Tetendit enim adversus Deum manum suam, et
contra omnipotentem roboratus est –
“Estendeu a sua mão contra Deus e se fez forte contra o Todo Poderoso” (Iob 15,
25).
Sumário. Para nos induzir ao pecado, o
demónio deixa-nos ver o pecado somente à metade, mostrando-nos o deleite que
nos traz e não o mal que encerra. Consideremos, porém, que esta malícia, pela
injúria que faz a Deus, é tão grande que, se todos os homens e anjos se
oferecessem a morrerem ou mesmo a aniquilarem-se, não poderiam satisfazer por
um só pecado. Um verme da terra revolta-se contra a Majestade infinita. Ah,
Senhor! Pelo amor de Jesus Cristo, iluminai-me para compreender a malícia do
pecado.
Que faz aquele que comete pecado mortal? Injuria a
Deus. Segundo Santo Tomás, a malícia de uma injúria mede-se pela pessoa que a
recebe e não pela que a faz. A injúria feita a um arrieiro é um mal; feita a um
nobre, é um mal maior; feita a um monarca, muito maior ainda.
Quem é Deus? É o Rei dos reis, o Senhor dos
senhores: Dominus
dominantium est et rex regum (1).
Deus é a Majestade infinita; perante Ele são menos que um grão de areia todos
os príncipes da terra, todos os Santos e todos os Anjos do céu: Quasi stillae situlae, pulvis exiguus (2). O Profeta ainda acrescenta que diante da
grandeza de Deus, todas as criaturas são de tal modo pequenas, que é como se
não existissem: Omnes
gentes quasi non sint, sic sunt coram eo (3).
Eis aí o que é Deus.
E que é o homem? Saccus stercorum, cibus vermium, responde São Bernardo. O homem é um vil montículo de
corrupção, pasto dos vermes, que em breve o hão de devorar. O homem, continua o
santo Doutor, é um verme miserável que nada pode, um pobre nu que nada tem. – E
é este verme miserável que se atreve a injuriar a Deus; é este vilíssimo grão
de pó que não hesita em excitar a cólera terrível da Majestade divina: Tam teribilem maiestatem audet vilis
pulvisculus irritare!
Tem, pois, razão o Doutor Angélico em dizer que o
pecado do homem contém de algum modo malícia infinita – Peccatum habet quamdam infinitatem
malitiae, ex infinitate divinae maiestatis (4).
Santo Agostinho chama o pecado, de um modo absoluto, um mal infinito: infinitum malum. – D’onde se segue que todos os homens e todos os Anjos
não poderiam satisfazer por um só pecado, ainda que à morte e ao aniquilamente
se oferecessem. Deus castiga o pecado mortal com o grande suplício do inferno;
mas, qualquer que seja o castigo, todos os teólogos são unânimes em dizer que
fica abaixo do que o pecado merece: citra condignum. E que
pena poderia jamais castigar, como merece, o verme que se levanta contra seu
Senhor?
Sendo tão grande e horrorosa a malícia de um pecado
mortal, como é que ele é cometido tão frequentemente até por cristãos? “Isso é
devido”, responde São Leonardo de Porto Maurício, “a uma arte hábil do demónio,
que nos mostra o pecado só pela metade; o que quer dizer que nos deixa ver o
encanto e deleite que nos traz o pecado e não a malícia e monstruosidade que
ele encerra.” Oh, se todos soubessem o que é o pecado mortal! Ao menos tu, meu
irmão, a quem Deus concedeu a graça de meditar hoje na hediondez deste monstro,
fica sempre longe, afastado dele. E se no passado tens ofendido o teu bom Deus,
pede-lhe agora humildemente perdão.
É verdade, meu Senhor, Vós me haveis distinguido,
acima dos outros, com os vossos benefícios; e eu Vos fiz objeto preferido das
minhas ofensas, injuriando-Vos mais que a qualquer conhecido meu. Ó Coração
angustiado do meu Redentor, que sobre a cruz fostes tão aflito e atormentado à
vista de meus pecados, concedei-me, pelos vossos merecimentos, um claro
conhecimento e uma viva dor dos meus pecados. Ah, meu Jesus, vejo-me cheio de
vícios, mas Vós sois todo poderoso; podeis, portanto, encher-me de vosso santo
amor. Tenho confiança em Vós, que sois a bondade, a misericórdia infinita. Ó
meu Bem soberano, pesa-me de Vos ter ofendido. Oxalá tivesse morrido antes de
Vos ofender e nunca Vos tivesse causado desgosto!
Ó Senhor, eu vivi esquecendo-me de Vós, mas Vós não
Vos esquecestes de mim; prova-mo a luz que nesta hora me comunicais. Visto me
haverdes dado a luz, dai-me também força para Vos ser fiel. Prometo antes
morrer mil vezes do que voltar-Vos novamente as costas; mas as minhas esperanças
estão em vosso auxílio: In te, Domine, speravi, non confundar in aeternum (5) – “Em Vós, Senhor, esperei, não serei confundido”. – A vós também, ó Maria, minha Soberana, me
dirijo: In
te, Domina, speravi, non confundar in aeternum – “Em vós, ó Senhora, esperei; não serei nunca confundido”. Ó minha Esperança, em vós confio que nunca tornarei
a ser inimigo do vosso Filho. Rogai-lhe que me deixe antes morrer do que
entregar-me a esta suprema desgraça. (*II 67.)
1. Apoc. 17, 14.
2. Is. 40, 15.
3. Is. 40, 17.
4. S. theol. 3, q. 2, c. 2 ad 2.
5. Ps. 30, 1.
Santo Afonso Maria de Ligório in ‘Meditações: Para todos os Dias e Festas do
Ano: Tomo II’
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