Deixem-me começar com uma história biográfica.
Em 2010, a Joy e eu levámos as nossas cinco crianças à Missa em Latim.
Eu já tinha ido à Missa em Latim algumas vezes. A Joy ainda só tinha ido
uma vez, penso eu. As nossas crianças nunca a tinha visto.
Deixem-me contar-vos uma coisa. Eles portaram-se tão bem na Santa Missa
daquela manhã. Quero dizer, absolutamente excelentes. Pareciam aqueles
meninos bonitos representados no Baltimore Catechism.
Assim tão bom. Estávamos entusiasmados pela liturgia rigorosa, a
homilia, a música gloriosa... e com o comportamento dos nossos filhos
naquele Domingo de manhã. O que se tinha passado?
Eu não tenho a certeza, mas penso que tinha a ver com a música.
Claro que os nossos filhos viram os acólitos e isso significava que
havia negócio. (Já agora, os nossos filhos quiseram ser acólitos desde
que viram aqueles acólitos-Marines da Missa em Latim.) Eles viram
e cheiraram o incenso. Ouviram os sinos. Eles já tinham visto isto
ocasionalmente em algumas Missa Novus Ordo, mas aqui na Missa em Latim
tudo estava tão bem empacotado. O efeito completo projectava santidade.
Mais importante, a música não eram as cançõezinhas dos anos 70 cantadas
por uma senhora no microfone. O coro estava na parte de trás da igreja,
sem microfones, e os cânticos flutuavam sobre a liturgia como o incenso a
pairar no ar.
O canto Gregoriano, como o Vaticano II ensinou, é essencial ao Rito
Romano. É a banda sonora oficial do Santo Sacrifício da Missa. Só se
pode dançar a valsa propriamente se a música for uma valsa. Uma valsa,
então, tem o seu próprio género de música. O Santo Sacrifício também tem
a sua música própria.
O canto Gregoriano é uma música diferente de qualquer outra. Como Martin Mosebach escreveu,
"O canto Gregoriano não é arte musical. Existe para ser cantado em
todas as igrejas das aldeias e em todas as igrejas suburbanas, apesar do
facto de que algum é difícil e requer prática - e as pessoas
praticavam-no de facto, ouvindo-o todos os Domingos das suas vidas.
O quê? O cântico soa estranho? Precisamente. Este é precisamento o ponto. Mosebach outra
vez: "O que os bispos esqueceram foi que esta música soou estranho
mesmo aos ouvidos de Carlos Magno e de Tomás de Aquino, Monteverdi e
Haydn: era pelo menos tão distinto da sua vida contemporânea como é da
nossa."
O cântico da Igreja é trascendental. Esse é o ponto. Porque é que alguns
Jesuítas pensaram que podiam substituir o cântico com músicas que soam a
números rejeitados de musicais da broadway? E porque é que as paróquias
começaram a comprar esta "música" litúrgica? A maior parte das
paróquias Católicas têm música terrível. Ainda assim existe uma solução óbvia, simples (e barata) para o problema.
Eis o texto do Vaticano 2 da Sacrosanctum Concilium:
116. A Igreja reconhece como canto próprio da liturgia romana o canto gregoriano; terá este, por isso, na acção litúrgica, em igualdade de circunstâncias, o primeiro lugar.Não se excluem todos os outros géneros de música sacra, mormente a polifonia, na celebração dos Ofícios divinos, desde que estejam em harmonia com o espírito da acção litúrgica, segundo o estatuído no art. 30.
Uma
pessoa pode dizer, mas o Concílio não obriga canto Gregoriano
exclusivo. Têm razão, tem uma excepção... para a polifonia. Por isso se
optarem além do canto, não se virem para os Jesuítas de St. Louis,
abracem Palestrina em vez disso.
A vossa paróquia Novus Ordo não dá
ao canto Gregoriano o primeiro lugar entre os outros? Se não dá, não
estão a ser fiéis ao Concílio. Isto pode irritar alguns mornos, mas eu
não vejo volta a dar. O canto é judaico e tem uma tradição de 2000 anos
na Igreja fundada pela Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. Se são
anti-canto Gregoriano, também são anti-Tradição... e anti-Vaticano II.
Temos que concordar com Platão que a música é muito importante na
formação das almas. Eu acredito que é essencial para os meus filhos
crecerem a ouvir um certo tipo de música na Santa Missa - a música
aprovada pelo magistério. Por amor aos vossos filhos e à sua formação,
vão a uma paróquia com música litúrgica que é dignum et justum.
São Gregório Magno, rogai por nós.
Santa Cecília, rogai por nós. by Taylor Marshall
A interpretação que o Taylor Marshall faz do trecho transcrito é, no mínimo, pouco inteligente.
ResponderEliminarIsto nada tem a ver com ser contra ou favor das missas em latim e do uso do canto gregoriano: acho lindamente os dois. Não tenho é a veleidade de querer educar os bispos que os não usam, nem de os querer relembrar de nada (ao contrário do autor).
