O sentido do pudor desperta no homem à medida que vai descobrindo a sua própria intimidade. O respeito que cada pessoa tem que ter por si própria aprende-se, principalmente, na família. Neste editorial dão-se algumas sugestões.
O que é o pudor? À primeira vista, um sentimento de vergonha que leva a não manifestar aos outros algo da nossa intimidade. Para muitos, trata-se simplesmente de uma defesa mais ou menos espontânea contra a indecência, e não faltam aqueles que o confundem com puritanismo.
No entanto, esta concepção é limitada. É fácil apreciar isto quando consideramos que, onde não há personalidade nem intimidade, o pudor é supérfluo. Os animais carecem dele.
Além disso, não se estende apenas às coisas más ou indecentes; há também um pudor das coisas boas, uma vergonha natural em manifestar, por exemplo, os dons recebidos.
O pudor, considerado como sentimento, possui um valor inestimável, porque implica aperceber-se de que se possui uma intimidade e não uma mera existência pública; mas, além disso, há uma autêntica virtude do pudor que mergulha as suas raízes nesse sentimento, e que permite ao homem escolher quando e como manifestar o próprio ser às pessoas que o podem acolher e compreender como merece.
O valor da própria intimidade
O pudor possui um profundo valor antropológico, defende a intimidade do homem ou da mulher – a sua parte mais valiosa – para a poder revelar na medida adequada, no momento conveniente, do modo correto, no contexto propício.
De contrário, a pessoa fica exposta a maus-tratos ou, pelo menos, a não ser tomada com a consideração devida. Mesmo por parte de si própria, o pudor é necessário para atingir e conservar a própria auto-estima, aspecto essencial do amor ao próprio eu.
Pode dizer-se que «com o pudor o ser humano manifesta quase “instintivamente” a necessidade da afirmação e da aceitação desse “eu” de acordo com o seu justo valor» [1]. A falta de pudor manifesta que a intimidade própria se considera pouco original ou irrelevante, de modo que nada do que contém merece ser reservado para umas pessoas e não para outras.
A beleza do pudor
O termo “pudor” – quer o entendamos como sentimento quer como virtude – pode utilizar-se em diversos âmbitos. No seu sentido mais estrito refere-se à salvaguarda do corpo; num sentido mais amplo, abarca outros aspectos da intimidade – por exemplo, o de manifestar as próprias emoções; num e noutro caso, o pudor guarda, em última instância, o mistério da pessoa e do seu amor [2].
Como princípio geral, pode dizer-se que o pudor se orienta para que os outros reconheçam em nós o que temos de mais pessoal. No que se refere ao corpo, isso implica chamar a atenção para aquilo que pode comunicar o exclusivo e próprio de cada pessoa (o rosto, as mãos, o olhar, os gestos…). Nesta linha, o vestuário está ao serviço dessa capacidade de comunicação, e deve expressar a imagem que se tem de si mesmo e o respeito que se oferece aos outros. A elegância e o bom gosto, o asseio e o arranjo pessoal aparecem, assim, como as primeiras manifestações de pudor, que pede (e oferece) respeito àqueles que nos rodeiam. Pela mesma razão, a pouca virtude neste campo leva com facilidade à grosseria e ao descuido no arranjo pessoal. Em diferentes ocasiões, o prelado do Opus Dei exortou a «viver e defender o pudor, contribuindo para criar e difundir uma moda que respeite a dignidade, protestando perante imposições que não respeitem os valores de uma beleza autêntica» [3].
Algo semelhante sucede com o aspecto mais espiritual; esta virtude põe ordem no nosso interior, em conformidade com a dignidade das pessoas e com os laços que existem entre elas [4]. Ter consideração pela intimidade, própria e alheia, permite dar-se a conhecer na justa medida nos diversos contextos de doação ou de respeito em que nos movemos. Deste modo, humanizam-se as relações pessoais porque cada uma adquire matizes distintos; isto não só torna a própria personalidade mais atrativa, mas também à medida que se vão compartilhando esferas de intimidade, permite a alegria da verdadeira amizade.
