Primeiro, o Filho, o Verbo
e a sabedoria de Deus Pai, quando vê a potência de nossa alma chamada razão
deprimida pela carne, cativa do pecado, cegada pela ignorância, entregue às
coisas exteriores, toma-a com clemência, ergue-a com fortaleza, instrui-a
com prudência, fá-la entrar em si mesma; e, revestindo-a de seus
mesmos poderes de forma prodigiosa, constitui-a juiz de si mesma. E a razão é,
assim, ao mesmo tempo acusadora, testemunha e tribunal, e desempenha diante de
si mesma a função da verdade.
Desta primeira conjunção entre o Verbo e a razão, nasce
a humildade. Depois, o Espírito Santo digna-se a visitar a outra potência, que
se diz vontade, ainda infectada pelo veneno da carne, mas ilustrada já
pela razão. Purga-a o Espírito com suavidade, sela-a com seu fogo e torna-a, assim, misericordiosa.
Assim, com efeito, como uma pele se estica quando untada, a vontade, coberta pela unção celestial, estende-se por amor até aos inimigos. E desta segunda conjunção, do Espírito Santo com a vontade, nasce a caridade. Atendamos porém ainda a estas duas potências, a saber, a razão e a vontade.
A razão é instruída pelo Verbo da verdade, enquanto a vontade o é pelo Espírito da verdade. A razão é aspergida pelo hissopo da humildade, enquanto a vontade é abrasada pelo fogo da caridade. As duas juntas são a alma perfeita, sem mácula, em razão da humildade, e sem ruga, em razão da caridade.
Quando a vontade já não resistir à razão, e a razão já não encobrir a verdade, então o Pai se unirá a elas como a uma gloriosa esposa; e então a razão já não poderá pensar nada de si mesma, nem a vontade julgar o próximo, porque, com efeito, tal alma fustigada não encontrará consolo senão repetindo: “O Rei introduziu-me em sua câmara” [Ct 1, 4]. Tornou-se digna já de superar a escola da humildade, e aqui, ensinada pelo Filho, aprendeu a entrar em si mesma, conforme à advertência que se lhe fez: “Se não te conheces, vai e apascenta os teus cabritos” [Ct 1, 7].
Tornou-se digna, pois, de passar da escola da humildade ao celeiro da caridade, que é o coração dos próximos. O Espírito Santo guiou-a e introduziu-a mediante o selo do amor, e ela nutre-se de passas e robustece-se de maçãs, as quais são os bons costumes e as santas virtudes; e abre-se-lhe por fim a câmara do rei, por cujo amor languesce.
Ali, entre o grande silêncio que reina no céu por meia hora, descansa ela docemente entre os desejados abraços, e dorme; o seu coração, todavia, vigia. Ali vê coisas invisíveis, ouve coisas inefáveis que o homem nem sequer pode balbuciar e que excede toda a ciência que a noite sussurra à noite; e no entanto o dia-a-dia lhe passa sua mensagem, razão por que é lícito comunicar a sabedoria entre os sábios, e compartilhar o espiritual entre os espirituais.
São Bernardo de Claraval in 'Os graus da humildade e da soberba'
ResponderEliminarAqui está a prova de que só Deus nos pode moldar, segundo os Seus desígnios!--"Sem Mim, nada podeis fazer..."
E é pena, que a Sabedoria destes GRANDES Santos e Doutores da Igreja esteja cada vez mais fora de moda, dando-se a prioridade a certos teólogos humanistas, que quase relegam Deus da vida do Homem.