O Capítulo Geral da Fraternidade de São Pio X, reunido em Ecône (Suiça), escolheu para Superior-Geral da Fraternidade o sacerdote italiano Davide Pagliarani, para um mandato de 12 anos. O Bispo Bernard Fellay deixa assim de ser o Superior-Geral, cargo que ocupava desde 1994. Na sua última entrevista enquanto responsável máximo pela Fraternidade de São Pio X, Mons. Fellay falou das sagrações episcopais realizadas por Mons. Lefebvre há 30 anos, no dia 29 de Junho de 1988.
De acordo com os dados fornecidos pela própria Fraternidade (a 1 de Janeiro de 2018), está assim constituída:
- 1 casa generalícia;
- 6 seminários;
- 6 casas de formação;
- 14 distritos;
- 4 casas autónomas;
- 167 priorados;
- 772 igrejas, capelas e centros de missa;
- 2 institutos universitários;
- mais de 100 escolas;
- 7 casas de repouso;
- 3 bispos;
- 637 sacerdotes;
- 204 seminaristas;
- 56 pré-seminaristas;
- 123 frades;
- 195 freiras;
- 79 oblatos;
- 4 carmelitas;
- 19 irmãs missionárias no Quénia.
A Fraternidade está presente em 72 países e tem associadas a si inúmeras ordens religiosas de rito latino e de rito oriental.
Entrevista conduzida pelo jornal semanal católico alemão Tagespost:
- Excelência Mons. Fellay, como viu, há 30 anos, a consagração episcopal? Para si foi uma separação definitiva por parte da Fraternidade São Pio X em relação a Roma, ou uma etapa intermediária do conflito em vista de uma reconciliação?
- Se tivesse se tratado de uma separação de Roma, eu não estaria aqui hoje. O Arcebispo (Lefebvre) não teria me consagrado por essa razão, e eu também a teria rejeitado. De facto, não se tratava de uma separação da Igreja, mas sim de um afastamento do espírito moderno, dos frutos do Concílio. Agora, também há outros que admitem que se tratou de algo que se desenvolveu de maneira equivocada.
Muitas considerações e muitos aspectos que combatemos no passado e que combatemos hoje também são confirmados por outros actualmente. Nunca dissemos que o Concílio afirmou directamente heresias. Mas sim que foi removido o muro de defesa contra o erro, e, desse modo, permitiu-se que ele entrasse. Os fiéis precisam de protecção. Nisso consiste a luta constante da Igreja para defender a fé.
- Mas nem todos aqueles que criticam o “Concílio dos media”, incluindo o Papa Emérito Bento XVI, pensam num conflito até a excomunhão. Porque é que vocês não fortaleceram as fileiras daqueles que são fiéis à tradição na Igreja e combatem pela verdade em união com Roma?
- Isso se deveu em parte à História Francesa. A partir da Revolução Francesa, uma boa parte dos católicos franceses combate contra o erro do liberalismo. Por isso, aqui, os acontecimentos, durante e após o Concílio, foram percebidos de maneira muito mais sensível e atenta do que na Alemanha. Não se tratava de erros evidentes, mas sim de tendências, de abertura de portas e janelas.
As reformas que se seguiram demonstraram isso mais claramente do que o próprio Concílio. O problema adensou-se com a Missa Nova. Em Roma, disse-se ao arcebispo Lefebvre aut aut: “Se celebrar a Missa Nova está tudo bem”. Os nossos argumentos contra a Missa Nova não importavam nada. Enquanto isso, o missal de Paulo VI foi composto com a colaboração de teólogos protestantes. Se somos forçados a celebrar essa missa, então realmente surge um problema. E nós fomos levados a fazer isso.
- A vossa recusa em relação à Missa Nova reforçou em si e também no Arcebispo Lefebvre a convicção de que a separação de Roma era vontade de Deus?
- Insisto em dizer: nós nunca nos separamos da Igreja.
- Mas a excomunhão fala por si só. Por que o Papa Bento XVI teria de a remover?
- No Código de Direito Canónico de 1917, a consagração episcopal sem mandato do Papa não é considerada um cisma, mas apenas um abuso de poder e sem excomunhão. Toda a História da Igreja tem outra visão do problema da consagração episcopal sem mandato do Papa. Isso é muito importante.
- Por que é tão importante? Em 1988 já estava em vigor o novo Código da Igreja, e o Código de Direito Canónico de 1917 também obriga o bispo à fidelidade à Santa Sé.
