terça-feira, 3 de novembro de 2009

A conversão de G.K. Chesterton

Atentemos nos dois pontos que me impressionaram de modo especial. No Mundo há mil e uma espécies de misticismo, capazes de fazer endoidecer um homem, mas só uma existe que o põe em estado normal... Não há dúvida que a humanidade não pode viver muito tempo sem mística. Até os primeiros e agudos sons da voz gelada de Voltaire encontraram eco em Cagliostro. 

Nos tempos de hoje espalham-se de novo entre nós a superstição e a credulidade com rapidez tão furiosa, que dentro em breve estarão muito próximos os católicos e os agnósticos. O católico será o único homem que terá direito a chamar-se racionalista. A mesma dança de mistérios se desencadeou nos fins da Roma pagã, a despeito de todos os «intermezzos» cépticos de Lucrécio e Lucano. 

Ser materialista não é coisa natural, nem produz nenhuma impressão natural. Não é natural contentar-se com a natureza. O homem é místico. Nascido como mistico, morre também quase sempre como místico, sobretudo. Mas, enquanto todas as sociedades humanas mais cedo ou mais tarde, sentem esta inclinação para as coisas extraordinárias, é-se forçado a confessar que apenas uma delas toma em consideração as coisas da vida ordinária. Todas as outras põem de parte o que é de todos os dias, e desprezam-no....Este é apenas um dos muitos factos que provam esta verdade: que só na religião católica os mais altos e, se assim se quiser, os mais absurdos votos e profissões são, amigos e protectores das coisas boas da vida ordinária. 

Muitas correntes místicas abalaram o mundo; apenas uma se conservou: o santo está ao lado do homem simples; o peregrino mostra amor à família; o monge defende o matrimónio. Entre nós, o óptimo não é inimigo do bom. Entre nós, o óptimo é o melhor amigo do bom. Qualquer revelação visionária degenera por último numa ou outra filosofia indigna do homem, em simplificações perturbadoras, em pessimismo, em optimismo, em fatalismo, em coisa nenhuma, em nada, em não-sentido, em absurdo. 

Todas as religiões têm em si qualquer coisa de bom, mas o bom, a sua mesma realidade própria, a humildade e amor, e ardente gratidão a Deus, não se encontra nelas. Quanto mais profundamente as conhecemos, e até quanto maior reverência por elas sentimos, mais claramente o compreendemos. No mais profundo delas encontra-se qualquer outra coisa que não é o puro bem; encontra-se a dúvida metafísica acerca da matéria, ou a voz forte da natureza, ou, no melhor dos casos, o temor da lei e da divindade. Se estas coisas se exageram, surge uma deformação que pode ir até à adoração do demónio. 

Tais religiões só são toleráveis enquanto passivas. Enquanto permanecem inertes, podemos respeitá-las como ao protestantismo vitoriano. Mas o entusiasmo mais ardente pela Santíssima Virgem, ou a mais ousada imitação de S. Francisco de Assis, serão sempre, na sua essência mais profunda, coisas meritórias e sãs; ninguém por isso negará a sua condição de homem nem desprezará o próximo; o que é bom nunca poderá ser bom demais. Esta é uma das características que me parecem únicas e universais ao mesmo tempo.

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