quarta-feira, 26 de março de 2014

O que realmente se passou no Consistório sobre a Família

O Consistório extraordinário de dia 22 de Fevereiro, sobre a Família, deveria ser secreto. Mas ‘de cima’ decidiu-se que seria oportuno tornar pública a longa apresentação do Cardeal Walter Kasper sobre o tema da comunhão dos divorciados-recasados. Provavelmente em preparação para o Sínodo sobre a Família, em Outubro. 

Mas metade do Consistório permaneceu secreta: as intervenções dos cardeais. E talvez não tenha sido por acaso, visto que, depois do Cardeal Kasper ter feito a sua longa apresentação, se ergueram muitas vozes para a criticar. De tal modo que no início da tarde, quando o Papa lhe deu a oportunidade de responder, o purpurado alemão pareceu impaciente, e até irritado.      

A opinião comum é que o “teorema Kasper” permitirá que os divorciados-recasados possam comungar, sem que o matrimónio precedente seja considerado nulo. Actualmente  isto não é permitido; com base nas palavras de Jesus, bastante severas e explícitas em relação ao divórcio. Quem tem uma vida matrimonial completa, sem que o primeiro casamento tenha sido considerado nulo pela Igreja encontra-se, numa situação permanente de pecado.

Neste sentido (contra Kasper) falaram claramente alguns cardeais como o de Bolonha, Carlo Cafarra, assim como o Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o alemão Gerhard Müller. Também explícito foi o Cardeal Walter Brandmüller:

Nem a natureza humana nem os Mandamentos nem o Evangelho têm data de validade…É preciso coragem para anunciar a verdade, mesmo contra os costumes correntes. Uma coragem que deve ter quem quer que fale em nome da Igreja, se não deseja trair a sua vocação…O desejo de obter a aprovação e os aplausos é uma tentação que sempre esteve presente no ensinamento religioso…

E de seguida tornou públicas as suas palavras. 

Também o presidente da conferência episcopal italiana, Angelo Bagnasco, se expressou de maneira crítica em relação ao “teorema Kasper”; assim como o cardeal africano Robert Sarah, responsável pelo Cor Unum, recordando no fim da sua intervenção que no decorrer dos séculos aconteceram divergências em questões dramáticas e controversas dentro da Igreja, mas que o papel do papado foi sempre o de defender a doutrina. 

O Cardeal Re, um dos grandes apoiantes de Bergoglio na sua eleição, fez uma intervenção muito breve, que se pode resumir deste modo: 

Peço a palavra durante um momento, porque aqui estão os novos cardeais, e talvez algum deles não tenha a coragem de dizê-lo, mas eu digo: sou totalmente contrário à apresentação.” 

Também o Prefeito da Penitenciaria, o Cardeal Mauro Piacenza se mostrou contrário à apresentação e dirigiu-se mais ou menos nestes termos: 

Estamos aqui neste momento e estaremos aqui em Outubro para um Sínodo sobre a Família, e agora devíamos fazer um Sínodo positivo, não vejo por que devemos tocar no tema da comunhão dos recasados. 

Querendo fazer um discurso pastoral, parece-me que devemos tomar uma posição contra o pansexualismo difundido pelo mundo e a agressividade da ideologia de género, que está a destruir a família tal como sempre a conhecemos. Seria providencial se fossemos lumen gentium  (luz das gentes) para explicar qual é a situação em que nos encontramos e o que pode destruir a família." 

Concluiu exortando a que se pegue nas catequeses do Papa João Paulo II sobre a Teologia do Corpo, porque contêm muitos elementos positivos sobre o sexo, o ser homem, o ser mulher , a procriação e o amor.

O Cardeal Tauran, do Conselho para o Diálogo Inter-Religioso, expôs o tema dos ataques à família, também à luz das relações com o islão. O Cardeal de Milão, Angelo Scola, mostrou perplexidades teológicas e doutrinais (em relação à apresentação do Cardeal Kasper).

Muito crítico foi também o Cardeal Camillo Ruini, que acrescentou: 

Não sei se percebi bem, mas até este momento, cerca de 85% dos cardeais que estão aqui presentes mostraram-se contrários às conclusões da apresentação.” 

Disse ainda que entre aqueles que não se manifestaram, mesmo sem se saber qual a sua posição, parecia-lhe que o seu silêncio mostra que estão perturbados.

O Cardeal Ruini citou depois o Papa Bom (João XXIII), dizendo: 

Quando João XXIII fez o discurso de abertura do Concílio Vaticano II disse que se podia fazer um concílio pastoral porque felizmente a doutrina era aceite pacificamente por todos e não existiam controvérsias; portanto poderia fazer-se um caminho pastoral sem medo de ser mal-entendido, pois a doutrina era muito clara. Se naquele momento João XXIII tinha razão só Deus o sabe, mas aparentemente em boa parte talvez tenha tido. 

Hoje isto não se poderia dizer de modo absoluto, porque a doutrina não só não é compartilhada mas até combatida. Seria um erro fatal querer percorrer a estrada da pastoral sem se referir à doutrina.

É compreensível que o Cardeal Kasper parecesse um pouco irritado durante a tarde, quando o Papa Francisco lhe deu a oportunidade de responder, porém sem permitir que acontecesse um verdadeiro contraditório: apenas Kasper falou. Deve dizer-se que além das críticas ao “teorema Kasper” dentro do Consistório, estão a acontecer muitas mais, de modo privado junto do Papa, ou público, da parte de cardeais de todo o mundo. 

Cardeais alemães, que conhecem bem Kasper, dizem que este tema o apaixona desde os anos 70. O problema fez levantar bastantes vozes críticas porque este tema é muito explícito no Evangelho. Se isso fosse esquecido, este é o medo, tornaria as coisas muito instáveis, e poderia modificar-se a bel-prazer qualquer outro ponto da doutrina baseado nos evangelhos. Marco Tosatti in La Stampa

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