O povo na sua rudeza diz verdades
como punhos embora, não poucas vezes, de um modo desajeitado. É o caso, por
exemplo, quando sentencia: se a vida eterna
não existe, Deus para que é que serve? Literalmente esta interrogação
poderá parecer um disparate ou uma blasfémia. Mas se atentarmos bem, o que ela
significa é que se Deus não é eterno então não é Deus; e se não é Deus é então
um ídolo vão que podemos e devemos repudiar. Porém, se Deus existe, então não
só é eterno como nos pode fazer participantes dessa Sua vida. Não só
livrando-nos da mortalidade definitiva, mas redimindo-nos da morte segunda,
isto é, da condenação, ou perdição, eterna. Esse resgate que o mundo antigo ansiava
com ardor aconteceu de um modo que superou qualitativamente tudo quanto os
povos e os sábios poderiam esperar. Esse acontecimento impensável deu-Se quando
o Imenso, o Omnipotente, o Infinito, Se fez um de nós, minúsculo, mínimo, no
seio de uma Virgem, para, uma vez Dela nascido, passar fazendo o bem,
combatendo os demónios, e finalmente, carregando com os nossos pecados e
misérias, dar a Sua vida, passando para nós a sua Inocência, numa Cruz, ser
sepultado e Ressuscitar ao terceiro dia.
Isto que todo o cristão teoricamente
sabe, de facto, na vida prática parece ignorá-lo inteiramente. Sinais eloquentes
desta necedade consistem, a meu ver, numa profusão de documentos episcopais
cuja atenção sistemática parece concentrar-se nos problemas político-sociais da
vida presente, à margem de considerações, de fundo, de ordem
teológico-espirituais, que tenham em conta as consequências eternas das
atitudes e decisões, conscientes e livres, dos cristãos a quem se dirigem. Dá a
impressão que muitos membros da Igreja vêem a sua missão como meramente política
e social, esquecendo ou relegando para segundo plano, a Evangelização explícita
de Jesus Cristo Redentor, o Ressuscitado, que morrendo aniquilou a morte e
ressuscitando restaurou a vida.
Fruto venenoso desta mentalidade meramente mundana é claramente a indiferença e a culpabilidade com que se distribui a Sagrada Comunhão a políticos e outros personagens públicos que manifestamente vivem em pecado grave. Estes sacrilégios consentidos se não mesmo promovidos são fruto de um calculismo e de uma negociação, ainda que implícita, em vista de proveitos eclesiais de índole temporal. Mas chegados aqui importa perguntar: que aproveita à Igreja ganhar o mundo inteiro se vier perder-se a si mesma? Ou então lembrar o que afirma S. Paulo: Se nós temos esperança em Cristo apenas para esta vida, somos os mais miseráveis de todos os homens.
Enquanto, todos nós, pensarmos que a nossa Fé não é mais do que uma sabedoria para viver neste mundo em vista de um maior bem-estar estaremos a atraiçoá-la e a cavar a nossa infelicidade e miséria.
Importa, pois, viver permanentemente à luz da eternidade que nos espera, para não sermos contados entre os mais infelizes e miseráveis. Todos os que fomos justificados pela Fé seremos julgados pelo Amor verdadeiro e efectivo que praticámos.
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