segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Os sinais externos de devoção por parte dos fiéis

Se abrimos o Catecismo da Igreja Católica lemos: «Na Liturgia da Nova Aliança, toda a acção litúrgica, especialmente a celebração da Eucaristia e dos sacramentos, é um encontro entre Cristo e a Igreja» [1]. A Liturgia é pois o «lugar» privilegiado de encontro dos cristãos com Deus e com quem Ele enviou, Jesus Cristo [2].

Neste encontro a iniciativa, como sempre, é do Senhor, que se situa no centro da Ecclesia, agora ressuscitado e glorioso. De facto, «se na liturgia não destacasse a figura de Cristo, que é o seu princípio e está realmente presente para a tornar válida, já não teríamos a liturgia cristã, totalmente dependente do Senhor e sustentada pela sua presença criadora» [3].

Cristo precede à assembleia que celebra. Ele – que actua inseparavelmente unido ao Espírito Santo – convoca-a, reúne-a e instrui-a. Por isso, a comunidade, e cada fiel que a forma, «deve preparar-se para o encontro com o seu Senhor, ser um povo bem disposto» [4]. Através das palavras, das acções e dos símbolos que constituem a trama de cada celebração, o Espírito Santo põe os fiéis e os ministros em relação viva com Cristo, Palavra e imagem do Pai, a fim de que possam incorporar à sua vida o sentido do que ouvem, contemplam e realizam [5]. Daí que «cada celebração sacramental é um encontro dos filhos de Deus com seu Pai, em Cristo, e no Espírito Santo. Tal encontro processa-se como um diálogo, através de acções e de palavras» [6].

Neste encontro o aspecto humano, como indica São Josemaria Escrivá, é importante: «Não tenho um coração para amar a Deus e outro para amar as pessoas da Terra. Com o mesmo coração com que amei os meus pais e estimo os meus amigos, com esse mesmo coração amo Cristo, e o Pai, e o Espírito Santo, e Santa Maria. Não me cansarei de vos repetir: temos de ser muito humanos; porque, se não, também não poderemos ser divinos» [7]. Assim, pois, a confiança filial deve caracterizar o nosso encontro com Cristo; sem esquecer que «esta familiaridade encerra também um perigo: o de que o sagrado, com o qual temos contacto contínuo, se converta para nós em costume. Assim se apaga o temor reverencial. Condicionados por todos os costumes, já não percebemos a grande, nova e surpreendente realidade: Ele mesmo está presente, fala-nos e entrega-se a nós» [8].

A liturgia, e de modo especial a Eucaristia, «é um encontro e uma unificação de pessoas, mas a Pessoa que vem ao nosso encontro e deseja unir-se a nós é o Filho de Deus» [9] O homem e a comunidade hão de ser conscientes de se encontrarem perante Aquele que é três vezes Santo. Daí, a necessária atitude, impregnada de reverência e de sentido de admiração, que brota de se saber na presença da majestade de Deus. Não era isso, porventura, o que Deus queria exprimir quando ordenou a Moisés que tirasse as sandálias diante da sarça ardente? Não nascia desta consciência a atitude de Moisés e de Elias, que não ousaram olhar para Deus cara a cara? [10]. E, não nos mostram esta mesma atitude os Magos que, «prostrando-se, O adoraram»? Os diferentes personagens do Evangelho, ao encontrarem-se com Jesus que passa, que perdoa..., não nos dão também uma pauta de conduta exemplar perante os nossos actuais encontros com o Filho de Deus vivo?

Na realidade, os gestos do corpo exprimem e promovem «a intenção e os sentimentos dos participantes» [11] e permitem superar o perigo que espreita a todo o cristão: o acostumar-se. «Para nós, que vivemos desde sempre com o conceito cristão de Deus e nos acostumámos a ele, ter esperança – que provém do encontro real com este Deus – resulta já quase imperceptível» [12]. Por isso, «um sinal convincente da eficácia que a catequese eucarística tem nos fiéis é, sem dúvida, o crescimento neles do sentido do mistério de Deus presente entre nós. Isto pode comprovar-se através das manifestações específicas de veneração da Eucaristia, para a qual o itinerário mistagógico deve introduzir os fiéis» [13].

