quinta-feira, 5 de novembro de 2015

O privilégio paulino e um recente artigo do Pe. Miguel Almeida SJ

Há pouco tempo, o Pe. Miguel Almeida sj escreveu um artigo na revista Brotéria sobre "a situação dos divorciados recasados na Igreja".

O artigo do Pe. Miguel tem a vantagem de promover uma discussão sobre o assunto. No entanto, como muitas pessoas não estudaram o assunto, poderão seguir ideias erradas com base nas conclusões do artigo (que foi divulgado num formato mais simples no jornal Observador.pt).

Um dos argumentos que o Pe. Miguel utiliza baseia-se numa citação da Primeira Carta de S. Paulo aos Coríntios.

Escreve S. Paulo:
Aos que já estão casados, ordeno, não eu, mas o Senhor, que a mulher não se separe do marido; se, porém, está separada, não se case de novo, ou, então, reconcilie-se com o marido; e o marido não repudie a sua mulher. 
Aos outros, digo eu, não o Senhor: Se algum irmão tem uma esposa não crente e esta consente em habitar com ele, não a repudie. E, se alguma mulher tem um marido não crente e este consente em habitar com ela, não o repudie. Pois o marido não crente é santificado pela mulher, e a mulher não crente é santificada pelo marido; de outro modo, os vossos filhos seriam impuros, quando, na realidade, são santos. Mas se o não crente quiser sepa­rar-se, que se separe, porque, em tais circunstâncias, nem o irmão nem a irmã estão vinculados. Deus chamou-vos para viverdes em paz. Com efeito, ó mulher, sabes se podes salvar o teu marido? E tu, ó marido, sabes se podes salvar a tua mulher? (1Cor 7, 10-16)
O Pe. Miguel utiliza esta passagem para concluir que na Igreja se pode terminar ("dissolver") um casamento e portanto os divorciados recasados podem receber a Sagrada Comunhão, porque já não estão casados.

Mas a visão da Igreja não é essa. A Igreja, como o próprio Jesus ensinou, não tem o poder de "dissolver" matrimónios. Como é sabido, a Igreja só ajuda a "considerar nulo" um matrimónio, isto é, dizer que ele nunca existiu. Isto é diferente de dizer que o casamento terminou, pois o matrimónio é para sempre.

Porque é que o Pe. Miguel não tem então razão nesta conclusão? É que S. Paulo não se refere àquilo a que nós chamamos Matrimónio ou Casamento entre duas pessoas Católicas (o caso que estava em discussão no Sínodo).

S. Paulo refere-se a casamentos em que uma das partes não é cristã ("aos outros"). Quando uma das partes não é cristã (ou seja, não baptizada) o vínculo natural do matrimónio pode-se dissolver em alguns casos, mas isso é algo que a Igreja já ensina há muito tempo.

Esta ideia está muito bem explicada num texto publicado no blog Ad te levavi.

O autor é o Cónego José Manuel Ferreira, Prior da Paróquia de Santa Maria de Belém, conhecida pelo Mosteiro dos Jerónimos, doutorado em Teologia na Universidade Gregoriana (a "universidade dos jesuítas").

S. Paulo adaptou os ensinamentos de Jesus sobre o matrimónio?
O "Privilégio Paulino"

“A Igreja tem vindo a adaptar os ensinamentos de Jesus ao longo da história pelo chamado «privilégio paulino» (e na sua extensão no que ficou conhecido como o «privilégio petrino»).

É o que afirma, num artigo recente, publicado na revista Brotéria, o Pe. Miguel Almeida, S.J.

Mas esta afirmação é imprecisa, porque o “privilégio paulino” não se aplica propriamente aos ensinamentos de Jesus sobre o matrimónio vivido na luz e na graça do seu Evangelho, aos quais S. Paulo se refere em 1 Coríntios 7, 10-11, mas sim ao matrimónio “natural”, instituído por Deus desde o início da Criação, e concretamente ao matrimónio entre um homem e uma mulher «pagãos», dos quais um se converte à fé cristã e é baptizado, e o outro permanece na infidelidade.

O caso é este:

Quando duas pessoas não baptizadas se casam validamente, existe entre elas o vínculo natural. Admitamos, porém, que uma delas se converte à fé e recebe o Baptismo. Se a outra parte continua não baptizada e torna insustentável a vida conjugal, a Igreja reconhece a dissolução desse vínculo natural, para que a parte baptizada possa contrair novo matrimónio, devendo este ser necessariamente sacramental.

Esta prática baseia-se no chamado Privilégio Paulino, segundo o que Apóstolo S. Paulo escreve em 1 Coríntios 7, 12-16: 
"Digo eu, não o Senhor: se algum irmão tem esposa não cristã, e esta consente em habitar com ele, não a repudie. E, se alguma mulher tem marido não cristão, e este consente em habitar com ela, não o repudie. Pois o marido não cristão é santificado pela esposa, e a esposa não cristã é santificada pelo marido cristão. Se não fosse assim, os vossos filhos seriam impuros, quando na realidade são santos. Porém, se a parte não cristã quer separar-se, separe-se! Neste caso, o irmão ou a irmã não estão mais ligados; foi para viver em paz que Deus vos chamou. Porque, porventura sabes tu, ó mulher, se salvarás o teu marido? Ou sabes tu, ó marido, se salvarás a tua mulher?"
Nada nos permite afirmar, portanto, que S. Paulo adapte os ensinamentos de Jesus relativamente ao matrimónio na nova ordem do Reino de Deus, por Ele instituído, embora restrinja o alcance da indissolubilidade do matrimónio “natural”, que é relativizada em favor da fé.

Ainda menos o impropriamente chamado “privilégio petrino” se propõe adaptar quaisquer ensinamentos de Jesus relativos ao matrimónio celebrado e plenamente vivido por um homem e uma mulher no âmbito da Nova Aliança, mas apenas se aplica a diversos casos de matrimónios não sacramentais.

Assim se explica no texto seguinte:

[Carregar no link para ler uma explicação mais desenvolvida]

in adtelevavi.blogspot.com

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