Sabemos pelo próprio testemunho de Martinho (Epitáfio), confirmado por Venâncio Fortunato (Carminum libri, 5, 2) e Gregório de Tours (Historia Francorum, 5, 37), que era oriundo da Panónia (actual Hungria), ou descendente de panónios. Presume-se que seria de origem romana. Feitas as contas a partir de outras datas prováveis, chega-se à conclusão que o ano do seu nascimento se situa próximo de 520.
Como aconteceu com muitas outras personagens do seu tempo, foi seduzido pela necessidade interior de se familiarizar com os Lugares Santos, como afirmam Gregório de Tours (Historia Francorum, 5, 37) e Isidoro de Sevilha (De viris illustribus, 35, 45). A estadia no Oriente enriqueceu-o pela oportunidade de contacto com personagens cultas que demandavam estas paragens e pelo conhecimento da vida monástica ao estilo dos Padres do Deserto, muito desenvolvida.
Foi também ocasião para crescer no conhecimento das Escrituras e, provavelmente, da língua grega e da cultura oriental, como testemunham os mesmos Venâncio Fortunato, Gregório de Tours e ainda Isidoro de Sevilha (Historia de Regibus Gothorum, Wandalorum et Suevorum, 91).
S. Martinho de Dume veio por mar e desembarcou num porto da Galécia, ao tempo que as relíquias do seu homónimo S. Martinho, ou em época próxima. São várias as conjecturas para a localização deste porto, mas nenhuma dispõe de suporte suficiente para se impor.
A data deste acontecimento, que marcará um rumo novo na vida das populações da Galécia, deve situar-se próxima do ano 550. Tudo leva a crer que Martinho já era monge e presbítero. O metropolita de Braga era então Lucrécio.
Entretanto, o rei Carrarico, em cumprimento da promessa que tinha feito para alcançar a cura do seu filho, construiu em Dume, nos arredores de Braga, uma igreja em honra de S. Martinho de Tours e abandonou o arianismo.
Martinho, por sua vez, contando com o patrocínio do rei, edificou junto à igreja um mosteiro, de que foi o primeiro abade. Este mosteiro acabará por se converter num importante centro de formação e difusão de vida cristã e de cultura.
Por razões expressas que se desconhecem, mas que se prendem certamente com a sua invulgar estatura de homem culto e cristão convicto, com a sua proximidade à corte e com o determinante papel desempenhado na conversão dos suevos, foi criada para ele a diocese de Dume, mantendo a sua condição de abade. De acordo com o Breviário de Soeiro (Lectio IX), a sagração episcopal de Martinho teve lugar a 5 de Abril de 556. A sagração da igreja de Dume como sé celebrou-se no ano 558. Como bispo de Dume participou no I Concílio de Braga (561).
A diocese de Dume restringia-se ao seu mosteiro, suas terras, seus servos e famílias, numa extensão territorial igual ou ligeiramente superior aos actuais limites da paróquia do mesmo nome. Este tipo de diocese foi, até então, um facto inédito no Ocidente. Manteve-se até 866, altura em que o seu bispo, Sabarico, se retirou para Mondoñedo, devido às graves dificuldades criadas pelas invasões árabes. Durante este tempo os seus bispos ora eram somente abades e bispos de Dume, ora acumulavam com a Igreja de Braga.
Quando em 1070 se procedeu à restauração da diocese de Braga, foi ordenado que nela se incorporasse a diocese de Dume. O então bispo de Mondoñedo protelou o cumprimento desta determinação, que só veio a cumprir-se em tempos do arcebispo de Braga S. Geraldo (1101).
Antes do ano 569, morreu o bispo e metropolita de Braga, Lucrécio. Sucedeu-lhe Martinho, sem deixar de ser bispo de Dume e abade do seu mosteiro.
No ano 572 presidiu ao II Concílio de Braga. Na introdução à Actas do Concílio, pode ler-se a interpelação de Martinho aos outros bispos para que se examinem questões de disciplina que possam existir "por ignorância ou por negligência", já que "pela graça de Cristo, nesta Província, nada é duvidoso acerca da unidade e da rectidão da fé". Com a sua cooperação, era já longo o caminho percorrido na consolidação da fé desde a sua chegada à Galécia.
