Desde o início da Quaresma, este memorando passou de mão em mão entre os Cardeais que elegerão o futuro Papa. O seu autor, que assina com o nome de Demos, "povo" em grego, é desconhecido, mas com certeza é um especialista no assunto. Não se pode excluir que seja ele próprio um Cardeal:
O VATICANO HOJE
Comentaristas de todas as escolas, embora por razões diferentes, com a possível excepção do padre Spadaro, SJ, concordam que este pontificado é um desastre sob muitos aspectos, uma catástrofe.
1. O sucessor de São Pedro é a rocha sobre a qual está edificada a Igreja, grande fonte e causa da unidade mundial. Historicamente, a partir de Santo Irineu, o Papa e a Igreja de Roma desempenharam um papel único na preservação da tradição apostólica, a regra da fé, em assegurar que as Igrejas continuassem a ensinar o que Cristo e os apóstolos tinham ensinado. Anteriormente o lema era: “Roma locuta. Causa finita est.” [Roma falou, a discussão acabou]. Hoje é: “Roma loquitur. Confusio augetur.” [Roma falou, a confusão aumentou].
(A) O sínodo alemão fala de homossexualidade, de mulheres sacerdotes, de comunhão para os divorciados e recasados. Mas o papado está em silêncio.
(B) O Cardeal Hollerich rejeita o ensino cristão sobre a sexualidade. E o papado está em silêncio. Isso é duplamente significativo, porque o Cardeal é explicitamente herético; não usa palavras em código ou alusões. Se o Cardeal continuar sem uma correção romana, isso representará outra profunda ruptura na disciplina, com pouco (ou nenhum?) precedente na História. A Congregação para a Doutrina da Fé deve agir e falar.
(C) O silêncio é ainda mais evidente, quando colide com a perseguição activa contra os mosteiros tradicionalistas e contemplativos
2. A centralidade de Cristo nos ensinamentos está enfraquecida; Cristo foi deslocado do centro. Às vezes, Roma parece até confusa sobre a importância de um monoteísmo rigoroso, aludindo a um certo conceito mais amplo de divindade; não precisamente panteísmo, mas como uma variante do panteísmo hindu.
(A) Pachamama é idolatria, embora talvez não tenha sido inicialmente entendida como tal.
(B) As freiras contemplativas são perseguidas e são feitas tentativas para mudar os ensinamentos dos carismas (das fundações religiosas).
(C) A herança cristocêntrica de São João Paulo II em matéria de fé e moral é objecto de ataques sistemáticos. Muitos professores do Instituto Romano para a Família foram demitidos; a maioria dos alunos foi embora. A 'Accademia per la Vita' está em séria desordem; por exemplo, alguns dos seus membros apoiaram recentemente o suicídio assistido. As Academias Pontifícias têm membros e oradores convidados que apoiam o aborto.
3. A falta de respeito pela lei no Vaticano corre o risco de se tornar um escândalo internacional. Esses problemas tornaram-se claros no julgamento a decorrer, no Vaticano, de 10 réus acusados de negligência financeira, mas o problema é mais antigo e mais amplo.
(A) O Papa mudou a lei 4 vezes durante o julgamento, para ajudar a acusação.
(B) O Cardeal Becciu não foi tratado com justiça porque foi destituído do cargo e destituído da sua dignidade de Cardeal sem qualquer prova. Ele não teve um julgamento justo. Todos têm direito a um julgamento justo.
(C) Como chefe do Estado do Vaticano e fonte de toda autoridade legal, o Papa usou esse poder para interferir nos processos judiciais.
(D) Às vezes, se não frequentemente, o Papa governa com decretos pontifícios, motu proprio, que eliminam o direito de recurso por parte dos visados.
(E) Muitos funcionários, muitas vezes sacerdotes, foram demitidos às pressas da cúria vaticana, muitas vezes sem uma boa razão.
(F) As escutas telefónicas acontecem rotineiramente. Não sei quantas vezes isso terá sido autorizado.
(G) No julgamento em Inglaterra contra Torzi, o juiz criticou fortemente os promotores do Vaticano. Que são incompetentes e/ou condicionados, impedindo-os de fornecer o quadro completo.
(H) A invasão da gendarmaria do Vaticano sob o comando do Dr. Giani em 2017, no escritório do auditor Libero Milone em território italiano, foi provavelmente ilegal e, em qualquer caso, intimidadora e violenta. As provas contra Milone podem ter sido fabricadas.
