As Aparições têm semelhanças entre si. Há sempre, no centro de cada uma, um apelo à oração e à penitência, mas, ao mesmo tempo, cada qual é diferente da outra pelo destaque que é dado a um aspecto particular da fé.
A aura em torno de Lourdes é calma. Foi notado, inclusive, que em nenhuma outra ocasião Maria sorriu tanto, chegando mesmo a rir muito em três ocasiões. Bernadette disse: “Ria como uma criança.” Não sabia, aquela pequena santa, que precisamente por isso, os seus austeros inquisidores suspeitariam ainda mais das aparições: “Nossa Senhora a rir?! Por favor, um pouco mais de respeito com a Rainha do Céu!” Mas, no final, tiveram que admitir: foi assim mesmo que aconteceu.
Claro, não nos esqueçamos, foi naquela gruta que Ela disse que era a Imaculada Conceição, e assumiu uma aparência séria, repetindo os apelos à penitência e à oração, para eles mesmos e para os pecadores. Mas há um ar de serenidade, sem ameaças de punição, que é talvez um dos aspectos que atraem multidões aos Pirineus.
Misericórdia e justiça
A atmosfera de Fátima, ao contrário, parece especialmente escatológica, apocalíptica. Embora tenha um final que conforta e acalma. É evidente que o principal motivo da aparição portuguesa é chamar a atenção dos homens para a enorme seriedade da vida terrena, que nada mais é que uma breve preparação para a verdadeira vida, uma eternidade que pode ser de alegria, mas também de tragédia. É um chamado à misericórdia e, ao mesmo tempo, à justiça de Deus.
A insistência unilateral, dos nossos dias, apenas na misericórdia, faz nos esquecer do et-et que caracteriza o catolicismo, e que se vê no Deus que é Pai amoroso e nos espera de braços abertos, mas, também, no Juiz que sopesará, na sua infalível balança, o bem e o mal que tenhamos feito. Sim, aguarda-nos um paraíso, mas que precisamos alcançar, dispendendo da melhor maneira os pequenos ou grandes talentos que nos foram confiados.
Nossa Senhora de Fátima
O Deus católico não é certamente o sádico do calvinismo que, por sua vontade insondável, divide a humanidade em duas: aqueles que nascem predestinados ao céu, e aqueles que são esperados à eternidade no inferno. É assim, afirma Calvino, que Ele manifesta a glória do seu poder. Não, o Deus católico não tem nada a ver com semelhantes deformações. Mas também não é, de forma alguma, o bonacheirão permissivista, o tio tolerante que tudo aceita e que a todos igualmente acolhe, o Deus de que se fala sobretudo na frouxidão dos teólogos jesuítas (que foram condenados pela Igreja) e contra quem Blaise Pascal lançou as suas indignadas Cartas Provinciais.
Ainda que soe desagradável aos ouvidos de certo “bonismo” actual, tão traiçoeiro para a vida espiritual, Cristo propõe à nossa liberdade uma escolha definitiva para toda a eternidade: salvação ou condenação. Portanto, podemos esperar até mesmo o inferno, que havíamos removido de nossas mentes, mas ao preço de remover também as claras e repetidas advertências do Evangelho.
É nele que está inserido o emocionante convite de Jesus: “Vinde a mim vós todos que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei.” Além de muitas outras palavras e mostras de sua ternura. No entanto, goste-se ou não, nos Evangelhos, há também outro lado. Há um Deus que é infinitamente bom, mas, na mesma medida, infinitamente justo. Por isso, aos Seus olhos, uma pessoa vil e impenitente não é equivalente a um crente, que se esforçou para levar a sério o Evangelho, mesmo com as limitações e fraquezas de qualquer ser humano.
O inferno não é uma invenção
Naquele texto fundamental do ensinamento da Igreja, o Catecismo, os autores alertam: “As afirmações da Sagrada Escritura e os ensinamentos da Igreja sobre o inferno são um apelo à responsabilidade, com a qual o homem deve usar a própria liberdade, tendo em conta o seu destino eterno. Constitui-se, ao mesmo tempo, um apelo urgente à conversão”. São justamente esses apelos à responsabilidade e à conversão, que são o foco da mensagem de Fátima, tornando-a ainda mais urgente e atual, certamente mais do que quando Maria apareceu na Cova da Iria.