Dizer que, na Sacrosanctum Concilium, a única excepção admissível ao uso do canto gregoriano é a polifonia é uma mentira. Desde logo, porque no texto se faz menção expressa de não excluir qualquer outro tipo de música sacra. Vou entender que a interpretação, que atribui à palavra "mormente" o significado de "unicamente", é erro derivado da ignorância da Língua Portuguesa e não de uma manipulação infiel e impertinente, que quer imputar ao Concílio uma vontade que aquele não exprimiu, trocando "principalmente" (=mormente) por "unicamente".
A alusão à "igualdade de circunstâncias" o que quer dizer? Seguramente não quer dizer que se podem usar todas as formas em pé de igualdade, é certo: ao canto gregoriano deve ser dado o "primeiro lugar". E agora? Deve entender-se aquela passagem do texto desprovida de sentido, para provar um ponto de vista que aprioristicamente adoptámos? Não. De todas as passagens deve o leitor retirar um sentido útil, sob pena de se estar a excluir um sentido que os Cardeias, em união com o Santo Padre, quiseram ali introduzir. Em "igualdade de circunstâncias" quererá, pois, dizer que se deve dar primazia ao canto gregoriano quando seja possível tê-lo. Quando não seja, pode optar-se por outros tipos de música sacra, principalmente a polifonia.
Não faço ideia de quem são os jesuitas de St. Louis. Sei que são padres e que, por conseguinte, merecem alguma reverência na forma de falar acerca deles. (não pretendo dizer que gosto das missas cheias de música "profana"; pretendo só explicar que o autor do texto é, para além de tudo, impertinente).
Não sei quem é o Dr. Taylor Marshall. Acho lindamente que eduque os filhos da forma como faz. Acho é excessivo querer educar os demais membros da Igreja, com fundamento numa interpretação mentirosa e abusiva de um texto conciliar. Note-se que não estou a discursar contra o bem da correcção fraterna. Mas a correcção fraterna não passa por desdenhar os irmãos (neste caso, os Jesuitas), nem por ter a displicência de insinuar que os Bispos são desobedientes à disposição conciliar por acharem que o canto gregoriano é estranho ao ouvido.
Por todas estas razões, acho que um blogue católico não devia publicar este género de posts. É uma opinião. Espero que o convença, mas que perceba que não quero impo-la de modo nenhum.
PS: a parte do testemunho pessoal, quando não tenta preverter a Sacrosantum Concilium, é muito bonita. É o testemunho comovido de um homem que educa a sua família na experiência da Igreja e que vê, na vida da sua família, nascerem os frutos da Graça.
Caro anónimo!
ResponderEliminarO seu comentário é muito interessante e bem construído.
Parece que discorda de muitas coisas do texto, no entanto, parece-me que só discorda de uma coisa verdadeiramente, que é a questão da música sacra.
As outras críticas que faz não me parecem que se possam aplicar aqui.
Vejamos.
1.
Disse que ele teve "a displicência de insinuar que os Bispos são desobedientes à disposição conciliar por acharem que o canto gregoriano é estranho ao ouvido."
Não vejo onde ele diz isso, porque também ele acha o canto gregoriano estranho aos ouvidos. Mais ainda, ele diz que até para S. Tomás este canto era estranho!
É precisamente esse o ponto do texto.
2. Refere também que os jesuítas "merecem alguma reverência na forma de falar acerca deles".
Estou totalmente de acordo. Mas acho que o próprio Taylor Marshall também está!
Aliás, se há quem tenha verdadeira reverência pelos sacerdotes são estas pessoas que percebem todo o valor da tradição da Igreja!
Onde é que ele mostra ter "desdenhado os irmãos"?
Que eu saiba ele só mostra desdenhar no artigo a música que usam para a Missa.
3.
Sobre a polifonia. Sim, concordo perfeitamente com o que diz.
Não percebo porque é que o Taylor Marshall refere que só a polifonia é excepção ao canto gregoriano.
No entanto, que outro tipo de música sacra na história da música conhece para além destes dois?
Que eu veja só as Missas de Mozart, Bach e Beethoven, entre outros.
Caro Nuno, tem razão.
ResponderEliminarNaturalmente, só discordo da asserção de que a música sacra e a polifónica são as únicas admissíveis. O resto do texto ou é uma parte muito interessante de testemunho (como já tinha dito), ou são impertinências. Como é óbvio, não posso discordar de um testemunho acerca da vida de uma família que não conheço (e que, volto a repetir, é uma beleza), e as impertinências não são objecto de concordância ou discordância, pelo simples facto de não serem fundamentadas em qualquer espécie de argumento. Por isto, é evidente que só posso discordar daquela parte. O resto do que escrevi são meras críticas, que mais se prendem com a forma do que com a substância do texto.
