Portugal contra o Califado: 303 anos da
Batalha de Matapão, quando a nossa Armada parou a expansão turca no
Mediterrâneo
Exausta, esgotada em recursos e vontade
combativa após a Guerra da Sucessão Espanhola, a Europa foi surpreendida em
1714 com nova investida turca. O Sultão sentira a debilidade, o cansaço, a
animosidade entre os grandes poderes católicos do Ocidente, e dispôs-se a
atacá-los justamente quando estes pareciam mais débeis. Marchou sobre a Moreia,
na Grécia, à data província da Sereníssima República de Veneza; o Doge reagiu
implorando a intervenção da Santa Sé e, através dela, a ajuda das monarquias
europeias.
Mas estas mostraram-se, em geral,
desinteressadas da luta. Espanha, mal refeita das lutas da década anterior,
mais não enviou para o Mediterrâneo que fraca armada; a Áustria possuía forte
exército, mas nenhum poder marítimo com que confrontar o de Istambul; a França,
que até 1715 travara com Viena duríssima guerra pelo controlo do trono
espanhol, não quis combater ao lado dos austríacos.
Perante a indiferença geral, acudiu às
súplicas de Veneza - e aos sustentados, mas até então ineficazes, pedidos do
Papa - o rei de Portugal. Lisboa vivia então, com Dom João V, um período de
renovada grandeza. Devolvido à sua condição natural de forte potência naval,
Portugal fazia-se ouvir pela Europa; a sua marinha, acarinhada pelo Infante Dom
Francisco, conhecia então vigor que não mais recuperaria, e que a colocava
entre as primeiras do continente.
O Rei Magnânimo compreendeu que a luta pelo Mediterrâneo
Oriental, onde os turcos se recompunham da derrota sofrida trinta e quatro anos
antes em Viena, era de importância essencial para Portugal, a Europa e a
Cristandade. Percebeu, ainda, que ali se apresentava oportunidade preciosa para
que Portugal recuperasse o prestígio de outrora pagando-o a pólvora, aço e
sangue.
Pólvora, aço e sangue foi, pois, o que Dom
João tratou de oferecer ao Turco. O Infante Dom Francisco -
príncipe apaixonado, como é comum entre os Braganças, pelos assuntos do mar - armou
a frota. Eram onze impecáveis naves, sete de combate e quatro de apoio,
tripuladas por 3840 homens adestradíssimos, apetrechadíssimos, preparadíssimos
na arte da luta no mar. Carregavam quinhentas e vinte e seis peças de forte aço
português; eram duas vezes e meia as usadas por Napoleão em Waterloo.
A
comandar a frota, na nau Nossa Senhora da Conceição, ia Dom Lopo Furtado de
Mendonça, Conde do Rio Grande. Acompanhavam-no à cabeça da hierarquia da
expedição as naus Nossa Senhora do Pilar, de oitenta e quatro peças, em que
seguia o Conde de São Vicente como vice-almirante, e a Nossa Senhora da
Assunção, capitaneada por Pedro de Castelo Branco e munida de sessenta e seis
peças.
A dois de
Julho, as armadas da coligação cristã juntavam-se a sul da Messénia, no
Peloponeso. Eram, coligadas, fortes de trinta e cinco navios, dos quais os
portugueses contavam entre os maiores e mais modernos. A batalha deu-se a 19 de
Julho frente ao cabo Matapão. Os turcos tinham ao seu dispor força maior, de
cinquenta e cinco navios; os cristãos, apenas trinta e cinco. Possuíam, também,
o que seria então um dos maiores vasos militares do mundo: o Kebir Üç Ambarlı,
de cento e catorze peças, em que navegava o almirante turco Kapudan Paxá.
Ao se
encontrarem as duas armadas, e por motivo que nunca pôde ser adequadamente
esclarecido, a frota veneziana afastou-se da área de combate; frente à força
turca, pois, ficou apenas a de Portugal. Desenrolou-se depois feroz duelo de
artilharia entre as naus cristãs, quase limitadas à armada portuguesa e a duas
embarcações da Ordem de Malta, e o conjunto otomano.
Um grande
navio turco foi atingido e posto em chamas; os restantes, vendo a desgraça de
uma das principais naves da sua frota, deixadas sem pólvora e temendo a
artilharia portuguesa, abandonaram o local e rumaram, desordenadas e batidas, a
porto amigo. Travara-se grande recontro, e Portugal levara a Europa cristã à
vitória sobre o Califa do Islão.
Depois da
batalha, toda a armada cristã regressou à Itália. Os portugueses, vitoriosos,
foram cumulados de honrarias por uma Europa agradecida. Em Messina, onde os
navios de Portugal foram aportar, fizeram-se festas e fogos de artifício em
celebração do Rei Magnânimo e sua armada; ao Conde de Rio Grande, Dom Lopo
Furtado de Mendonça, chegou uma carta do Papa Clemente XI dando-lhe conta da
gratidão papal; em Lisboa apareceria, pouco depois, grande embaixada veneziana
de tributo e agradecimento.
Maior honra se fez à Igreja portuguesa,
passando a capital portuguesa a sede de um dos quatro patriarcados do Ocidente
latino, juntamente com Roma, Veneza e as Índias Ocidentais. Fora uma das mais
arriscadas empresas algumas vez tentadas pela marinha portuguesa, e resultara
em triunfo absoluto.
A Europa actual, tantas vezes mesquinha com
Portugal, nada perderia recordando este dia em que foi por ele resgatada da mão
do Califa de Istambul.
RPB in 'Nova Portugalidade'
A Europa de agora, para sua desgraça
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