Como metropolita, promoveu a reorganização paroquial, criou novos bispados e dividiu a metrópole bracarense em dois concílios ou sínodos, Lugo e Braga, continuando esta a ser a cabeça. Braga, sede da corte do Reino Suevo, ficou com as dioceses a Sul e a Norte do rio Douro. Há quem vislumbre neste seccionamento uma contribuição para a futura separação entre o Norte e o Sul da Galécia e, mais tarde, o nascimento de Portugal.
De acordo com a informação de Isidoro de Sevilha (De viris illustribus, 35, 45-46), Martinho fundou outros mosteiros. As tentativas para a sua identificação variam, em número e lugar, de autor para autor, sem ser possível chegar a conclusões seguras.
Segundo o Breviário de Soeiro, Martinho, o último dos escritores do Reino Suevo, morreu a 20 de Março de 579.
Foi sepultado na igreja do mosteiro de Dume. Aí se mantiveram o s seus restos mortais até meados do século IX, altura em que, pelo risco que corriam por causa da presença árabe, foram trasladados para Mondoñedo. Sabe-se que no século XV estavam de novo em Dume, na capela-mor da igreja. Em 1545 o arcebispo de Braga, D. Manuel de Sousa, tentou trasladar as relíquias para a catedral. Ante a enérgica oposição do povo de Dume, optou por, temporariamente, escondê-las aí, debaixo do altar-mor.
Com a sua morte perdeu-se-lhes o rasto, até que, em 1591, são de novo descobertas pelo arcebispo D. Fr. Agostinho de Jesus que decide, uma vez mais, levá-las para Braga. Enquanto se faziam as obras necessárias para as receber, foram trasladadas para a igreja do mosteiro de S. Frutuoso. Finalmente, a 22 de Outubro de 1606, foram levadas para a sé, onde, depois de várias mudanças, podem ser veneradas na Capela das Relíquias. O túmulo que guardava os seus restos mortais, em Dume, encontra-se no Museu D. Diogo de Sousa (Braga).
O X Concílio de Toledo (656), em sintonia com o que era o sentir popular, já desde os contemporâneos de Martinho, tratou-o como santo. Depois, até à restauração da diocese de Braga, em 1070, perdeu-se o rasto do que terá sido o culto a S. Martinho. Parece claro, contudo, que se lhe sobrepôs o culto do seu homónimo S. Martinho de Tours. A partir de finais do século XI o seu nome começa a aparecer, ininterruptamente, nos calendários e livros litúrgicos bracarenses. No breviário bracarense do século XIV, que está na origem do Breviário de Soeiro (séc. XV), S. Martinho aparece como padroeiro da Igreja de Braga. Este título acabará, entretanto, por se perder. Foi retomado oficialmente em 1984. A sua festa litúrgica foi fixada em 22 de Outubro, na diocese de Braga, e em 5 de Dezembro, para Portugal, juntamente com S. Frutuoso e S. Geraldo.
O breviário bracarense de 1588 dá-lhe o título de doutor, que se manteve até tempos recentes. Honra justificada, se considerarmos que, como escreve Madoz, estamos diante de "uma das figuras mais destacadas e eficientes que o olhar do historiador descobre na Igreja ocidental do século VI". A ele se deve o renascimento literário e científico da Galécia do seu tempo. Como sintetiza Aires Nascimento, Martinho de Dume "não só introduziu um modelo de vida cenobítica como, promovendo a conversão do povo suevo, conseguiu ambiente de paz suficiente para reorganizar a sua Igreja, doutriná-la e transmitir aos seus clérigos normas de vida exemplares; preocupou-se em dotar a sua Igreja com textos fundamentais, nomeadamente com os textos conciliares da Igreja Oriental, mas cuidou sobretudo de uma pastoral directa, atenta às situações, interveniente e benevolente".
Trata-se, enfim, de uma personagem quem antes e depois da sua chegada à Galécia, soube enriquecer-se num mundo de relações que conferem á sua figura e à sua acção sócio-religiosa uma surpreendente dimensão cosmopolita.
D. Pio Alves de Sousa, Bispo auxiliar do Porto, in 'Patrologia Galaico-Lusitana'
Seria ótimo disponibilizar a "Patrologia Galaico-Lusitana" completa em pdf. otimo texto
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