Os actos de devoção compreendem-se, de modo adequado, neste contexto de encontro com o Senhor, que implica união, «unificação que só pode realizar-se segundo a modalidade da adoração» [14]. Destacamos em primeiro lugar a genuflexão [15], «que se faz dobrando o joelho direito até à terra, e significa adoração; por isso, reserva-se para o Santíssimo Sacramento, assim como para a Santa Cruz, desde a solene adoração na acção litúrgica da Sexta Feira Santa na Paixão do Senhor até ao inicio da Vigília Pascal» [16].

A inclinação de cabeça significa reverência e honra [17]. No Credo – excepto nas solenidades do Natal e da Anunciação, em que é substituída pelo ajoelhar-se –, unimos este gesto à proclamação das admiráveis palavras «E encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria, e se fez homem» [18].

Finalmente queremos destacar o ajoelhar-se na consagração [19] e, onde se conserva este uso, desde o Sanctus até ao final da Oração eucarística [20], ou ao receber a sagrada Comunhão [21]. São sinais fortes que manifestam a consciência de estar perante Alguém particular. É Cristo, o Filho de Deus vivo, e diante d’Ele caímos de joelhos [22]. Ao ajoelhar-se, o significado espiritual e corporal formam uma unidade, pois o gesto corporal implica um significado espiritual e, vice-versa, o acto espiritual exige una manifestação, una tradução externa. Ajoelhar-se diante de Deus não é algo «não moderno», mas corresponde à verdade de nosso mesmo ser [23]. «Quem aprende a crer, aprende também a ajoelhar-se, e uma fé, ou uma liturgia que desconhecesse o ajoelhar-se, estaria enferma num dos seus pontos capitais. Onde este gesto se tenha perdido, deve aprender-se de novo, para que a nossa oração permaneça na comunhão dos Apóstolos e dos mártires, na comunhão, na unidade com o próprio Jesus Cristo» [24].

Professor Juan José Silvestre in collationes.org 
(tradução: www.cliturgica.org)  

[1] Catecismo da Igreja Católica, n. 1097.
[2] Cfr. JOÃO PAULO II, Carta apostólica Vicesimus Quintus Annus, 7.
[3] BENTO XVI, Discurso aos Bispos da região Norte 2 de Brasil em visita ad limina, 15-IV-2010.
[4] Catecismo da Igreja Católica, n. 1098.
[5] Cfr. Catecismo da Igreja Católica., n. 1101.
[6] Ibid., n. 1153.
[7] SÃO JOSEMARIA, Cristo que passa, n. 166.
[8] BENTO XVI, Homilia da Missa Crismal, 20-III-2008.
[9] BENTO XVI, Discurso à Cúria Romana, 22-XII-2005.
[10] Cfr. JOÃO PAULO II, Mensagem à Assembleia plenária da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, 21-IX-2001
[11] Institutio Generalis Missalis Romani (IGMR), n. 42.
[12] BENTO XVI, Enc. Spe salvi, n. 4.
[13] BENTO XVI, Ex. apost. Sacramentum caritatis, n. 65.
[14] BENTO XVI, Discurso à Cúria Romana, 22-XII-2005.
[15] Cfr. M. RIGHETTI, Storia liturgica, vol. 1, Milão 2005, pp. 389-390.
[16] IGMR, n. 274; Cerimonial dos Bispos, n. 69.
[17] Cfr. IGMR, n. 275; Cerimonial dos Bispos, n. 68.
[18] Cfr. IGMR, n. 275.
[19] Cfr. IGMR, n. 43; J. JUNGMANN, Missarum sollemnia, vol. 2, Milão 2004, pp. 162-164.
[20] Cfr. IGMR, n. 43.
[21] Cfr. IGMR, n. 160; J. JUNGMANN, op. cit., p. 283.
[22] Cfr. BENTO XVI, Luce del mondo (Luz do Mundo), Città del Vaticano 2010, pp. 219-220.
[23] Cfr. J. RATZINGER, Opera omnia. Teologia della liturgia, Città del Vaticano 2010, pp. 175-183.194-195, 558-559.
[24] Ibid., p. 183

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