Na educação no pudor, portanto, é imprescindível aperceber-se do sentido eminentemente positivo desta virtude. «O pudor, elemento fundamental da personalidade, pode considerar-se – no plano educativo – como a consciência vigilante na defesa da dignidade do homem e do amor autêntico» [5]. Quando se explica o sentido profundo do pudor – salvaguardar a intimidade própria, para poder oferecê-la a quem verdadeiramente a pode apreciar – é mais fácil aceitar e interiorizar as suas consequências práticas. A meta, então, não se coloca tanto em que os jovens vivam determinados critérios de conduta neste terreno, mas em que o apreciem e assumam como algo que está na raiz da estrutura do ser pessoal.
Como bem sabemos, o bom exemplo é sempre um elemento essencial no trabalho educativo. Se os pais – e outras pessoas mas velhas que possam viver no lar, como os avós – sabem tratar-se com modéstia, os filhos compreendem que essas manifestações de delicadeza e pudor expressam a dignidade dos diversos componentes da família. Por exemplo, os pais podem e devem manifestar o carinho que se têm diante dos filhos, mas sabendo reservar certas efusões para os momentos de intimidade. Neste sentido, S. Josemaria recordava o ambiente do lar que os seus pais tinham criado: E nem sequer faltas de discrição: apenas algum beijo. Tende pudor diante dos filhos [6]. Não se trata de envolver o amor numa máscara de frieza, mas de mostrar aos filhos a necessidade da elegância no convívio, que é alheia à afetação.
Não acabam aqui, no entanto, as manifestações de um são pudor. A confiança que se dá numa família é compatível com saber estar em casa de um modo coerente com a dignidade própria. Um relaxamento nas posturas ou no vestir, como usar muito a bata ou trocar de roupa diante dos filhos, acaba por rebaixar o tom humano de um lar e convidar ao descuido. Especial atenção se deve ter nas temporadas de calor, pois o clima, os tecidos mais ligeiros e, talvez, o facto de se estar em férias, abrem a porta ao descuido. Certamente, cada momento e lugar requer vestir de um modo adequado, mas sempre se pode manter o decoro. Pode suceder que este modo de proceder, por vezes, contraste com o clima geral, mas por isso é necessário que seja tal a vossa formação, que saibais levar convosco, com naturalidade, o vosso próprio ambiente, para dar o “vosso tom” à sociedade em que viveis [7].
Se o pudor se relaciona, sobretudo, com a manifestação da intimidade, é lógico que a sua educação deva abarcar o campo dos pensamentos, sentimentos ou intenções. Por isso, o exemplo no lar deve estender-se ao modo como se trata a intimidade própria e a dos outros. Por exemplo, é pouco educativo que as conversas familiares tratem de confidências alheias, ou alimentem bisbilhotices. Juntamente com as possíveis faltas de justiça que um comportamento desses pode implicar, este tipo de comentários leva a que os filhos se considerem com direito a intrometer-se na intimidade de outros.
De modo análogo, é também importante velar pelo que entra em casa através dos meios de comunicação. No tema que nos ocupa, o obstáculo principal não é só o indecente; isso, é claro, deve evitar-se sempre. Mas é mais obscura a forma como alguns programas de televisão ou revistas fazem comércio e espectáculo com a vida das pessoas. Por vezes, de um modo invasivo, que atenta contra a ética da profissão jornalística; outras vezes, são os próprios protagonistas que agem imoralmente e se dedicam a satisfazer curiosidades frívolas ou mesmo mórbidas. Os pais cristãos hão-de pôr os meios para que este “tráfico da intimidade” não entre no lar. E explicar os motivos desse proceder: o respeito e o direito à legítima decisão de uma pessoa ser ela mesma, de não se exibir, a conservar em justa e íntima reserva as suas alegrias, as suas penas e dores de [8]. A desculpa que costuma apresentar-se nesse tipo de programas, o direito à informação ou o consentimento dos que neles participam, tem os seus limites: os que derivam da dignidade da pessoa. Nunca é moral danificá-la injustamente, ainda que o seja o próprio interessado a fazê-lo.