1-É evidente que o ponto do autor é que o Canto Gregoriano é estranho ao ouvido, tal como sempre foi. A minha crítica não se prendeu nesse aspecto. Quando ele diz, citando Mosebach: "O que os bispos esqueceram foi que esta música soou estranho mesmo aos ouvidos de Carlos Magno e de Tomás de Aquino, Monteverdi e Haydn", o que é que quer dizer com isto? Quer dizer somente que os Bispos que deixaram de querer usar o Canto Gregoriano, deixaram de o fazer porque se esqueceram de que esse canto soa sempre estranhamente. Ou seja, que os Bispos não obedecem à disposição conciliar apenas por o Canto soar estranhamente e por não perceberem que é suposto ser estranho. Foi o que eu disse. Portanto, o seu argumento, quanto a este ponto, não colhe.
2-"O cântico da Igreja é trascendental. Esse é o ponto. Porque é que alguns Jesuítas pensaram que podiam substituir o cântico com músicas que soam a números rejeitados de musicais da broadway?" e "Por isso se optarem além do canto, não se virem para os Jesuítas de St. Louis, abracem Palestrina em vez disso."
Interpretei isto como desdenhar dos Jesuitas. O Nuno diz que nem pensar, que isto é desdenhar apenas das músicas que adoptam para a Missa. Bondade sua para com o autor, eu acho, mas estou disposto a reconhecer que a minha crítica tenha sido, talvez, demasiado dura neste aspecto.
Ainda bem que, na questão principal, concorda comigo. De resto, esse é o único ponto de debate que interessa (como disse: o resto são questões de forma). Por isso mesmo é que acho que este género de textos não pode ter lugar num blog católico. Preverter o sentido de disposições de Constituições Conciliares não me parece próprio de sítios que se propõem ser católicos.
Quando se usa o adjectivo "sacro/a" para alguma coisa, faz-se imediatamente uma exclusão de tudo o que se não enquadre nesse âmbito. Logo, as músicas usadas sejam por quem for (jesuítas ou outros) que sejam inspiradas em sonoridades profanas, ainda que tenham belas letras e muito meditativas, não são para uso em espaço celebrativo litúrgico. Parece-me que é isto que o Dr. Taylor Marshal quer enfatizar com a contraposição gregoriano vs música profana dos jesuítas.
ResponderEliminarO trexo da Sacrosanctum Concilium não é o único a dar a primazia ao canto gregoriano. E ele não pretende que esta primazia seja meramente honorária. A Igreja quando diz que ele deve ter o «primeiro lugar», afirma que ele deve ser o mais utilizado.
Evidentemente que há lugar - não a outros estilos musicais - mas a diversas formas de MÚSICA SACRA. A mesma Constituição no nº 37, referindo-se à diversidade dos povos, afirma que «a Igreja considera com benevolência tudo o que nos seus costumes não está indissoluvelmente ligado a superstições e erros; e, quando possível, conserva-o salvo e seguro, por vezes chegando a aceitá-lo na Liturgia, SE SE HARMONIZA COM O VERDADEIRO E AUTÊNTICO ESPÍRITO LITÚRGICO».
Esta última afirmação é a chave para avaliar qualquer introdução que se queira fazer em sede litúrgica: a harminia com o espírito da Liturgia.
Há outra consideração a fazer também a este propósito. A música sacra dá preponderância à melodia e despreza o ritmo.
No canto gregoriano o ritmo é inexistente: a voz humana flui harmoniosa e melódicamente ao sabor da oração que se canta. Na música profana o ritmo é importante e por vezes faz a totalidade da música, como vemos em algumas músicas rock contemporâneas.
Parece-me que esta pode ser uma boa chave de avalaiação para saber se uma música supostamente sacra é utilizável na liturgia: quanto mais ela der preponderância à melodia e menos ao ritmo, tanto mais se adequará. Depois há que fazer uma avaliação sempre dentro do Espírito da Liturgia e da Tradição da Igreja dentro do próprio rito.
Falou-se em dar lições a bispos e padres... Há um Cân. no Código de Direito Canónico que diz o seguinte: can. 212 §2. «os fiéis têm a faculdade de manifestar aos Pastores da Igreja as suas necessidades, principalmente espirituais, e os seus desejos». E ainda no can. 214 «os fiéis têm direito a prestar culto a Deus SEGUNDO AS NORMAS DO PRÓPRIO RITO aprovado pelos legítimos Pastores da Igreja».
Não se pode fazer o que entendemos na Litúrgia. Não podemos estar ao sabor dos tiranetes paroquais que mudam e alteram a liturgia ad libitum e acham que fazem um grande serviço à Igreja. É uma mentira! Este último cânone dá-nos o direito, em qualquer parte do mundo onde se use o rito ao qual pertencemos pelo baptismo, de participar na Liturgia e prestar culto a Deus de um modo uniforme, cumpridas as normas litúrgicas referentes a esse rito. Isto inclui também a música sacra, evidentemente.
Iacobus você falou de forma categórica!
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