Um trágico episódio de sangue é narrado apenas pelo evangelista São Mateus, que se dirige principalmente aos leitores provenientes do judaísmo com a intenção de demonstrar que em Jesus se cumpriram as antigas profecias, até aquela do grito de dor de Raquel chorando os próprios filhos.
Os meninos de Belém e dos arredores, que o suspeitoso e sanguinário Herodes mandou matar, com a esperança de suprimir o Messias-rei, são as primícias dos redimidos e santificados pelo Salvador Jesus, segundo a sua própria promessa: "Aquele que tiver perdido a sua vida por minha causa encontra-la-á".
A festividade dos santos Inocentes aparece já no calendário cartaginês do século IV, e pouco depois no Sacramentário Leonino. O poeta Prudêncio apelida-os de "Flores martyrum", as primeiras flores germinadas em torno do berço do Redentor, quais "comites Christi" (a comitiva ou séquito de Cristo; isto é, os mais próximos de Cristo no seu percurso terreno e os primeiros a dar testemunho d'Ele através martírio).
A festa de hoje, instituída pelo Papa São Pio V, ajuda-nos a viver com profundidade o tempo da Oitava do Natal. Esta festa encontra o seu fundamento nas Sagradas Escrituras:
Quando os Magos chegaram a Belém, guiados por uma estrela misteriosa, “encontraram o Menino com Maria e, prostrando-se, adoraram-No e, abrindo os seus tesouros, ofereceram-Lhe presentes – ouro, incenso e mirra. E, tendo recebido aviso em sonhos para não tornarem a Herodes, voltaram por outro caminho para a sua terra. Tendo eles partido, eis que um anjo do Senhor apareceu em sonhos a José e disse-lhe: ‘Levanta-te, toma o Menino e a sua mãe e foge para o Egipto, e fica lá até que eu te avise, porque Herodes vai procurar o Menino para o matar’. E ele, levantando-se de noite, tomou o Menino e a sua mãe, e retirou-se para o Egipto. E lá esteve até à morte de Herodes, cumprindo-se deste modo o que tinha sido dito pelo Senhor por meio do profeta, que disse: ‘Do Egipto chamarei o meu filho’. Então Herodes, vendo que tinha sido enganado pelos Magos, irou-se em extremo e mandou matar todos os meninos que havia em Belém e arredores, de dois anos para baixo, segundo a data que tinha averiguado dos Magos. Então se cumpriu o que estava predicto pelo profeta Jeremias: ‘Uma voz se ouviu em Ramá, grandes prantos e lamentações: Raquel chorando os seus filhos, sem admitir consolação, porque já não existem’” (Mt 2,11-20).
Quanto ao número de assassinados, os Gregos e o jesuíta Salmerón (1612) diziam ter sido 14 mil; os Sírios 64 mil; o Martirológio de Haguenau (Baixo Reno) 144 mil. Foram muitas as Igrejas que pretenderam possuir relíquias deles.
Na Idade Média, nos bispados que possuíam escola de meninos de coro, a Festa dos Inocentes ficou sendo a destes. Começava nas vésperas de 27 de Dezembro e acabava no dia seguinte. Tendo escolhido entre si um “bispo”, os cantorzinhos apoderavam-se das estolas dos cónegos e cantavam em vez deles. A este bispo improvisado competia presidir aos ofícios, entoar o Inviatório e o Te Deum e desempenhar outras funções que a liturgia reserva aos prelados maiores. Só lhes era retirado o báculo pastoral ao entoar-se o versículo do Magnificat: Derrubou os poderosos do trono, no fim das segundas vésperas. Depois, o “derrubado” oferecia um banquete aos colegas, a expensas do cabido, e voltava com eles para os seus bancos. Esta extravagante cerimónia também esteve em uso em Portugal, principalmente nas comunidades religiosas.
A festa de hoje também é um convite a reflectirmos sobre a situação actual desses milhões de “pequenos inocentes”: crianças vítimas do descaso, do aborto, da fome e da violência. Rezemos neste dia por elas e pelas nossas autoridades, para que se empenhem cada vez mais no cuidado e no amor às nossas crianças, pois delas é o Reino dos Céus.
Santos Inocentes, rogai por nós!
in Pale Ideas
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