4. (A) A situação financeira do Vaticano é terrível. Pelo menos nos últimos dez anos quase sempre houve déficits financeiros. Antes do COVID, estes défices rondavam os 20 milhões de euros por ano. Nos últimos três anos foram cerca de 30-35 milhões de euros por ano. Os problemas remontam a antes do Papa Francisco e do Papa Bento XVI.
(B) O Vaticano está com um grande déficit no seu fundo de pensões. Por volta de 2014, os especialistas da COSEA estimaram que até 2030 o déficit poderia chegar a 800 milhões de euros. Isso foi antes do COVID.
(C) Calcula-se que o Vaticano tenha perdido 217 milhões de euros no prédio da Sloane Avenue, em Londres. Na década de 1980, o Vaticano foi forçado a desembolsar 230 milhões de dólares após o escândalo do Banco Ambrosiano. Devido à ineficiência e corrupção, o Vaticano perdeu pelo menos mais 100 milhões de euros nos últimos 25-30 anos, e provavelmente vários mais, talvez 150-200 milhões.
(D) Apesar da recente decisão do Santo Padre, os processos de investimento não foram centralizados (como recomendado pelo COSEA em 2014 e tentado pelo Ministério da Economia em 2015-16) e continuam sem aconselhamento especializado. Durante décadas, o Vaticano teve que lidar com financeiros de má reputação, evitados por todos os banqueiros respeitados em Itália.
(E) O desempenho das 5261 propriedades do Vaticano permanece incrivelmente baixo. Em 2019, o retorno médio (antes do COVID) foi de quase 4500 dólares por casa por ano. Em 2020 foram 2900 euros por casa.
(F) A papel instável do Papa Francisco nas reformas financeiras (progressos incompletos mas substanciais na redução da criminalidade mas muito menos bem sucedidos, exceto no IOR, em termos de rentabilidade) é um mistério e um enigma.
Inicialmente, o Santo Padre apoiou fortemente as reformas. Depois impediu a centralização dos investimentos, opôs-se às reformas e à maioria das tentativas de expor a corrupção e apoiou (nessa altura) o arcebispo Becciu, no centro do estabelecimento financeiro do Vaticano. Então, em 2020, o Papa voltou-se contra Becciu e, por fim, 10 pessoas foram julgadas e acusadas. Ao longo dos anos, poucos processos criminais foram instaurados com base em relatórios de violações da FIA.
Os auditores Price Waterhouse and Cooper foram demitidos e o auditor geral Libero Milone foi forçado a renunciar em 2017 segundo acusações inventadas. Eles estavam chegando muito perto da corrupção na Secretaria de Estado.
5. A influência política do Papa Francisco e do Vaticano é insignificante. Intelectualmente, os escritos papais mostram um declínio dos níveis de São João Paulo II e do Papa Bento. As decisões e políticas são muitas vezes “politicamente correctas”, mas houve falhas graves na defesa dos direitos humanos na Venezuela, Hong Kong, China continental e agora na invasão russa.
Não houve apoio público aos fiéis católicos da China, que são perseguidos implacavelmente pela sua lealdade ao papado há mais de 70 anos. Não há apoio público do Vaticano à comunidade católica ucraniana, especialmente os católicos gregos.
Estas questões devem ser revistas pelo próximo Papa. O prestígio político do Vaticano está, neste momento, num nível baixo.
6. A um nível diferente, menor, a situação dos tradicionalistas tridentinos (católicos) deve ser regularizada.
A um nível ainda menor, as Missas “privadas” e com pequenos grupos devem ser novamente permitidas pela manhã na Basílica de São Pedro. Neste momento, esta grande Basílica de manhã parece um deserto.
A crise do COVID encobriu o declínio acentuado no número de peregrinos que frequentam as audiências e as Missas papais.
O Santo Padre tem pouco apoio entre os seminaristas e os jovens sacerdotes e há uma ampla desfiliação na cúria vaticana.
O próximo Conclave
1. O Colégio dos Cardeais foi enfraquecido por nomeações excêntricas e não se reuniu novamente desde a rejeição das posições do Cardeal Kasper no consistório de 2014. Muitos Cardeais são estranhos uns aos outros, acrescentando uma nova dimensão de imprevisibilidade ao próximo conclave.
2. Depois do Vaticano II, as autoridades católicas subestimaram muitas vezes o poder hostil da secularização, do mundo, da carne e do diabo, especialmente no mundo ocidental, e superestimaram a influência e a força da Igreja Católica.
