quarta-feira, 6 de abril de 2016

Quem pode receber a Comunhão? - Cardeal Muller

No próximo dia 8 de Abril vai ser lançada a nova Exortação Apostólica do Papa Francisco sobre a família. Chama-se Amoris Lætitia (A Alegria do Amor). É o documento que o Papa escreveu no seguimento do duplo sínodo do Vaticano, nos últimos dois anos. O blog Senza tem uma secção só sobre o Sínodo da Família, que vale a pena consultar.

O Cardeal Muller, Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, que já leu a exortação, publicou a semana passada um pequeno livro com comentários a muitos dos temas tratados na nova exortação. Deixamos aqui um dos excertos.
"O Papa Francisco diz na Evangelii Gaudium (no. 47) que a Eucaristia "não é um prémio para os perfeitos, mas um poderoso medicamento e alimento para os fracos." Vale a pena analisar esta frase em profundidade, para que não se confunda o seu significado. 
Em primeiro lugar, deve-se dizer que esta frase expressa a primazia da graça: a conversão não é um acto autónomo do homem, mas é, em si mesmo, uma acção da graça. Ainda assim, não se pode deduzir daqui que a conversão é uma resposta externa de gratidão ao que Deus fez comigo só por Si, sem mim. Nem posso concluir que qualquer pessoa se possa aproximar para receber a Eucaristia, mesmo sem estar em estado de graça com as disposições apropriadas, só porque é alimento para os fracos. 
Primeiro de tudo temos de nos perguntar a nós mesmos: o que é a conversão? É um acto livre do homem e, ao mesmo tempo, é um acto motivado pela graça de Deus, que vem sempre antes dos actos dos homens. É por isso que é um acto integral, incompreensível se a acção de Deus for separada da acção do homem. (...)
No sacramento da penitência, por exemplo, uma pessoa vê claramente a necessidade de uma resposta livre por parte do penitente, expressa na contrição do coração, na resolução para se corrigir, na confissão dos pecados, no acto de penitência. É por isso que a teologia Católica nega que Deus faz tudo e que o homem é um mero receptor das graças divinas. A conversão é uma nova vida que nos é dada pela graça, mas ao mesmo tempo é também uma tarefa que nos é oferecida se perseverarmos na graça. (...) 
Há apenas dois sacramentos que dão o estado de graça: o baptismo e o sacramento da reconciliação. Quando alguém perder a graça santificante, precisa do sacramento da reconciliação para recuperar este estado, não por seu próprio mérito, mas como um dom, um dom que Deus lhe oferece na forma sacramental. O acesso à comunhão eucarística certamente pressupõe a vida da graça, pressupõe comunhão no corpo eclesial, e também pressupõe uma vida ordenada a acompanhar o corpo eclesial, para que se possa dizer "Amen." São Paulo insiste no facto de que aquele que come o corpo e bebe o sangue do Senhor indignamente será culpado do corpo e do sangue do Senhor (1 Cor 11, 27). 
Sto. Agostinho afirma que "aquele que te criou sem ti não te vai salvar sem ti" (Sermão 169). Deus pede a minha colaboração. Uma colaboração que é também um dom, mas que implica que eu aceite este dom. 
Se as coisas fossem diferentes, cairíamos na tentação de conceber a vida Cristã como se fossem realidades automáticas. O perdão, por exemplo, tornar-se-ia algo mecânico, quase uma exigência, e não uma questão que também depende de mim, visto que tenho que o reconhecer. Iria então à comunhão sem o requerido estado de graça e sem me aproximar do sacramento da reconciliação. Tomaria tudo como dado, sem haver qualquer prova disso na Palavra de Deus, de que o perdão dos meus pecados me foi dado privadamente através da própria comunhão. Mas esta é uma concepção errada de Deus, é tentar a Deus. E também traz consigo uma concepção falsa do homem, com uma subvaloração do que Deus pode fazer dentro dele."

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