quinta-feira, 5 de abril de 2018

Meditação do Papa Bento XVI sobre o Santo Sudário

Para mim, este é um momento muito esperado. Estive diante do Santo Sudário noutras ocasiões, mas desta vez vivo esta peregrinação e esta reflexão com intensidade particular:  talvez porque o passar dos anos me torna ainda mais sensível à mensagem deste extraordinário Ícone; talvez, diria sobretudo, porque estou aqui como Sucessor de Pedro e trago no meu coração toda a Igreja, aliás, toda a humanidade. Dou graças a Deus pelo dom desta peregrinação e também pela oportunidade de partilhar convosco uma breve meditação, que me foi sugerida pelo subtítulo desta solene Ostensão:  "O mistério do Sábado Santo".

Pode-se dizer que o Sudário é o Ícone deste mistério, o Ícone do Sábado Santo. De facto, é um lençol sepulcral, que envolveu o corpo de um homem crucificado totalmente correspondente a quanto os Evangelhos nos dizem de Jesus, o qual, crucificado por volta do meio-dia, expirou aproximadamente às três da tarde. Ao anoitecer, porque era Parasceve, isto é a vigília do sábado solene de Páscoa, José de Arimateia, um rico e competente membro do Sinédrio, pediu corajosamente a Pôncio Pilatos para poder sepultar Jesus no seu sepulcro novo, que tinha sido escavado na rocha a pouca distância do Gólgota. Ao obter a autorização, comprou um lençol e, deposto o corpo de Jesus da cruz, envolveu-o com o lençol e colocou-o naquele túmulo (cf. Mc 15, 42-46). Assim refere o Evangelho de Marcos, e com ele concordam os outros Evangelistas. A partir daquele momento, Jesus permaneceu no sepulcro até ao alvorecer do dia seguinte que era sábado, e o Sudário de Turim oferece-nos a imagem de como era o seu corpo estendido no túmulo durante aquele tempo, que foi breve cronologicamente (cerca de um dia e meio), mas imenso, infinito no seu valor e significado.

O Sábado Santo é o dia do escondimento de Deus, como se lê numa antiga Homilia:  "O que aconteceu? Hoje sobre a terra há um grande silêncio, grande silêncio e solidão. Grande silêncio porque o Rei dorme... Deus morreu na carne e desceu para abalar o reino dos infernos" (Homilia sobre o Sábado Santo, pg 43, 439). No Credo, nós professamos que Jesus Cristo "padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado, desceu à mansão dos mortos; ressuscitou ao terceiro dia".

Queridos irmãos, no nosso tempo, especialmente depois de ter atravessado o século passado, a humanidade tornou-se particularmente sensível ao mistério do Sábado Santo. O escondimento de Deus faz parte da espiritualidade do homem contemporâneo, de maneira existencial, quase inconsciente, como um vazio no coração que se foi alargando cada vez mais. No final do século XIX, Nietzsche escreveu:  "Deus está morto! E quem o matou fomos nós!". Esta célebre expressão, observando bem, é tomada quase ao pé da letra da tradição cristã, frequentemente a repetimos na Via-Sacra, talvez sem nos darmos conta plenamente do que dizemos. Depois de duas guerras mundiais, os lager e os gulag, Hiroshima e Nagasaki, a nossa época tornou-se um Sábado Santo em medida cada vez maior:  a escuridão desse dia interpela todos os que se questionam sobre a vida, de modo particular interpela a nós, crentes. Também nós somos responsáveis por esta escuridão.

E, no entanto, a morte do Filho de Deus, de Jesus de Nazaré tem um aspecto oposto, totalmente positivo, fonte de consolação e de esperança. Isto faz-me pensar no facto de que o Santo Sudário se comporta como um documento "fotográfico", dotado de um "positivo" e de um "negativo". Com efeito, é exactamente assim:  o mistério mais obscuro da fé, ao mesmo tempo, é o sinal mais luminoso de uma esperança que não tem confim. O Sábado Santo é a "terra de ninguém" entre a morte e a ressurreição, mas nesta "terra de ninguém" entrou Um, o Único, que a atravessou com os sinais da sua Paixão pelo homem:  "Passio Christi. Passio hominis". O Sudário fala-nos precisamente deste momento, está a testemunhar aquele intervalo único e irrepetível na história da humanidade e do universo, no qual Deus, em Jesus Cristo, partilhou não só o nosso morrer, mas inclusive o nosso permanecer na morte. A solidariedade mais radical.

