«A mulher respondeu-lhe: «Podemos comer o fruto das árvores do jardim; mas, quanto ao fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus disse: ‘Nunca o deveis comer, nem sequer tocar nele, pois, se o fizerdes, morrereis.’ A serpente retorquiu à mulher: ‘Não, não morrereis; porque Deus sabe que, no dia em que o comerdes, abrir-se-ão os vossos olhos e sereis como Deus, ficareis a conhecer o bem e o mal’.» (Génesis 3, 2-5)
Algumas mães de muitos filhos têm-me ligado apavoradas com a confusão, e muitas vezes indignação, em que estes e seus amigos se encontram expressam, a propósito daquilo que, em vários sectores da Igreja militante, parece indiciar uma forte tendência para conceder, ou mesmo impor, a possibilidade casuística de acesso aos sacramentos da Confissão e da Eucaristia, sem que haja, da parte dos penitentes, um propósito firme de emenda, relativamente à situação de adultério permanente em que escolheram viver: 007 licença para matar, my name is Bond, James Bond; 000 licença para pecar, my name is Kasper, Walter Kasper.
Valerá a pena recordar a verdade de Fé Divina e Católica, que para a validade do Sacramento da Penitência ou Confissão é necessário o propósito firme de emenda de vida? Não se trata de uma questão disciplinar, mas sim de Lei Divina, sobre a qual a Igreja não pode ter outra atitude senão a de acolher e acatar.
Escrevo isto apressadamente e em breves tópicos, como costumo (Caso alguém queira aprofundar aquilo que aqui vai, poderá fazê-lo compulsando os milhares de páginas que vou enviando quotidianamente para a minha lista de correio-e – poderão também consultar a página de facebook de um tal Nuno Allen, que vai colocando “posts” em várias línguas numa tentativa de proporcionar ao maior número de pessoas o fundamental para facilitar um entendimento mínimo do que se vai passando neste vale de lágrimas).
1. Presumir que se pode conhecer o estado, de graça ou de pecado de uma alma, é arrogar-se o lugar de Deus – ‘Sereis como Deus conhecendo (vendo, decidindo) o bem e o mal’. Ninguém pode, como ensina o Concílio de Trento, ter a certeza absoluta de estar na Graça de Deus, mesmo cumprindo todos os Mandamentos da Sua Lei. Como será possível, pois que alguém, que nem se quer é o mesmo, possa “autorizar” o acesso aos Sacramentos de um penitente que, sistematicamente de um modo contrário à Lei de Deus, contradizendo o ensinamento expresso do próprio Cristo?
Somente Deus, que perscruta os corações pode julgar, infalivelmente, do estado da alma de cada pessoa. A famosa frase ‘Quem sou eu para julgar?’ tem também aqui inteira aplicação.
2. É absolutamente injusto sobrecarregar os Sacerdotes, em nome do discernimento (sempre subjectivo ou, melhor subjectivista), com a consequente e gravíssima responsabilização diante de Deus, no Juízo particular e universal, com a decisão de conceder o acesso aos Sacramentos de qualquer pessoa nessa situação ou circunstância. Não somos Deus
3. O texto dos Bispo de Buenos Aires, Argentina, é ambíguo, sendo, por isso, passível de uma interpretação ortodoxa bem como de uma heterodoxa, como ensinou o Cardeal Muller. A carta de Francisco, corroborando a intervenção dos acima mencionados, que por sua determinação veio a ser publicada na A. A. S., não constitui, por esse simples facto, um ensinamento magistral. A circunstância de o Papa, quando o fez, afirmar que era magistério, não resolve a questão. Nem que mais não seja, havendo embora outras razões, porque não é possível o assentimento e a obediência a uma declaração que tanto pode significar uma coisa como o seu contrário.
4. O Catecismo da Igreja Católica, aprovado por S. João Paulo II em comunhão com todo o Episcopado, continua em vigor, sendo regra segura e certa da Fé e da Moral. Não tendo sido abrogado, e estando em conformidade com toda a Tradição, Magistério e Sagrada Escritura, não pode ser abolido, ignorado ou “ultrapassado”. Isto significa que goza de uma prioridade, precedência e autoridade sobre qualquer outro ensinamento eclesiástico na Igreja.
No número 1650 do Catecismo ensina-se o seguinte:
A Igreja mantém, por fidelidade à palavra de Jesus Cristo («quem repudia a sua mulher e casa com outra comete adultério em relação à primeira; e se uma mulher repudia o seu marido e casa com outro, comete adultério»: Mc 10, 11-12), que não pode reconhecer como válida uma nova união, se o primeiro Matrimónio foi válido. Se os divorciados se casam civilmente, ficam numa situação objectivamente contrária à lei de Deus. Por isso, não podem aproximar-se da comunhão eucarística, enquanto persistir tal situação. Pelo mesmo motivo, ficam impedidos de exercer certas responsabilidades eclesiais. A reconciliação, por meio do sacramento da Penitência, só pode ser dada àqueles que se arrependerem de ter violado o sinal da Aliança e da fidelidade a Cristo e se comprometerem a viver em continência completa.