O sentido do pudor desperta no homem à medida que vai descobrindo a sua própria intimidade. As crianças pequenas, pelo contrário, com frequência deixam-se dominar pela sensação do momento; por isso, num ambiente de confiança ou de brincadeira, não é difícil que descuidem o pudor, talvez mesmo sem uma particular consciência. Por isso, durante a primeira infância, o trabalho educativo há-de centrar-se em consolidar hábitos que mais adiante facilitarão o desenvolvimento desta virtude. Convém, por exemplo, que aprendam rapidamente a lavar-se e a vestir-se por si próprios. E, antes de terem conseguido este objectivo, deve-se procurar que nesses momentos a criança não esteja à vista dos seus irmãos. Também, enquanto for possível, hão-de exercitar-se em fechar a porta do seu quarto quando mudam de roupa, e a trancar a porta quando vão à casa de banho.
São coisas de sentido comum, que talvez tenhamos esquecido numa sociedade de costumes um tanto naturalistas, e que têm como fim ir formando na criança hábitos racionalmente assumidos, que no dia de amanhã facilitarão as autênticas virtudes. Por isso, se nalguma ocasião a criança se apresenta ou corre pela casa esquecendo-se do pudor, não há que dramatizar, mas também não achar graça – isso deixa-se para quando ele não esteja presente. Convém, pelo contrário, corrigir com carinho, e esclarecer que não se comportou bem. Em questões de educação, tudo tem importância, embora haja coisas que em si mesmas pareçam intranscendentes ou que nessas idades nada significam.
Ao mesmo tempo, as crianças devem ir aprendendo a respeitar a intimidade dos outros; nascem egocêntricos, e só pouco a pouco vão “descobrindo” que os outros não vivem para eles, e merecem ser tratados como a eles lhes agradaria. Este avanço gradual pode concretizar-se em múltiplos detalhes; ensinar-lhes a bater à porta – e, logicamente, a esperar a resposta – antes de entrar num quarto; ou explicar-lhes que devem sair de um quarto quando se lhes pede para que o façam, porque os adultos querem falar a sós. Dever-se-á também que conter o seu ímpeto de explorar – próprio destas idades precoces – armários e outras coisas pessoais dos habitantes do lar. Vão-se, assim, acostumando a valorizar a esfera privada dos outros e, ao mesmo tempo, a descobrir a própria. E assentam-se as bases para que, quando crescerem, sejam capazes não só de respeitar as pessoas pelo que são – filhos de Deus – mas também de possuírem eles próprios esse bom pudor que reserva as coisas profundas da alma à intimidade entre o homem e o seu Pai Deus, entre a criança que há-de procurar ser todo o cristão e a Mãe que o aperta sempre nos seus braços [9].
J. De la Vega in opusdei.pt
[1] Cfr. João Paulo II, Audiência Geral, 19-XII-1979.
[2] Cfr. Catecismo da Igreja Católica, n. 2522.
[3] D. Javier Echevarría, Encontro público de catequese em Las Palmas da Grande Canária, 7-II-2004.
[4] Cfr. Catecismo da Igreja Católica, n. 2521.
[5] Congregação para a Educação Católica, Orientações educativas sobre o amor humano, n. 90.
[6] Pregação oral de S. Josemaria, recolhida por Salvador Bernal em “Mons. Josemaría Escrivá de Balaguer”, ed. Rialp, Madrid, p. 19.
[7] Caminho, n. 376.
[8] Cristo que passa, n. 69.
[9] S. Josemaria, Artigo La Virgen del Pilar em “El libro de Aragón”, CAMP, Zaragoza 1976.
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