Escrevo do Uganda, paraíso da «East
Africa». Em frente, estende-se o lago Victoria, aproximadamente circular, com o
diâmetro da distância de Lisboa ao Porto (340 km por 230 km) e um recorte de 5.000
km, equivalente a 4 viagens de Lisboa aos Açores. Ao meio-dia, o sol brilha
quase na vertical sobre esta imensa superfície de água, porque estamos precisamente
no equador. A luz é deslumbrante. No entanto, a altitude do país é semelhante à
das Penhas Douradas, na Serra da Estrela, e a conjunção do equador africano com
esta altitude produz um clima de sonho, que lembra os dias mais temperados da
Primavera nas latitudes portuguesas.
A história do Uganda é singular
e as pessoas com quem me cruzei têm uma simplicidade e uma capacidade de
acolhimento invulgares. É fácil meter conversa com desconhecidos. O povo é
descontraído, divertido, disposto a ajudar. Respira-se paz e, pelo que me
disseram, anda-se à vontade. Quem diria que é um país revolucionário para a
mentalidade europeia!
Antes de partir de Lisboa, fui
à consulta do viajante, para fazer as vacinas necessárias e ouvir os conselhos
médicos pertinentes. Quase tudo bem. Tudo bem, salvo um pormenor, o apelo
insistente a usar o preservativo para prevenir a Sida.
Os médicos sabem que um casal
fiel ou uma pessoa que não tem relações sexuais jamais contraem doenças
sexualmente transmissíveis e não precisam do preservativo. O curioso é não se pôr
a hipótese de um casal ser fiel ou de uma pessoa solteira não fazer turismo
sexual. Não discuto moral, queixo-me de falta de educação.
Ao desembarcar no Uganda, vê-se
o contraste na forma de lidar com a Sida. No princípio dos anos 90, a
percentagem da população ugandesa contagiada com Sida era muito alta e a
epidemia alastrava galopante. Somando outras doenças muito graves, a situação era
aflitiva. Tão crítica, que o Governo tomou uma medida inédita. Lançou o
programa ABC, para promover o sentido de responsabilidade. «A» era a
Abstinência para as pessoas solteiras; «B» era «Being faithful» (ser fiel) para
as pessoas casadas; «C» era «Condom» (preservativo) para os que não queriam o «A»
e o «B». Esta mobilização nacional acabou com os namoros irresponsáveis e os casamentos
à experiência. A mudança foi notória e, em 10 anos, a percentagem de ugandeses
com Sida desceu para níveis inferiores aos de muitos países considerados
seguros.
A parte que correu bem foi o
«A» e o «B». A população aderiu em massa e apostou numa vida familiar mais
madura. Menos divórcios, menos crianças abandonadas, menos gravidezes precoces,
famílias mais estáveis, com níveis de satisfação mais elevados e melhores
condições de educação da juventude. A parte que continua a ter dificuldade em
ver-se livre da Sida é o clube do «C», porque o preservativo, embora seja uma
barreira, não evita completamente a passagem do vírus. Se a pessoa escapa de
uma, nada garante que não fique infectada na vez seguinte e quem repete as situações
de risco expõe-se francamente a ser contagiado. É esse o problema da
prostituição e dos homossexuais activos, que não adoptam o «A» e o «B» e para
quem o «C» se demonstrou uma jangada de pedra. Continuam a morrer de Sida e de
outras doenças, mas os problemas do «C» ficaram circunscritos a uma percentagem
pequena da população do Uganda.
A estratégia ABC do Uganda foi
um êxito internacional, evidente e único no mundo. Ninguém tem dúvidas. Apesar
disso, o programa é muito criticado no mundo ocidental, por ser uma proposta de
fidelidade, classificada como oposta à liberdade sexual e reprodutiva. Para
muitos no Ocidente, erradicar a Sida com fidelidade seria fácil, o desafio é fazê-lo
mantendo certos estilos de vida.
Em Portugal, onde estamos pouco
habituados a ter opinião própria, preferimos imitar o que vemos à volta e, por
isso, continuamos inscritos no «C». A indústria talvez agradeça. A população do
Uganda acha-nos decadentes. Li há três dias num jornal de cá: «...you change,
or you fade out» (vocês mudam, ou extinguem-se).
José Maria C.S. André in Correio dos Açores, 8-VIII-2016
Portanto, a castidade deve ser promovida porque evita a SIDA...
ResponderEliminarMas se a 'indústria' descobrir um preservativo mais eficaz ou uma vacina, porque razão seria necessário promover o A e o B?
Concordo.
ResponderEliminarA sociedade deve promover o sentido de responsabilidade também por essa razão.
Abraço do Uganda,
José Maria A.