Há décadas que estão desaparecendo da pregação católica os Novíssimos, como são chamados pela teologia, a morte, o juízo, o inferno e o paraíso. Uma reticência clerical que retirou, mais do que isso, renegou o velho e benfazejo ditado que salvou tantas gerações de crentes: o princípio da sabedoria é o temor de Deus.
Na história dos santos, essa consciência de uma possível queda eterna, serviu de estímulo constante para a prática intensa das virtudes. Sabiam que a existência do inferno não é um sinal de crueldade divina, mas do seu respeito radical: o respeito do Criador para com a liberdade dada às suas criaturas, a ponto de lhes permitir escolher a separação definitiva.
Tanto na teologia quanto na pastoral de hoje, o necessário anúncio da misericórdia não está unido ao também importante anúncio da justiça. Mas se em Deus convivem, em dimensões infinitas, todas as virtudes, poderia estar faltando Nele a virtude da justiça, que a Igreja — inspirada pelo Espírito Santo, e também seguindo o senso comum — coloca entre as virtudes cardeais? (Nota do tradutor - as quatro virtudes cardeais são: prudência, temperança, fortaleza e justiça).
Não faltam teólogos respeitados e conhecidos, que gostariam de amputar uma parte essencial da Escritura, removendo aquilo que aborrece os que creem num Deus apenas bondoso e generoso. Dizem eles: “O inferno não existe. Mas, se existe, está vazio”.
Pena que essa não é a opinião da Virgem Maria… É verdade que a Igreja sempre afirmou a salvação certa de alguns de seus filhos, proclamando-os beatos e santos. E a própria Igreja nunca quis proclamar a condenação de quem quer que fosse, deixando nas mãos de Deus o juízo final. No entanto, aqueles que dizem que o inferno, se existir, estaria vazio, mereceriam a réplica: “Vazio? Mas isso não exclui a terrível possibilidade de que sejamos eu ou você a o inaugurar”.
Alguém sugeriu que a condenação fosse apenas temporária, não eterna, mas isso se choca com as palavras claras de Cristo, que fala várias vezes de um castigo sem fim. Por isso, nos vários Concílios, não foi difícil rejeitar semelhante possibilidade, uma vez que não há qualquer base nas Escrituras.
“Rezem, rezem muito”
Em 1941, na famosa carta ao seu bispo, Irmã Lúcia narrou assim a aparição de 13 de julho de 1917, a mais importante:
“O segredo confiado pela Virgem consiste em três partes distintas, duas das quais estou prestes a revelar. A primeira parte é a visão do inferno. Nossa Senhora mostrou-nos um grande mar de fogo que parecia estar debaixo da terra. Mergulhados nesse fogo, os demônios e as almas, como se fossem brasas transparentes, negras e cor de bronze, com forma humana, flutuavam nesse fogaréu, e eram levadas pelas chamas que delas mesmas saíam junto com nuvens de fumaça, e caíam de todos os lados, como faíscas de um enorme incêndio, sem peso nem equilíbrio, entre gritos e gemidos de dor e desespero, que nos causou horror e nos fez tremer de medo…”.
Jacinta, que morreu três anos depois, ainda uma criança de 10 anos e chocada com o que viu naqueles poucos momentos, vai dizer em seu leito de morte: “Se eu pudesse mostrar o inferno aos pecadores…, faria qualquer coisa para que o evitassem, mudando de vida”. Visões semelhantes do inferno não são fatos isolados na história da Igreja. Essa realidade terrível foi experienciada por muitos santos e santas. E a sua credibilidade, tanto psicológica quanto mental, foi avaliada com rigor nos processos canônicos. Para limitar-nos às mais famosas e veneradas santas: Santa Teresa de Ávila, Santa Veronica Giuliani e Santa Faustina Kowalska, além de outras. E, entre os santos, não podemos nos esquecer de São Pio de Pietrelcina, o estigmatizado, que viveu o sobrenatural como se fosse a condição mais natural, a ponto de se admirar que os outros não viam o que ele via.