5. Acresce que o Cânone 915 do Código de Direito Canónico continua em vigor, sendo impossível que a carta, mesmo com intenção magistral, do Papa aos Bispos de Buenos Aires, o abrogue.
A interpretação magistral (Magistério), em vigor, deste cânone foi dada no Pontificado de S. João Paulo II, nos seguintes termos:
Cânone 915 e Comunhão Eucarística
A Doutrina da Igreja
O Conselho Pontifício para os Textos Legislativos, de acordo com a Congregação para a Doutrina da Fé e com a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, declara:
… Nos últimos anos, alguns autores têm sustentado, com base em diferentes argumentos, que este cânon não seria aplicável aos fiéis divorciados que contraíram novas núpcias. Reconhece-se que a Exortação Apostólica Familiaris consortio de 1981 reafirma, no n. 84, a mesma proibição em termos inequívocos, e que esta tem sido expressamente reiterada, especialmente em 1992 pelo Catecismo da Igreja Católica, n.º 1650, e em 1994 pela Carta Annus internationalis Familiae da Congregação para a Doutrina da Fé.
1. A proibição feita no cânon 915, por sua natureza, deriva da lei divina e transcende o âmbito das leis eclesiásticas positivas: estas não podem introduzir modificações legislativas que se oponham à doutrina da Igreja. O texto das Escrituras ao qual a Tradição eclesial sempre remonta é o de São Paulo: 1 Cor 11, 27-29.
Este texto diz respeito primeiramente ao próprio fiel e à sua consciência como consta no cânon 916. Porém o ser-se indigno por se achar em estado de pecado põe também um grave problema jurídico na Igreja: precisamente ao termo «indigno» refere-se o cânon do Código dos Cânones das Igrejas Orientais que é paralelo ao cân. 915 latino: «Devem ser impedidos de receber a Divina Eucaristia aqueles que são publicamente indignos» (cân. 712). Com efeito, receber o Corpo de Cristo sendo publicamente indigno é um comportamento que atenta contra os direitos da Igreja e de todos os fiéis de viver em coerência com as exigências dessa comunhão. Deve-se evitar o escândalo, concebido como acção que move os outros ao mal. Tal escândalo subsiste mesmo se, lamentavelmente, um tal comportamento já não despertar admiração alguma: pelo contrário, é precisamente diante da deformação das consciências, que se torna mais necessária por parte dos Pastores, uma acção tão paciente quanto firme, que tutele a santidade dos sacramentos, em defesa da moralidade cristã e da recta formação dos fiéis.
2. Qualquer interpretação do cân. 915 que se oponha ao conteúdo substancial, declarado ininterruptamente pelo Magistério e pela disciplina da Igreja ao longo dos séculos, é claramente fonte de desvios. A fórmula: «e outros que obstinadamente perseverem em pecado grave manifesto» é clara e deve ser compreendida de modo a não deformar o seu sentido, tornando a norma inaplicável. As três condições requeridas são:
a) o pecado grave, entendido objectivamente, porque da imputabilidade subjectiva o ministro da Comunhão não poderia julgar; (uma vez que “A Igreja não julga do interior, e só pode decidir-se pelos actos externos ...”)
b) a perseverança obstinada, que significa a existência de uma situação objectiva de pecado que perdura no tempo e à qual a vontade do fiel não põe termo, não sendo necessários outros requisitos (atitude de desacato, admonição prévia, etc.) para que se verifique a situação na sua fundamental gravidade eclesial; c) o carácter manifesto (quer dizer, público) da situação de pecado grave habitual.
3. A prudência pastoral aconselha vivamente a evitar que se chegue a casos de recusa pública da sagrada Comunhão. Os Pastores devem esforçar-se por explicar aos fiéis envolvidos o verdadeiro sentido eclesial da norma, de modo que a possam compreender ou ao menos respeitar. Quando, porém, se apresentarem situações em que tais precauções não tenham obtido efeito ou não tenham sido possíveis, o ministro da distribuição da Comunhão deve recusar-se a dá-la a quem seja publicamente indigno, com firmeza, consciente do valor que estes sinais de fortaleza têm para o bem da Igreja e das almas.
4. Nenhuma autoridade eclesiástica pode dispensar em caso algum desta obrigação do ministro da sagrada Comunhão, nem emanar directrizes que a contradigam. (Será que o Papa não é uma autoridade ecclesiastica? – interrogação minha)
5. O dever de reafirmar esta impossibilidade de admitir à Eucaristia é condição de verdadeira pastoral, de autêntica preocupação pelo bem dos fiéis e de toda a Igreja.
Ano 2000 - Síntese de texto completo em: http://www.vatican.va/…/rc_pc_intrptxt_doc_20000706_declara…
À honra de Cristo. Ámen.
Padre Nuno Serras Pereira
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