sexta-feira, 4 de maio de 2018

Bispo português explica a importância da Missa Antiga nos nossos dias

Sobre a Constituição da Sagrada Liturgia, tive a ocasião de escrever este ano, após 50 anos do Concílio, algumas considerações nas Pedras Vivas, no Jornal da Madeira e revi a legislação Pontifícia do Papa João Paulo II sobre a faculdade do uso do Missal Romano editado em 1962 pelo Papa João XXIII, e em 1988 com a carta apostólica Ecclesia Dei. O Papa Bento XVI, com a carta apostólica sob forma de Motu próprio, regularizou o uso do «rito tradicional» ou «missa tridentina», também chamada a «missa de sempre» de S. Pio V. 

Ao ser convidado pelos Cavaleiros de Colombo (Knights of Columbus) para nos Estados Unidos promover a Liga de Orações (Gebetsliga), para a canonização do beato Carlos de Áustria, a organização dos «cavaleiros» procurou informar-se se eu sabia latim, e conhecia o canto gregoriano para a celebração da Eucaristia, devido a terem adaptado o «rito antigo», ou «rito romano clássico», em latim, como fora regulamentado pelos Papas para a Igreja latina. 

A minha resposta foi afirmativa. Durante os dez primeiros anos de sacerdócio celebrei a missa em latim, cantei todas as missas em gregoriano, tanto no Funchal, como em Roma, e nos países onde estudei línguas (França, Inglaterra, Alemanha, Jordânia e Israel). Além disso, como aluno das Universidades Gregoriana e Bíblico, sempre tive aulas e exames em latim. Após o Concílio, já em Roma, celebrei a missa em italiano e português, tendo usado o latim nos grandes santuários internacionais como Lourdes, Roma, Londres, Paris e Jerusalém.

Na visita pastoral aos Estados Unidos às comunidades portuguesas celebrei sempre em português e inglês. Desta maneira o encontro com os Cavaleiros de Colombo proporcionou-me um conhecimento actual da enorme expansão do rito tradicional, ou latim, nos Estados Unidos, o que acontece também em grande escala no Canadá, Brasil, Argentina, França, Suíça e, de forma mais reduzida noutros países católicos do mundo. Portugal é conhecido por não ter celebrações em latim, a não ser algumas partes do Cânone em Fátima, sendo a língua de Cícero cada vez mais desconhecida de padres e bispos portugueses. De facto, na diocese do Funchal durante os 25 anos de ministério episcopal nunca celebrei pontifical ou missa solene em latim e, em relação com o canto gregoriano, procurei que ele não se extinguisse, como recomenda a Congregação para o Culto Divino, ao menos para as melodias simples. 

Quem reabrir os documentos conciliares encontrará na Constituição sobre a Sagrada Liturgia (nº 36, §1): “Deve conservar-se o uso do latim nos Ritos Latinos, salvo o direito particular”, e (nº 101, §1), diz-se que, conforme à tradição secular do rito latino, a língua a usar no Ofício Divino é o latim, contudo o ordinário pode dar a «faculdade de usar uma tradução em vernáculo». Quanto à Música Sacra, (no cap. VI nº 116), «a Igreja reconhece como canto próprio da liturgia romana, o canto gregoriano», não «excluindo todos os outros géneros de música sacra». 


Atmosfera de oração e reverência 


A visita de Outubro aos Estados Unidos apresentou-me um panorama espiritual novo na celebração da Eucaristia que muito me impressionou, tanto na missa em latim, como em grego, nos ritos orientais dos católicos ucranianos. Até alguns jovens acólitos e meninos da catequese, respondiam e cantavam em latim, e em grego no rito oriental de São João Crisóstomo. É certo que os fiéis participam normalmente no culto em inglês, mas um vasto número de jovens padres, leigos e fiéis descobrem na missa tradicional o sentido sagrado ou do celeste que se atenuou na missa em língua vernácula, dizendo que se colocou o homem no centro da celebração e não Cristo Senhor. 

