O Engenheiro Mário Godinho, natural de Pé de Cão, no concelho de Torres Novas escreveu um texto sobre as Aparições de Nossa Senhora na Cova da Iria, onde esteve em 1917. Mário Godinho levou até Fátima o primeiro automóvel quando ali se dirigiu para assistir às Aparições.
A nossa residência fica a 30 quilómetros da Cova da Iria. Em fins de Maio de 1917, chegou-nos a notícia de que, perto de Fátima, a Virgem Santíssima haveria aparecido no dia 13 desse mês a três pequenos pastores. Dei à notícia o valor de boato popular, sem forma ou consistência, baseada em crendices do burgo, sem foros de verdade. Estava-se no período da 1ª Grande Guerra Mundial, em que os espíritos viviam acabrunhados pelos temores de tão temerosa catástrofe.
Meu irmão era médico e estava em França, na guerra, incorporado do C.E.P., e eu era oficial miliciano e esperava a mobilização que me enviasse para a guerra também. Minha mãe, fervorosa devota do culto da Virgem Santíssima, ao chegar-lhe a notícia das Aparições na Cova da Iria, não duvidou em acreditar firmemente no facto. Aguardou-se a confirmação do fenómeno; porém minha mãe manifestou o desejo de ir à Cova da Iria presenciar o caso e pediu-me para a conduzir ali, de automóvel. Para isto vim de Lisboa onde me encontrava a fazer o serviço militar.
Possuíamos então um automóvel «Peugeot» de matrícula S - 2015 e nele fomos à Cova da Iria, no dia 13 de Julho de 1917, por uma estrada má e esburacada, até um local isolado, pleno de cercas muradas com pedra solta, em paisagem triste e erma. ponteada de azinheiras sombrias, com aspecto sedento. Em dada altura vimos, num pequeno vale, uma dezena de pessoas, oriundas certamente de aldeias vizinhas: era ali o falado lugar.
Lá estavam os três pastores, com velas acesas. Depois das infalíveis perguntas, soubemos que a Virgem havia aparecido sobre uma pequena azinheira, de aspecto arbustivo (na região também se lhe chama carrasqueira). Minha mãe, na sua fé resoluta e robusta, colheu dessa carrasqueira uma haste com algumas folhas (verificado o milagre e aceite pela Igreja, anos depois tive o prazer de enviar a Sua Santidade o Papa Pio XII três destas folhas, por mão de Sua Eminência o Senhor Cardeal Patriarca que com Sua Santidade se ia encontrar).
Nesse dia 13 de Julho, interrogámos os Videntes, para o que os trouxemos de automóvel para a Fátima. Aí lhes fiz talvez a primeira fotografia da sua vida. Infelizmente, agora que escrevo esta notícia em 1961, perdi de todo o negativo dessa fotografia e possuo apenas uma má reprodução de ensaio de laboratório e que acompanha este relato. Não refiro aqui o que apurámos nos interrogatórios, o que os Videntes repetiram depois centenas de vezes, a tantas pessoas que lhes pediram esse relato e que é do conhecimento geral.
Mais tarde a Lúcia chegou a estar em minha casa, onde de novo a interrogámos, pois tinha vindo com um rancho de pessoal para apanhar azeitona nesta minha povoação. Eu porém, sem motivos fortes que me fizessem acreditar na veracidade das Aparições, continuava indiferente ao que não tinha como sobrenatural.
Voltámos à Cova da Iria no dia 13 de Outubro desse mesmo ano de 1917. Nesse dia eu ia muito aborrecido, pois estava na convicção de que íamos contribuir para uma farsa censurável, com as centenas de pessoas que então já ali se encontravam, arrastadas pela força que por vezes domina e sugestiona multidões e é contagiosa. Porém, no momento em que era anunciada a Aparição, e que me encontrava dentro do carro, fui chamado por minha irmã e tendo saído olhei para o sol.
Então quase que fiquei extasiado com o prodígio de que não podia duvidar: num céu radioso, o sol podia ser encarado de frente e de olhos bem abertos, sem pestanejarmos, como se olhássemos para um disco de vidro despolido, iluminado por detrás, irisado na sua periferia, tendo como que um movimento de rotação e que se aproximava de nós, e tudo à volta ficava irreal, como se a Terra houvesse sido divinizada.
E o Sol não tinha o fulgor que nos fere a vista em dias normais, pois era um disco majestoso, magnético, que nos atraía e revoluteava no céu imenso, a afirmar-nos que o seu brilho desaparecia em homenagem a maior brilho, que nessa hora iluminava a Terra e que provinha da Virgem Maria. Não posso afirmar quanto tempo durou o fenómeno, mas pelo que me ficou da recordação vivida há 44 anos, julgo que tenha durado cerca de 10 minutos.
Impressionados, voltámos para casa. acreditando, enfim, que qualquer coisa de divino se passara. Porém essa certeza firmou-se definitivamente ao notarmos que minha mãe havia sido miraculada, como passo a relatar:
Havia largos anos, minha mãe sofria de um tumor no saco lacrimal do olho esquerdo, que tinha o volume de um tremoço. Durante anos foi tratada pelos médicos; mas periodicamente avolumava o mal, e no dia 13 de Outubro lá ia bem patente. Porém ao regressar, e já em casa, notou que o tumor havia desaparecido por completo, não voltando mais a aparecer, nem a sentir o mais ligeiro incómodo durante os 35 anos que ainda viveu.
Passaram-se os anos e o cinema começou a lançar filmes sobre a Fátima, em que também apareceu o falado automóvel, o primeiro que ali havia ido. Felizmente os realizadores nunca tiveram a possibilidade de saber ou descobrir qual o carro e seu condutor. Como eu não desejava o incómodo nem os inconvenientes da publicidade, conservei-me sempre quieto e calado, no meu anonimato; e se faço agora esta revelação, de ter sido eu com o meu «Peugeot» S - 2015, é porque já não corro esse perigo imenso da aborrecida publicidade, tanto mais que os meus quase 70 anos me protegem desses incómodos.
Guardo ainda avaramente uma folha da azinheira verdadeira, sobre a qual assentaram os benditos Pés da Santíssima Virgem. Estou viúvo, desconsolado na ausência temporária de minha saudosa Esposa, e vivo da sua memória, implorando as graças que a Santíssima Virgem tem lançado sobre mim, esperando que Ela um dia me estenda Suas benditas Mãos para a Eterna glória.
25 de Novembro, 1961
Este artigo foi publicado em Fevereiro de 1962 na revista "Stella"
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