Um Franciscano Capuchinho resolveu escrever uma carta ao Papa Francisco acerca das suas inquietações sobre o estado da Igreja. Thomas G. Weinandy é um teólogo, membro da Comissão Teológica Internacional e era, até há pouco tempo, consultor teológico da Conferência Episcopal dos Estado Unidos (foi obrigado a demitir-se depois de ter tornado pública esta carta).
O Padre Weinandy conta que estava bastante indeciso entre escrever e não escrever esta carta. Rezou por esse assunto nas Basílicas Papais em Roma, especialmente na Basílica de São Pedro. Depois disso pediu um sinal inequívoco a Nosso Senhor que esta carta correspondia à vontade de Deus. Contra todas as probabilidades o sinal que pediu aconteceu e, no dia de Santo Inácio de Loyola (31 de Julho), escreveu o seguinte texto dirigido ao Papa:
Santidade,
Escrevo esta carta com amor pela Igreja e sincero respeito pela vossa cátedra. Sois o vigário de Cristo na terra, o pastor do Seu rebanho, o sucessor de São Pedro e, portanto, a rocha sobre a qual Cristo irá construir a sua Igreja. Todos os católicos, clérigos e leigos, devem olhar para vós com lealdade e obediência filial fundamentadas na verdade. A Igreja volta-se para vós num espírito de fé, com a esperança de que vós a guieis no amor.
No entanto, Vossa Santidade, uma confusão crónica parece marcar o vosso pontificado. A luz da fé, da esperança e do amor não está ausente, mas muitas vezes é obscurecida pela ambiguidade das vossas palavras e acções. Isto promove entre os fiéis um crescente desconforto. Compromete sua capacidade de amar, a sua alegria e a sua paz. Permiti que eu ofereça alguns exemplos breves.
Primeiro, há o discutido Capítulo 8 de Amoris Laetitia. Não necessito compartilhar as minhas próprias preocupações sobre o seu conteúdo. Outros, não só teólogos, mas também cardeais e bispos, já o fizeram. A principal fonte de preocupação é a forma do vosso magistério. Em Amoris Laetitia, as vossas orientações parecem por vezes intencionalmente ambíguas, convidando tanto uma interpretação tradicional do magistério católico sobre o casamento e o divórcio, como também uma interpretação que pode implicar uma mudança nesse magistério.
Como vós observais sabiamente, os pastores devem acompanhar e encorajar pessoas em ‘casamentos’ irregulares; mas a ambiguidade persiste sobre o que realmente significa esse "acompanhamento". Ensinar com uma aparentemente intencional falta de clareza inevitavelmente corre o risco de pecar contra o Espírito Santo, o Espírito da verdade. O Espírito Santo é dado à Igreja, e particularmente a vós mesmo, para dissipar o erro e não para o promover. Mais, somente onde existe a verdade pode haver amor autêntico, pois a verdade é a luz que liberta mulheres e homens da cegueira do pecado, uma escuridão que mata a vida da alma.
No entanto, vós pareceis censurar e até mesmo zombar dos que interpretam o Capítulo 8 de Amoris Laetitia de acordo com a tradição da Igreja [apelidando-os de] lançadores de pedras farisaicos que encarnam um rigorismo implacável. Esse tipo de calúnia é estranho à natureza do ministério petrino. Alguns dos vossos conselheiros parecem lamentavelmente envolver-se em acções semelhantes. Esse comportamento dá a impressão de que os vossos pontos de vista não podem sobreviver ao escrutínio teológico e, portanto, devem ser sustentados por argumentos ad hominem.
Em segundo lugar, muitas vezes o vosso comportamento parece diminuir a importância da doutrina da Igreja. Uma e outra vez, vós retratais a doutrina como morta e livresca, e longe das preocupações pastorais da vida quotidiana. Os vossos críticos foram acusados, nas vossas próprias palavras, de fazer da doutrina uma ideologia. Mas é precisamente a doutrina cristã - incluindo as cuidadas distinções feitas em relação a crenças centrais como a natureza trinitária de Deus; a natureza e o fim da Igreja; a Encarnação; a redenção; e os sacramentos - que liberta as pessoas das ideologias mundanas e assegura que eles estão realmente a pregar e ensinar o autêntico Evangelho que dá vida. Aqueles que desvalorizam as doutrinas da Igreja separam-se de Jesus, o autor da verdade. O que eles possuem, e apenas podem possuir, é uma ideologia - que está em conformidade com o mundo do pecado e da morte.
Em terceiro lugar, os católicos fiéis só podem ficar desconcertados perante a escolha de alguns bispos, homens que parecem não apenas abertos àqueles defendem pontos de vista contrários às crenças cristãs, mas que os apoiam e até defendem. O que escandaliza os crentes, e até alguns bispos, não é apenas o facto de que vós designastes estes homens para serem pastores da Igreja, mas que pareceis permanecer em silêncio perante o seu magistério e práticas pastorais. Isto enfraquece o zelo das muitas mulheres e homens que defenderam os autênticos ensinamentos católicos durante longos períodos de tempo, muitas vezes arriscando a sua própria reputação e bem-estar. Como resultado, muitos dos fiéis, que incorporam o sensus fidelium, estão a perder a confiança no seu pastor supremo.
Em quarto lugar, a Igreja é um corpo, o corpo místico de Cristo, e vós fostes investido pelo Senhor da obrigação de promover e fortalecer a sua unidade. Mas as vossas acções e palavras muitas vezes parecem ter o objetivo de fazer o contrário. Encorajar uma forma de "sinodalidade" que permite e promove várias opções doutrinais e morais dentro da Igreja só poderá levar a maior confusão teológica e pastoral. Essa sinodalidade é imprudente e, na prática, funciona contra a união colegial entre os bispos.
Santo Padre, isto leva-me à minha última preocupação. Muitas vezes falastes sobre a necessidade de transparência dentro da Igreja. Vós frequentemente encorajastes, particularmente durante os dois últimos sínodos, todas as pessoas, especialmente os bispos, a expressarem as suas opiniões sem medo do que o papa possa pensar. Mas haveis reparado que a maioria dos bispos de todo o mundo tem permanecido em silêncio? Por que razão isto acontece? Os bispos aprendem depressa, e o que muitos aprenderam durante o vosso pontificado não é que vós estais aberto a críticas, mas antes que vos ressentis delas. Muitos bispos permanecem em silêncio porque desejam ser leais para convosco e, portanto, não expressam - pelo menos publicamente; em particular, é outra questão - as preocupações que o vosso pontificado suscita. Muitos temem que se expressarem as suas opiniões serão marginalizados ou pior.
Muitas vezes perguntei a mim próprio: "Por que razão permitiu Jesus que tudo isto acontecesse?" A única resposta que me vem à mente é que Jesus quer manifestar quão fraca é a fé de muitos dentro da Igreja, mesmo entre demasiados dos seus bispos. Ironicamente, o vosso pontificado deu aos que têm visões teológicas e pastorais prejudiciais a licença e a confiança para trazer à luz a sua escuridão anteriormente escondida. Ao reconhecer esta escuridão, a Igreja precisará humildemente de se renovar, e assim continuar a crescer em santidade.
Santo Padre, rezo por vós constantemente e continuarei a fazê-lo. Que o Espírito Santo vos conduza à luz da verdade e à vida de amor para que possais dissipar a escuridão que agora esconde a beleza da Igreja de Jesus.
Sinceramente em Cristo,
Thomas G. Weinandy, O.F.M., Cap.
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