quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Quando o remédio é pior do que a cura (qualquer semelhança com a situação actual não é pura coincidência)

Não tenho conhecimento de nenhuma outra máxima cujos efeitos práticos sejam mais perversos do que aquela que afirma ser a prevenção o melhor remédio.

Naturalmente, esta máxima, é verdadeira apenas em abstracto; se pudéssemos prever todos os males possíveis muito antes que viessem a acontecer, e se fôssemos capazes de modificá-los ou evitá-los sem esforço e sem prejudicar nada ou ninguém, obviamente deveríamos ficar contentes por poder fazê-lo. Mas isso é simplesmente impossível; todas as nossas antecipações em relação às coisas incertas tendem, necessariamente, a desorganizar as coisas certas.

É bem possível, por exemplo, que um belo dia eu venha a entalar um dedo numa das portas de minha casa. 

Os especialistas e cientistas modernos, juntamente com os modernos burocratas da saúde, da sociologia, e tutti quanti, agarram-se a essa possibilidade e julgam-se no direito de me ditar comportamentos e de me inundar de conselhos, que, invariavelmente, se dividem em dois grandes tipos: os que prescrevem que eu me prive de todas as minhas portas, e os que recomendam que eu me prive de todos os meus dedos.

Remover todas as portas da minha casa, incluindo a da rua, certamente impediria que uma delas me viesse, um dia, a estraçalhar um dedo, mas não creio que isso aumentasse, de facto, o meu conforto. 

Cortar todos os meus dedos à machadada, seguramente evitaria que, mais tarde, eu pudesse vir a ter um deles, preso numa porta, mas, nesse caso, não creio que se pudesse afirmar que a prevenção tinha sido melhor que a cura. 

No fundo, o que realmente importa, no que a medidas preventivas diz respeito, é saber se elas criam, ou não, uma atmosfera mórbida ao tentarem obsessivamente antecipar-se ao mal. Tornar-se-ão elas maléficas por estarem sempre a pensar no mal? 

Porque, estar-se sempre saudável sob tutela dos médicos e das autoridades sanitárias mais não é do que se deixar transformar num inválido imortal. 

Ser assim mantido perpetuamente saudável é, no fim de contas, o mesmo que estar perpetuamente doente. Pois o que define o inválido não é o perigo, que é o orgulho do herói, nem a dor, que é o orgulho do mártir, é, sim, a limitação - o facto de estar preso a uma vida anormal. 

Não, a prevenção não é melhor do que a cura. A cura é saudável, pois acontece num momento em que falta saúde. A prevenção é doentia, uma vez que acontece num momento em que há saúde.
 
Não há vantagem alguma em estar sempre com os olhos fechados por medo de ficar cego; esperar por ficar cego e, só então, ir a um oftalmologista não seria pior. 

Da mesma forma, arrancar toda a relva do jardim para evitar que um búfalo a coma, não faz sentido algum; seria bem melhor esperar por ele e, então, calma e humildemente, resolver o assunto – provavelmente com uma caçadeira.

Por essa razão eu sempre fui, por instinto, contrário a todas as formas de ciência ou ética que professem ser particularmente prescientes ou preventivas.

É sabido que alguns especialistas – os eugenistas, influenciados por doutrinas darwinistas, queriam ansiosamente matar certas criancinhas com medo que elas, quando crescessem, se tornassem más. Mas eu digo-lhes o seguinte: 

Não, meus caros especialistas, por favor, não matem as criancinhas, esperem que elas cresçam e se tornem más e, então (se tivermos sorte), talvez elas vos matem primeiro”.

G. K. Chesterton, 30 de Maio de 1908

1 comentário:

  1. Maria José Martins22 outubro, 2020 03:09

    Este texto, com toda a sua ironia, contém, pelo menos, duas mensagens, que nos devem fazer pensar: para os "abortistas", que defendem a eliminação duma criança antes de nascer, só porque sim, ou porque até estão a protegê-la, "prevenindo" que venha a sofrer, neste mundo "tão desumano"--sendo a sua atitude duma HUMANIDADE SEM FIM--ao negar-lhe, até, o seu GRANDE E PRIMEIRO DIREITO, que é O DE NASCER! E, depois, a "obsessão" relativa à PREVENÇÂO do covid 19, que nos está a matar lentamente, através do medo e do AFASTAMENTO dos outros!
    É caso para dizer: "se não morrermos da doença, morremos da cura!"
    Que Deus nos Proteja e nos dê o Seu Discernimento e a Sua Paz, porque para tudo há um tempo certo debaixo do Céu: "Tempo de nascer e tempo de morrer, tempo de plantar e tempo de colher, tempo de matar e tempo de curar, tempo de chorar e tempo de sorrir..." Eclesiastes

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