Estamos mais fracos do que há 50 anos e há muitos factores que fogem ao nosso controle, pelo menos a curto prazo, por exemplo, a diminuição do número de fiéis, a frequência da Missa, o desaparecimento ou extinção de muitas Ordens Religiosas.
3. O Papa não precisa ser o melhor evangelizador do mundo, nem uma força política. O sucessor de Pedro, como chefe do colégio dos bispos, que são também os sucessores dos apóstolos, tem um papel fundamental na unidade e na doutrina. O novo Papa deve compreender que o segredo da vitalidade cristã e católica vem da fidelidade aos ensinamentos de Cristo e às práticas católicas. Não vem da adaptação ao mundo ou ao dinheiro.
4. As primeiras tarefas do novo Papa serão o restabelecimento da normalidade, o restabelecimento da clareza doutrinal na fé e na moral, o restabelecimento do devido respeito pela Lei e pela uma garantia de que o primeiro critério para a nomeação de Bispos é a aceitação da tradição apostólica. A competência e a cultura teológica são uma vantagem, não um obstáculo, para todos os Bispos e especialmente para os Arcebispos.
Estes são os fundamentos necessários para viver e pregar o Evangelho.
5. Se as reuniões sinodais continuarem, em todo o Mundo, consumirão muito tempo e dinheiro, provavelmente desviando energias da evangelização e do serviço em vez de se focar nessas actividades essenciais.
Se a autoridade doutrinal for dada a sínodos nacionais ou continentais, teremos um novo perigo para a unidade da Igreja mundial, pois, por exemplo, a Igreja alemã já tem posições doutrinais que não são compartilhadas por outras Igrejas e não são compatíveis com o tradição apostólica.
Se não houver a correcção romana a tais heresias, a Igreja ficará reduzida a uma frouxa federação de Igrejas locais, com visões diferentes, provavelmente mais próximas de um modelo anglicano ou protestante do que ortodoxo.
Uma das primeiras prioridades do próximo Papa deve ser eliminar e prevenir esse desenvolvimento tão perigoso, exigindo unidade no essencial e não permitindo diferenças doutrinais inaceitáveis. A moralidade da actividade homossexual será um desses pontos críticos.
6. Embora os jovens clérigos e seminaristas sejam quase todos ortodoxos, às vezes bastante conservadores, o novo Papa terá que estar ciente das mudanças substanciais que ocorreram na liderança da Igreja desde 2013, talvez especialmente na América do Sul e Centro. Há um novo salto no avanço dos protestantes "liberais" na Igreja Católica.
É improvável que um cisma venha da esquerda, onde muitas vezes não há drama sobre questões doutrinárias. É mais provável que um cisma venha da direita e é sempre possível que isso aconteça quando as tensões litúrgicas aumentam e não são desarmadas.
Unidade nas coisas essenciais. Diversidade nas não essenciais. Em tudo Caridade.
7. Apesar do seu perigoso declínio no Ocidente e da sua inerente fragilidade e instabilidade em muitos lugares, a viabilidade de uma visita apostólica à Ordem dos Jesuítas deve ser seriamente considerada. O seu declínio numérico é catastrófico, tendo passado de 36 mil membros durante o Concílio para menos de 16 mil em 2017 (com provavelmente 20-25% deles com mais de 75 anos). Em alguns lugares, há também um declínio moral catastrófico.
A Ordem é altamente centralizada, passível de ser reformada ou arruinada de cima para baixo. O carisma e a contribuição dos jesuítas foram, e são, tão importantes para a Igreja que não podem simplesmente desaparecer da História ou simplesmente serem reduzidos a uma comunidade afro-asiática.
8. O declínio desastroso do número de católicos e a expansão dos protestantes na América do Sul devem ser abordados. Isto foi muito pouco mencionado no Sínodo da Amazónia.
9. Obviamente, muito trabalho precisa ser feito nas reformas financeiras do Vaticano, mas este não deve ser o critério mais importante na escolha do próximo Papa.
O Vaticano não tem grandes dívidas, mas os déficits anuais contínuos acabarão por levá-lo à falência. É óbvio que serão tomadas medidas para remediar isso, para separar do Vaticano os cúmplices criminosos e equilibrar receitas e despesas. O Vaticano terá que demonstrar competência e integridade para atrair doações consistentes de modo a ajudar a resolver este problema.
Apesar de procedimentos aprimorados e maior transparência, as dificuldades financeiras contínuas são um grande desafio, mas são muito menos importantes do que os perigos espirituais e doutrinários que a Igreja deve enfrentar, especialmente no Primeiro Mundo.
Demos