O Concílio Vaticano II privilegiou na liturgia a “acção de Deus” ou “acção de Cristo”. Existe um perigo latente, o sacerdote pode pensar que ele é o centro da liturgia, e o rito pode apresentar o aspeto de teatro ou performance de um apresentador de televisão. O celebrante não é o protagonista da ação litúrgica, não é o ponto de referência, para ter mais sucesso perante o público. Embora não seja para imitar mas os budistas e os muçulmanos demonstram reverência a Deus quando oram, colocando a cabeça por terra.

O uso do latim apoia a universalidade da Igreja e da unidade dos fiéis, mas os missais ao lado do texto latino devem ter uma tradução na própria língua, como encontrei na catedral de Washington e noutras igrejas. É opinião comum dos que optaram pelo latim que a missa mantém melhor o silêncio interior e exterior e uma atmosfera de oração e reverência.

É permitida a missa em latim em todas as circunstâncias? Tudo foi regulamentado pelo Papa Bento XVI que, na Carta Apostólica, afirma que o Missal Romano promulgado por Paulo VI é a expressão ordinária da «lex orandi» (lei de orar) no rito latino; o missal romano, aprovado por São Pio V e reeditado pelo Papa João XXIII, deve ser considerado como expressão extraordinária da mesma «lei de orar» e gozar da devida honra pelo seu uso venerável e antigo, são dois usos do único rito romano. Por isso “é licito celebrar o sacrifício da missa segundo a edição típica do missal romano promulgado pelo beato João XXIII em 1962, e nunca abrogado, como forma extraordinária da liturgia da Igreja”. 

Na Missa com ausência de povo, o celebrante pode celebrar tanto num rito como noutro, com excepção do Tríduo Pascal, e não necessita de autorização da Sé Apostólica nem do seu Ordinário. As comunidades ou Institutos de Vida Apostólica, nos conventos ou oratórios próprios, podem usar o missal de Pio V e, se quiserem de um modo frequente ou habitual, precisam da decisão dos seus Superiores Maiores. Nas paróquias, se houver um número notável de fiéis que prefira a missa em latim, aconselha-se o pároco a acolher o seu pedido, sob orientação do bispo diocesano para evitar a discórdia e desunião na Igreja. O bispo pode erigir uma paróquia pessoal para a celebração antiga. 

Estas permissões foram concedidas a 7 de Julho de 2007 por Bento XVI e permitem compreender a sua expansão em centenas e milhares de igrejas nos EUA e noutros países. Celebrei num mosteiro de carmelitas que escolheu o rito latino e, em New York, no centro de Manhattan, na igreja dos Santos Inocentes celebra-se todos os dias a missa em latim com canto gregoriano às 18h, assim como se reza todas as semanas a missa pelas crianças não nascidas, devido aos abortos. Devo afirmar que nas igrejas onde celebrei em latim nunca faltou o número suficiente de padres e acólitos para o pontifical romano nem uma numerosa participação de fiéis que, algumas vezes, cantavam o gregoriano da própria festa. 

Não o escrevo para ser imitado, mas entre os padres mais novos e alguns mais velhos, há uma natural procura da Missa em latim e canto gregoriano, levando alguns padres a um estudo mais profundo da língua latina. Que posso dizer destes factos? “Admiro-me com as turbas”, como dizia o Padre António Vieira. Afirmo também que não me envergonho de saber latim, nem cantar gregoriano, ou vestir os paramentos que usei nos primeiros anos do meu sacerdócio. O que torna o sacrifício eucarístico impuro, o que mancha e envergonha o espírito não são as vestes, o latim ou o cântico, mas o que São Paulo escreve ao discípulo Tito: “Todas as coisas são puras para os puros, mas para os impuros e infiéis nada é puro, porque o seu espírito e a sua consciência estão contaminados” (Tito 1, 15ss). 

Funchal, 10 de Novembro de 2013 
† Teodoro, Bispo emérito do Funchal

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