Há 121 anos, o advogado Secondo Pia fotografou um extenso lençol, de 4,5 por 1,5 metros, guardado na catedral de Turim como uma relíquia. Ao cabo de atribuladas vicissitudes históricas, o lençol ficou na posse da Casa de Sabóia e, quando a capital desse ducado se transferiu para Turim, no século XVI, a peça foi também levada para lá.
Secondo Pia instalou a sua caixa fotográfica diante do lençol e focou as lentes. Trabalhando no escuro, colocou na caixa uma placa de vidro coberta com uma emulsão fotoquímica e, depois de tudo preparado, destapou as lentes. A luz reflectida pelo lençol irrompeu através do conjunto das lentes, focou-se na lâmina de vidro e queimou a emulsão. Ao fim do tempo de exposição adequado para a emulsão ficar queimada nas zonas de luz, a lâmina foi retirada, de novo às escuras, para ser lavada com produtos químicos e se tornar a partir daí insensível à luz.
Até há poucos anos, as fotografias faziam-se assim, em duas fases. Primeiro, a película fotográfica escurecia por efeito da luz e dava um «negativo», isto é, uma imagem com as cores invertidas: as partes luminosas escuras e as partes negras claras. Na segunda etapa, produzia-se o «negativo do negativo», recuperando a imagem que se pretendia captar. O resultado da dupla inversão era o «positivo» e a película usada na etapa intermédia era o «negativo».
Quando Secondo Pia observou o resultado da primeira etapa, descobriu, para sua surpresa, que já tinha diante de si a imagem natural, o «positivo»! Isso significava que a imagem do lençol era um «negativo».
Até à invenção da fotografia, ninguém tivera a ideia de pintar a luz ao contrário, tornando as imagens irreconhecíveis. A técnica fotográfica primitiva é que criou a essa etapa instrumental para se obter a imagem correcta. Como é que se formou, num lençol de linho com quase dois mil anos de história, guardado e disputado com tanto empenho ao longo dos séculos, uma imagem negativa que só a fotografia dos nossos dias consegue revelar?
A figura deste lençol é o cadáver de um homem forte, com 1,83 m de altura, coberto de feridas. A cabeça marcada por agulhas, os joelhos e o nariz ensanguentados, como quem sofreu uma queda violenta. Uma ferida enorme rasgada no peito, os pulsos e os pés trespassados por pregos, as costas flageladas por vergastadas e os ombros macerados, como quem transportou a trave pesada de uma cruz. Esta fotografia faz-nos recuar dois mil anos, ao momento em que José de Arimateia e outros pediram a Pilatos o Corpo morto de Jesus e, tendo-O despregado da Cruz, O envolveram num lençol de linho fino e depuseram num sepulcro novo, escavado na rocha. Os judeus montaram guarda mas, três dias depois, no Domingo, muito de madrugada, quando os primeiros chegaram ao sepulcro, o corpo já não estava.
A Ressurreição de Jesus revela-nos o que a sua Morte não nos permitia ainda ver. Como um negativo resplandecente, como o triunfo da verdade.
José Maria C.S. André in Correio dos Açores - 21-IV-2019
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