segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

O ridículo da geração - João César das Neves

Nos múltiplos referendos anexos às últimas eleições americanas, três estados votaram a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Na França, a medida foi aprovada há pouco e Nova Zelândia, Inglaterra e Escócia preparam-se para a adoptar. Existe claramente uma onda triunfal, sobretudo entre países ricos, que parece inverter o panorama neste tema. Assim esta geração muda a milenar definição de matrimónio. O mais espantoso nisto é ninguém parecer dar-se conta do ridículo da situação.

Primeiro, esta suposta grande conquista dos direitos humanos não envolve nada de realmente importante. Não estão em causa pessoas mortas, feridas, presas ou sequer incomodadas na sua vida pessoal. É literalmente uma questão de secretaria. Quando a nossa geração pretende emular as lutas dos tempos heróicos contra escravatura, pena de morte ou pelos direitos dos trabalhadores e minorias, o melhor que consegue é isto. A seguir deve ir tratar de maçanetas para canhotos ou semáforos para daltónicos. Não é por falta de assuntos graves, pois, entre muitas outras injustiças clamorosas que passam impunes, temos milhões de embriões chacinados pelo aborto todos os anos. Mas esta geração toma isso como conquista democrática.

O segundo aspecto é que o tema escolhido cai logo na área em que as nossas instituições têm feito ultimamente os maiores disparates. Durante milénios, o Estado não casava ninguém, deixando isso ao costume social ou às entidades religiosas. Em Portugal, o casamento civil só surgiu em 1832, obrigatório a partir de 1911. Na Inglaterra foi apenas em 1837, na Alemanha em 1875; até a França, a mais antiga, teve-o unicamente em 1792. A situação anterior é razoável por ser sumamente aberrante o rei pretender regulamentar o amor. Só um tempo como o nosso, com uma doentia ânsia legislativa, aspira a tal coisa.

O pior é que nestas poucas décadas o Estado conseguiu fazer uma salganhada de uma responsabilidade tão importante. Neste momento, em Portugal, custa mais despedir a criada do que o marido, pois o contrato de casamento é mais frágil do que o de trabalho ou sociedade. Como além disso a lei fez questão de estender aos solteiros os direitos dos casados, através da promoção das uniões de facto, a instituição do casamento civil é hoje quase inepta. Afinal os antigos tinham razão. De fora até pode parecer que o Estado ocupou-se da instituição apenas para a abandalhar.

Não admira que as pessoas ultimamente se tenham deixado disso. Os valores de 2010, último ano disponível, são de 3.8 casamentos por mil habitantes, descendo de mais de sete em 1992 e quase dez em 1973. Parece que hoje em dia os homossexuais são os únicos que querem casar-se. Aliás nem esses, pois, após séculos de repressão, o surto inicial de casamentos civis entre pessoas do mesmo sexo gerado pela Lei 9/2010 de 31 de Maio foi de... 266 em 2010. Uma marcante conquista da civilização, como se vê!

O pior é que este campo, onde tantos activistas se esforçam generosamente por conseguir avanços, é precisamente aquele em que se situam as grandes calamidades desta geração. Só que não é desse lado, mas precisamente do oposto. Os dramas da solidão, traição, traumas infantis, promiscuidade são consequência directa da mesma ideologia antifamília que triunfa nestes supostos avanços. A taxa de divórcio já é 2.6 por mil habitantes. Ou seja, por cada 19 uniões novas desfazem-se 13. A nossa taxa de fertilidade, 1.3 filhos por mulher, das mais baixas do mundo, está ao nível de catástrofe demográfica. Os problemas psicológicos, educacionais, culturais, sociais, económicos e financeiros que isto cria seriam inimagináveis se não os observássemos quotidianamente. É um processo de demolição da sociedade e civilização portuguesa e ocidental sem precedentes.

Será difícil as gerações futuras entenderam como foi possível ignorar problemas tão vastos, graves e influentes, indo perder tempo com questões laterais e menores. Mas seremos pouco castigados, pois a devastação desta geração tornará as seguintes pequenas, esparsas e traumatizadas.

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