Em Fátima, o papel central da mensagem é a reiteração do perigo de se perder, além do fato de que Nossa Senhora ensina aos videntes uma oração que deveria ser repetida no rosário depois de cada dez Ave-Marias. Oração que teve uma extraordinária acolhida no mundo católico, tanto que é recitada em qualquer lugar em que se reze o terço, e diz: “Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para e céu, e socorrei principalmente as que mais precisarem da vossa misericórdia.” Palavras, como se vê, todas centradas nos Novíssimos, e ditadas para as crianças pela própria Virgem Maria.
O que um cristão deve implorar, de modo especial, é a salvação contra o “fogo do inferno”, além de pedir à misericórdia divina uma espécie de redução de pena para aqueles que sofrem no purgatório. Disse a Mãe de Deus, “com o semblante muito doloroso”, como descreveu Irmã Lúcia: “Rezai, rezai muito, e fazei sacrifícios pelos pecadores. Na verdade, muitas almas vão para o inferno porque não há quem reze e faça sacrifícios por elas”.
Sob o manto
Mas voltemo-nos para as últimas linhas do testemunho de Lúcia, após a visão do terrível destino dos pecadores impenitentes: “Elevamos nossos olhos à Nossa Senhora, que nos disse com bondade e tristeza: ‘Vocês viram o inferno, onde caem as almas dos pobres pecadores. Para as salvar, Deus quer instituir no mundo a devoção ao meu Imaculado Coração. Se fizerem o que eu digo, muitas almas serão salvas”.
A verdade obriga-nos a recordar que correm sério risco os homens insensíveis à seriedade do Evangelho. Mas a misericórdia do Céu está pronta para propor um remédio: refugiar-se debaixo do manto de Maria, confiando no seu Coração Imaculado, aberto a quem pede a sua materna intercessão. O crescente peso do pecado é grave mas são-nos mostrados os remédios e, acima de tudo, a aparição tem um final feliz, com as palavras famosas e que são justificadamente uma fonte de esperança para os crentes. Na verdade, depois de profetizar as muitas tribulações do futuro, Maria anuncia, em nome do Filho: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará”.
Portanto, a salvação pessoal é possível — e é bancada pelo próprio Céu — mesmo com o aumento da iniquidade. Que possamos esperar a conversão do mundo, em um futuro impreciso e conhecido apenas por Deus, confiando no coração da Mãe de Cristo, poderosa advogada da causa da humanidade.
Para que servem as aparições?
Fátima é a melhor resposta, para um mundo que cada vez mais se esquecia, e hoje se esquece mais ainda, do verdadeiro significado da vida na Terra e sua continuação na eternidade. Fátima é uma mensagem “dura” e, na linguagem de hoje, diríamos “politicamente incorreta”, por isso mesmo evangélica, na sua revelação da verdade e em sua rejeição à hipocrisia, aos eufemismos e às reduções.
Mas, como sempre naquilo que é verdadeiramente católico, onde todos os opostos coexistem numa síntese vital, a ‘dureza’ vive com a ternura, a justiça com a misericórdia, a ameaça com a esperança. Assim, o aviso que chegou até nós a partir de Portugal, é, ao mesmo tempo, inquietante e reconfortante.
Vittorio Messori in La Nuova Bussola Quotidiana
ResponderEliminarE mesmo transmitida há mais de 100 anos--mas aceite por muito poucos-- se o mundo acordasse e a cumprisse, TENHO a CERTEZA de que as coisas mudariam!
Contudo, quem fala, sequer, dela?
E a HIERARQUIA só não a NEGA diretamente, porque parece mal; é só rever a Homilia de D. Tolentino de Mendonça em Fátima, no 13 de Maio deste ano, ANIVERSÁRIO das Aparições: NENHUMA REFERÊNCIA ÀS SUAS MENSAGENS!!