- Estávamos em estado de necessidade, porque Roma havia nomeado um bispo para nós. No encontro entre o Cardeal Ratzinger e Mons. Lefebvre, em 5 de Maio de 1988, havia-se falado da data da consagração. Mons. Lefebvre e o cardeal Ratzinger não conseguiram chegar a um acordo. Mons. Lefebvre tinha uma proposta. Tenho certeza de que se, na época, o Cardeal Ratzinger tivesse confirmado o dia 15 de Agosto como data, sem mudar o candidato, o Arcebispo teria aceitado. Mas a data permaneceu em aberto. Quando o arcebispo perguntou ao Cardeal: “Por que não no fim do ano?”, ele recebeu esta resposta: “Não sei, não posso dizer”. O Arcebispo pensou que estavam a brincar com ele. Certamente foi um ponto de desconfiança. E a desconfiança permaneceu até hoje como uma palavra-chave da nossa história. Nós trabalhamos para superá-la, mas depois sempre surge algo...é realmente cansativo.
- Porque é que o Cardeal Ratzinger, grande especialista e defensor da Tradição católica e amigo da Missa Tradicional, não conseguiu tranquilizar a desconfiança do Arcebispo Lefebvre?
- Ele não entendeu como eram profundas as razões do Arcebispo e a desorientação dos fiéis e dos Padres. Muitos não aguentavam mais escândalos e desconfortos pós-conciliares, e também o modo em que a Missa Nova era celebrada. Se o Cardeal Ratzinger nos tivesse compreendido não teria agido como agiu. E acho que se arrependeu. Por isso, como Papa, tentou reparar os danos com o motu proprio (Summorum Pontificum) e remover a excomunhão (aos Bispos da Fraternidade). Somos-lhe realmente gratos pelas suas tentativas de reconciliação.
- Mas o Cardeal Ratzinger, como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, também teve que ter em mente as reações dos outros fiéis. Por exemplo, era irritante que os membros da Fraternidade São Pio X contradissessem pontos tão importantes quanto à validade da Missa. Muitos dos seus membros pensam que, ao participar na Missa Nova, considerada por eles como “herética”, não cumprem a obrigação dominical.
- Eu nego isso decisivamente. Nós já falamos da invalidade de muitas Missas. Mas dizer que todas as Missas Novas são inválidas não corresponde à linha da Fraternidade. É algo que nunca dissemos. Na discussão com Roma sempre enfatizamos que reconhecemos a validade da Missa Nova, se for celebrada de acordo com os livros e a intenção de fazer aquilo que a Igreja tem o mandato de cumprir. A esse respeito, é preciso distinguir entre válido e bom.
- Onde está a diferença na sua opinião?
A Missa Nova tem lacunas e esconde perigos. Naturalmente, nem toda Missa Nova constitui directamente um escândalo, mas a celebração repetida da Missa Nova leva a uma fé fraca e até à sua perda. Vemos como todos os dias são cada vez menos os Padres que ainda acreditam na Presença Real de Nosso Senhor. Na Missa Tradicional a liturgia alimenta a fé. Vamos à rocha, somos fortalecidos nessa fé. Alguns gestos levam-nos ainda mais à fé, por exemplo, a fé na Presença Real, no Sacrifício: ajoelhando-nos, através do silêncio, a atitude do Padre. Na Missa Nova a pessoa precisa levar a fé consigo, ela não a recebe directamente do rito. O rito é insípido.
- Mas, mesmo antes da reforma litúrgica, havia padres com uma fé fraca, modernistas e heréticos. Aqueles a quem o senhor chama de Padres conciliares liberais cresceram todos com a Missa Tradicional e foram consagrados de acordo com o velho rito. Acha que as conversões que ocorrem hoje, mesmo através da Missa Nova são um auto-engano?
- Não, não digo isso. Digo apenas isto: se recebe o Presidente de um Estado, na escolha entre um trompete de prata e um de latão, escolhe o de latão? Seria uma ofensa, uma coisa que não se faz. E as melhores Missas Novas também são como um trompete de latão em comparação com a velha liturgia. Pelo bom Deus, é preciso escolher o melhor.
- Recentemente, disse num sermão: “Como podem ousar celebrar uma Missa tão pobre, tão vazia e insípida? Não se honra a Deus desse modo”. Mas a Missa Nova para os católicos é ainda hoje o tesouro mais precioso das suas vidas, e ainda hoje a Igreja gera mártires e santos. Por que não ressalta isso na pregação?