Naquele "tempo-além-do-tempo" Jesus Cristo "desceu à mansão dos mortos". O que significa esta expressão? Quer dizer que Deus, feito homem, chegou até ao ponto de entrar na solidão extrema e absoluta do homem, onde não chega raio de amor algum, onde reina o abandono total sem palavra de conforto alguma:  "mansão dos mortos". Jesus Cristo, permanecendo na morte, ultrapassou a porta desta solidão última para nos guiar também a nós a ultrapassá-la com Ele. Todos nós sentimos algumas vezes uma sensação assustadora de abandono, e o que mais nos assusta é precisamente isto, como quando somos crianças, temos medo de estar sozinhos no escuro e só a presença de uma pessoa que nos ama pode dar-nos segurança. Aconteceu exactamente isto no Sábado Santo:  no reino da morte ressoou a voz de Deus. Sucedeu o impensável:  ou seja, que o Amor penetrou "na mansão dos mortos":  também no escuro extremo da solidão humana mais absoluta nós podemos escutar uma voz que nos chama e encontrar alguém que nos pega pela mão e nos conduz para fora. O ser humano vive porque é amado e pode amar; e se até no espaço da morte penetrou o amor, então também lá chegou a vida. Na hora da extrema solidão nunca estaremos sozinhos:  "Passio Christi. Passio hominis".

Este é o mistério do Sábado Santo! Exactamente do escuro da morte do Filho de Deus brilhou a luz de uma esperança nova:  a luz da Ressurreição. E eis que, parece-me, olhando para este Santo Lençol com os olhos da fé se perceba algo desta luz. Com efeito, o Sudário foi imerso naquela escuridão profunda, mas ao mesmo tempo é luminoso; e eu penso que se milhões e milhões de pessoas vêm venerá-lo – sem contar quantos o contemplam através das imagens – é porque nele não vêem só a escuridão, mas também a luz; não tanto a derrota da vida e do amor, mas ao contrário, a vitória, a vitória da vida sobre a morte, do amor sobre o ódio; vêem a morte de Jesus mas entrevêem a sua Ressurreição; agora a vida pulsa no seio da morte, porque lá inabita o amor. Este é o poder do Sudário:  do rosto deste "Homem do sofrimento", que traz em si a paixão do homem de todos os tempos e lugares, também as nossas paixões, os nossos sofrimentos, as nossas dificuldades, os nossos pecados – "Passio Christi. Passio hominis" – promana uma solene majestade, um senhorio paradoxal. 

Este rosto, estas mãos e estes pés, este lado, todo este corpo fala, ele próprio é uma palavra que podemos escutar no silêncio. De que modo fala o Sudário? Fala com o sangue, e o sangue é a vida! O Sudário é um Ícone escrito com o sangue; sangue de um homem flagelado, coroado de espinhos, crucificado e ferido no lado direito. A imagem impressa no Sudário é a de um morto, mas o sangue fala da sua vida. Cada traço de sangue fala de amor e de vida. Especialmente a mancha abundante próxima do lado, feita de sangue e água derramados abundantemente de uma grande ferida causada por um golpe de lança romana, aquele sangue e aquela água falam de vida. É como uma fonte que murmura no silêncio, e nós podemos ouvi-la, podemos escutá-la, no silêncio do Sábado Santo.

Queridos amigos, louvemos sempre o Senhor pelo seu amor fiel e misericordioso. Partindo deste lugar santo, levemos nos olhos a imagem do Sudário, levemos no coração esta palavra de amor e louvemos a Deus com uma vida plena de fé, de esperança e de caridade. Obrigado.

Turim, 2 de Maio de 2010

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