Padres do Colégio dos Inglesinhos, em Lisboa, acabados de ordenar pelo Núncio Apostólico, no princípio dos anos 60 |
Chegou a altura de o povo britânico conhecer a sua história, é o que agora
pensam os historiadores do Reino Unido. Não basta ler o que há escrito? J. J.
Scarnbrick, Christopher Haig, Eamon Duffy, Diarmaid MacCulloch e outros
académicos dizem que a história foi distorcida, ao serviço de uma mensagem, e é
preciso recuperar as fontes. Tudo muda. Os novos livros fazem lembrar as obras
antigas monumentais do Lingard, do Milner, ou a síntese do Cobbett, geralmente
desprezadas como «propaganda católica».
O impacto deste novo olhar sobre os últimos quinhentos anos de história é imenso, porque, em certo sentido, é a própria identidade deste Povo que está em causa. Além disso, o movimento «revisionista» não é uma moda extravagante, é a unanimidade dos principais especialistas. Dizia-me um professor da universidade que a história do Reino Unido já não volta atrás, depois do revisionismo. Começa a aparecer um «pós-revisionismo», mas nada que ponha em causa aquela ruptura com a história habitual.
Ao mesmo tempo, é interessante notar que os revisionistas são revisionistas por razões científicas. Em geral, não alteraram as suas convicções religiosas. Alguns já eram católicos ou converteram-se ao catolicismo, mas a maioria continua a achar que o catolicismo é uma religião de pobres e italianos. O surpreendente – reconhecem os historiadores – é que esses marginais tenham realizado coisas tão extraordinárias, apesar de séculos de perseguição. Tiveram um papel determinante na educação e ainda hoje são maioria nas áreas da enfermagem e do apoio social, além de que produziram figuras de primeiro plano no âmbito da cultura.
A nova visão da história tem facetas inesperadas e até divertidas do ponto de vista turístico, como os «priest holes». A maioria já desapareceu, mas ainda se conservam muitas centenas, que se podem visitar. Estes buracos são cavidades no interior das paredes, ou poços por baixo do soalho, para esconder os padres que iam, de casa em casa, celebrar a Missa. A polícia vigiava (numas épocas mais do que noutras) e o jogo era a sério. Os disfarces e os sistemas para alimentar os padres dentro do buraco eram variados e imaginativos. Um passo em falso significava morte. Porque, desde o tempo de Henrique VIII, houve o cuidado de considerar que o catolicismo não era uma religião mas uma traição à pátria. Assim, evitava-se reconhecer a perseguição religiosa e as penas eram mais pesadas e sem apelo.
O impacto deste novo olhar sobre os últimos quinhentos anos de história é imenso, porque, em certo sentido, é a própria identidade deste Povo que está em causa. Além disso, o movimento «revisionista» não é uma moda extravagante, é a unanimidade dos principais especialistas. Dizia-me um professor da universidade que a história do Reino Unido já não volta atrás, depois do revisionismo. Começa a aparecer um «pós-revisionismo», mas nada que ponha em causa aquela ruptura com a história habitual.
Ao mesmo tempo, é interessante notar que os revisionistas são revisionistas por razões científicas. Em geral, não alteraram as suas convicções religiosas. Alguns já eram católicos ou converteram-se ao catolicismo, mas a maioria continua a achar que o catolicismo é uma religião de pobres e italianos. O surpreendente – reconhecem os historiadores – é que esses marginais tenham realizado coisas tão extraordinárias, apesar de séculos de perseguição. Tiveram um papel determinante na educação e ainda hoje são maioria nas áreas da enfermagem e do apoio social, além de que produziram figuras de primeiro plano no âmbito da cultura.
A nova visão da história tem facetas inesperadas e até divertidas do ponto de vista turístico, como os «priest holes». A maioria já desapareceu, mas ainda se conservam muitas centenas, que se podem visitar. Estes buracos são cavidades no interior das paredes, ou poços por baixo do soalho, para esconder os padres que iam, de casa em casa, celebrar a Missa. A polícia vigiava (numas épocas mais do que noutras) e o jogo era a sério. Os disfarces e os sistemas para alimentar os padres dentro do buraco eram variados e imaginativos. Um passo em falso significava morte. Porque, desde o tempo de Henrique VIII, houve o cuidado de considerar que o catolicismo não era uma religião mas uma traição à pátria. Assim, evitava-se reconhecer a perseguição religiosa e as penas eram mais pesadas e sem apelo.
Li relatos de católicos ingleses que viajavam
ao estrangeiro e ficavam escandalizados pela pressa com que se celebrava a
Missa, mesmo em Roma. Imagino que estivessem habituados a Missas pouco
frequentes, às escondidas, celebradas por um padre saído do «priest hole»,
alimentado através da gaveta da cómoda.
Ser padre, naquela época, era complicado. Os rapazes ingleses tinham de fugir
do país para ir estudar para um seminário, em Roma, em França, em Espanha, na
Bélgica. Até em Lisboa havia um seminário, na Travessa dos Inglesinhos, que
funcionou até 1973. Para as famílias não serem perseguidas, os estudantes
mudavam de nome, mal desembarcavam no continente. Em Roma, S. Filipe de Neri
ajoelhava na rua, quando passava em frente do colégio dos ingleses e honrava-os
como se tivessem sido mártires. Terminada a formação no seminário e ordenados,
os padres regressavam clandestinamente à sua ilha e, de casa, em casa,
dedicavam-se a atender os católicos. Às vezes, a coisa acabava mal. Mas,
enquanto durava, era bom.
Os católicos ingleses nunca sabiam quando podiam voltar a confessar-se e
assistir à Missa, de modo que queriam saborear esses momentos. No Continente, a
Missa era tão rápida! Nem dava tempo para a pessoa se concentrar. Pelo menos, é
o que os ingleses achavam.
José Maria C. S. André in 'Correio dos
Açores'
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