignidade; ou “fabricar” um filho fosse uma conquista científica, em vez de se acolher o filho como um dom; ou usar vidas humanas como material de laboratório com o pretexto de eventualmente curar alguém» (ibid.).

A mensagem sobre a misericórdia e o Sacramento da Confissão permite entender muitas coisas. Explica o Papa, «é importante que [as pessoas divorciadas e recasadas] frequentem a igreja. Então simplificam e concluem “ah! vamos dar a Comunhão aos divorciados”. Isso não resolve nada. Aquilo que a Igreja pretende é que eles se integrem na vida da Igreja». E se as pessoas só querem mesmo comungar? O Papa é claro: «...Ora! Um colar ao peito, uma condecoração. Não. O que precisas é de te reintegrar. As pessoas em segundas uniões não estão em condições de fazer algumas coisas» (14-III-2015). Importa acolher, «acompanhar os processos interiores» (14-III-2015), ajudar as pessoas a superar alguma situação, até ficarem em condições de receber a absolvição sacramental.

O Papa Francisco acaba de nomear duas figuras importantes para o apoiarem nesta catequese de promover a exposição clara da doutrina da Igreja. É interessante perceber essas escolhas. Uma delas é o recém-nomeado Arcebispo de Sydney, Anthony Fisher OP. Tem 54 anos, formou-se em Direito, exerceu advocacia, estudou Teologia, doutorou-se em Oxford, foi professor na universidade e ganhou fama na Austrália pela simpatia e frontalidade da sua catequese. Este estilo levou muita gente a converter-se e aumentou as entradas no seminário. O seu lema episcopal é «Veritatem facientes in caritate» (dizer a verdade com amor) e, realmente, vai direito aos assuntos, com o dom da simpatia.

Papa Francisco com o Arcebispo de Sydney, Novembro de 2014.    
Declara abertamente que «a nossa única função é ensinar o Evangelho de Jesus Cristo, não estamos aqui para construir a nossa própria religião de acordo com as modas ou com o que o “New York Times” pretende». A verdade é que este estilo directo cai bem entre os jornalistas, incluindo os do NYT, e a juventude australiana adoptou-o como uma espécie de ídolo. A sintonia do Arcebispo de Sydney com o Papa é particularmente evidente: ambos gostam da perspectiva positiva e de propor grandes desafios.

Fisher sabe provocar sem ofender: «No fundo, acho que muitas pessoas não sabem amar muito bem. Falta-lhes o sacrifício de amar, têm medo do compromisso do amor, da vulnerabilidade de quem ama, das consequências do fracasso».

Facilidades? «Esperamos, ansiamos grandeza para ambos, e heroísmo para ambos, e felicidade para ambos». «Não basta contribuir para um certo equilibrismo de “bem” e de “mal” (...). Queremos mesmo que as pessoas façam coisas grandiosas». Para explicar o amor, dá o exemplo da mãe que se levanta a meio da noite quando o bebé chora, embora lhe custe, porque sabe que tem uma missão a cumprir. «Afinal, aquilo é amor, por isso a mãe persevera nesse sacrifício».

«Muitas vezes se reduziu o amor, ao torná-lo romântico, sentimental, explorando-o comercialmente de várias maneiras. Por isso, às vezes as pessoas têm uma perspectiva do amor cheia de emoções, de calor, de um sentimento nebuloso cá dentro, quentinho e nebuloso, focado obsessivamente numa pessoa, retirando determinadas satisfações dessa relação. Anda-se a vender essa visão de “dia dos namorados” como se fosse amor. Totalmente ao contrário do amor que Cristo nos mostrou na Cruz».

A ideia a transmitir é que um amor a sério vale a pena. Um momento de dificuldade pode ser um momento de grandeza. Deus ajuda. Vale a pena.

Segundo o Arcebispo, o sínodo vai servir para os católicos apreciarem o amor na família. «Esse amor até ao sacrifício de si mesmo, personificado por Jesus Cristo na sua Semana Santa e na sua Páscoa por nós, esse é o tipo de amor que precisamos de reaprender e ensinar ao mundo».

Aos poucos, a mensagem vai passando, na medida em que cada um se dispõe a ouvi-la.

José Maria André
in «Correio dos Açores»,  «Verdadeiro Olhar»,  «ABC Portuguese Canadian Newspaper», 24-V-2015

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