- Concordo que, na discussão teológica, é preciso distinguir. Mas num sermão não se pode apresentar tudo de forma tão teológica. Também é preciso um pouco de retórica para sacudir um pouco os ânimos e para abrir os olhos das pessoas.
- O Papa Francisco quer estender a mão à Fraternidade Sacerdotal para uma reconciliação. Ainda pensa num acordo ou este kairós é uma oportunidade perdida?
- Eu sou optimista. Mas não posso antecipar a hora de Deus. Se o Espírito Santo é capaz de influenciar o actual pontífice, então ele também fará o mesmo com o próximo. Foi o que efectivamente aconteceu. Também com o Papa Francisco. Quando ele foi eleito, pensei: agora chegará a excomunhão. Em vez disso, era o Cardeal Müller que queria que a excomunhão chegasse, mas o Papa Francisco recusou. Ele disse-me pessoalmente: “Não quero condená-lo”.
A reconciliação chegará. A nossa Mãe Igreja está actualmente dilacerada de maneira incrível. Os conservadores querem-nos e também disseram isso à Congregação para a Doutrina da Fé. Os Bispos alemães, pelo contrário, não nos querem de modo algum. Roma deve levar em conta todos esses elementos. Se nós fôssemos assim, simplesmente, haveria uma guerra na Igreja. Existe o medo de que possamos triunfar. O Papa Francisco disse aos jornalistas: “Cuidarei para que não haja nenhum triunfo”.
Mas as tensões e os medos também existem entre os membros da Fraternidade São Pio X. Em França, muitos Padres e leigos separaram-se da Fraternidade porque as negociações com o Vaticano já suscitaram desconfiança. Como os irmãos de São Pio X poderiam aceitar uma reconciliação com Roma? Isso dependerá do que Roma quiser de nós. Sigamos em frente assim e demo-nos garantias, então ninguém irá embora. A desconfiança está no medo de ter que acolher o novo. Se nos pedirem para percorrer estradas novas, então ninguém vai nos seguir.
- O que lhe dá tanta certeza de que todos o seguiriam? Bastou o anúncio dos diálogos para despertar uma forte inquietação e para provocar saídas significativas. Que conclusão poderia tranquilizar os seus membros? Mesmo depois de um acordo a desconfiança não desapareceria.
- É verdade. Existe uma atitude amigável, existe benevolência. Há anos trabalhamos com Roma para restabelecer a confiança. E fizemos grandes progressos, apesar de todas as reacções. Se chegarmos a um acordo razoável com condições normais, serão muito poucos os que irão embora. Eu não temo uma nova cisão na tradição se for encontrada a solução justa com Roma. Devemos questionar certos pontos do Concílio. Os nossos interlocutores em Roma disseram os pontos principais: liberdade de consciência, ecumenismo, Missa Nova – são problemas em aberto. Trata-se de um progresso incrível. Até agora dizia-se: vocês devem obedecer. Agora, os colaboradores da Cúria dizem: vocês deveriam abrir um seminário em Roma, uma universidade para a defesa da tradição.
- Como deveria ser uma solução razoável?
- Uma prelatura pessoal.
- Se a forma jurídica já foi encontrada e os diálogos com Roma correram bem, por que razão faltou o passo decisivo até agora?
No ano passado, o Arcebispo Pozzo disse-nos que a Congregação para a Doutrina da Fé havia aprovado o texto que deveríamos assinar. Devíamos estar de acordo com uma prelatura pessoal. Um mês e meio depois, o Cardeal Müller decidiu rever o texto, e pediu uma aceitação mais clara do Concílio e da legitimidade da Missa Nova. Primeiro, tinham aberto canais de discussão. Depois, foram fechados. O que realmente se quer de nós? Está aqui o diabo no meio. É uma luta espiritual.
- Pessoalmente, tem confiança no Papa Francisco?
Temos uma relação muito boa. Quando lhe informamos que nos encontramos em Roma, a sua porta está aberta. Ele sempre ajuda-nos através de pequenos passos. Por exemplo, disse-nos: “Tenho problemas quando faço algo de bom para vocês. Eu ajudo protestantes e anglicanos – por que não posso ajudar católicos?” Existem vários que querem impedir o acordo. Nós somos um factor de perturbação na Igreja. E o Papa encontra-se no meio disso.
adaptado de ihu.unisinos.br com tradução de Moisés Sbardelotto
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