segunda-feira, 6 de junho de 2016

Cardeal Patriarca de Lisboa sobre a Amoris Lætitia - Oficial

Em linha com o que outros Bispos fizeram pelo mundo inteiro, o Cardeal Patriarca fez um pequeno comunicado sobre a Exortação do Papa Francisco sobre as famílias, Amoris Lætitia (AL).

O Senza recomenda a leitura integral do documento, que podem encontrar aqui:

Transcrevemos em baixo parte do documento, que se refere ao tão polémico acesso à Comunhão dos divorciados re-casados.
Os negritos são responsabilidade do blog Senza.

Uma leitura breve

Do muito que a presente exortação refere, sublinho apenas quatro pontos: 1) a análise da situação; 2) a pastoral do vínculo; 3) o sujeito principal da pastoral familiar; 4) a lógica da integração. Vários outros merecem ser ponderados, como o que se refere à vida e à fecundidade, o direito inquestionável dos pais no respeitante à educação dos filhos, o diálogo e acompanhamento intergeracional, a pedagogia sacramental do matrimónio, etc.   

(...)

«Acolho as considerações de muitos Padres sinodais que quiseram afirmar que “os batizados que se divorciaram e voltaram a casar civilmente devem ser mais integrados na comunidade cristã sob as diferentes formas possíveis, evitando toda a ocasião de escândalo” (Relatio Finalis 2015, 84)» (AL, 299). Como é sabido, este ponto teve referência prioritária nos media, como já a tivera antes e durante as assembleias sinodais. 

Se tivermos bem presentes duas exortações apostólicas pós-sinodais anterioresFamiliaris Consortio, nº 84, de João Paulo II, e Sacramentum Caritatis, nº 29, de Bento XVI – nem esta nem outras afirmações decorrentes nos trazem novidade substancial: discernimento das situações e das responsabilidades, distinção entre objetivo e subjetivo, gradualidade, participação na vida comunitária, de tudo isto nos dão conta os textos dos Papas Wojtyla e Ratzinger. Entretanto, a integração de todos e tanto quanto possa ser é uma das insistências maiores do atual pontificado, em grande correspondência à misericórdia divina e aos dramas duma sociedade tão desintegrada como a atual. Daqui a insistência do Papa Francisco, em relação a estas situações: «A lógica da integração é a chave do seu acompanhamento pastoral […]. São batizados, são irmãos e irmãs, o Espírito Santo derrama neles dons e carismas para o bem de todos. A sua participação pode exprimir-se em diferentes serviços eclesiais, sendo necessário, por isso, discernir quais as diferentes formas de exclusão atualmente praticadas em âmbito litúrgico, pastoral, educativo e institucional possam ser superadas” (Relatio Finalis 2015, 84)» (AL, 299). Reparemos que, neste elenco das exclusões a rever, não se mencionam as sacramentais. 

Na verdade, o Papa não dá novas normas, antes reforça as exigências de discernimento já indicadas pelos seus antecessores: «… é compreensível que se não devia esperar do Sínodo ou desta Exortação uma nova normativa geral de tipo canónico, aplicável a todos os casos. É possível apenas um novo encorajamento e um responsável discernimento pessoal e pastoral dos casos particulares, que deveria reconhecer: uma vez que “o grau de responsabilidade não é igual em todos os casos” (Relatio Finalis 2015, 84), as consequências ou efeitos duma norma não devem necessariamente ser sempre os mesmos. Os sacerdotes têm o dever de “acompanhar as pessoas interessadas pelo caminho do discernimento segundo a doutrina da Igreja e as orientações do bispo” (Ibidem, 85)» (AL, 300). 

Evitando qualquer arbitrariedade no acompanhamento pastoral dos casos concretos, em que hão de prevalecer «a humildade, a privacidade, o amor à Igreja e à sua doutrina, a busca sincera da vontade de Deus». Na verdade, «estas atitudes são fundamentais para evitar o grave risco de mensagens equivocadas, como a ideia de que algum sacerdote pode conceder rapidamente “exceções”, ou de que há pessoas que podem obter privilégios sacramentais em troca de favores» (AL, 300).

O Papa Francisco retoma a já conhecida distinção entre objetividade e subjetividade, nos seguintes termos: «Por causa dos condicionalismos ou dos fatores atenuantes, é possível que uma pessoa, no meio duma situação objetiva de pecado – mas [que] subjetivamente não seja culpável ou não o seja plenamente -, possa viver em graça de Deus, possa amar e possa também crescer na vida de graça e de caridade, recebendo para isso a ajuda da Igreja» (AL, 305). E especifica na nota 351: «Em certos casos, poderia haver também a ajuda dos sacramentos. Por isso “aos sacerdotes, lembro que o confessionário não deve ser uma câmara de tortura, mas o lugar da misericórdia do Senhor” (Evangelii gaudium, 44). E de igual modo assinalo que a Eucaristia “não é um prémio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os fracos” (Ibidem, 47)».    

Para compreendermos melhor o que possa acontecer no âmbito da Penitência e da Eucaristia – certamente mais vasto do que a absolvição e a comunhão propriamente ditas – atendamos, para já, ao recente conselho do Papa: «Tenho de dizer aos confessores: falem, ouçam pacientemente e acima de tudo digam às pessoas que Deus quer o seu bem. E se o confessor não pode absolver, que explique porquê, mas que não deixe de dar uma bênção, mesmo sem absolvição sacramental. O amor de Deus também existe para quem não está disponível para receber o sacramento» (Francisco, O nome de Deus é Misericórdia, Lisboa, Planeta, 2015, p. 33). Sem esquecer a possibilidade já prevista de acesso aos sacramentos por parte de recasados plenamente continentes, ou a crescente verificação da validade ou nulidade dos matrimónios, cumprindo as determinações do Código de Direito Canónico e do Motu Proprio Mitis Iudex Dominus Iesus, de 15 de agosto de 2015.    

Concluindo: A intenção prevalecente do Papa Francisco é propor o matrimónio cristão, realmente possível com a graça divina: «Para evitar qualquer interpretação tendenciosa, lembro que, de modo algum, deve a Igreja renunciar a propor o ideal pleno do matrimónio, o projeto de Deus em toda a sua grandeza: “É preciso encorajar os jovens batizados para não hesitarem perante a riqueza que o sacramento do Matrimónio oferece aos seus projetos de amor, com a força do apoio que recebem da graça de Cristo e da possibilidade de participar plenamente da vida da Igreja” (Relatio Synodi 2014, 26). […] Hoje, mais importante do que uma pastoral dos falhanços é o esforço pastoral para consolidar os matrimónios e assim evitar as ruturas» (AL, 307).  

+ Manuel Clemente

Reunião de Vigários do Patriarcado de Lisboa, 19 de abril de 2016

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