A Carta de Paix Liturgique - Carta 97 de 25 Agosto 2019
Na anterior carta (96) apresentámos a situação da missa tradicional no mundo actual. Depois de termos sobrevoado os países do planeta onde se celebra regularmente a missa tradicional e constatado que, hoje em dia, ela está presente em mais de 80 países – sem contar as regiões dependentes de uma metrópole, como é o caso da Martinica ou da Nova Caledónia em relação à França, ou de Porto Rico para os Estados Unidos –, vamos hoje tratar da segunda página deste nosso inquérito de 2018, debruçando-nos desta feita sobre o número de sacerdotes que, em todo o mundo, celebram a missa tradicional. Fá-lo-emos, também desta vez, à conversa com Christian Marquant, que apresentou estas suas reflexões durante as quintas jornadas Summorum Pontificum, em Roma, a 29 de Outubro de 2018.
Paix Liturgique – Dispomos de uma ideia de quantos são os sacerdotes que celebram a missa tradicional no mundo inteiro?
Christian Marquant – Este é um tema ainda mais difícil de tratar do que o dos lugares do mundo em que se celebra a missa tradicional, e mesmo considerando apenas os sacerdotes associados a institutos tradicionais. Além disso, para este inquérito, apenas tivemos à disposição estatísticas algo flutuantes ou incompletas, além de informações muito superficiais no que respeita aos sacerdotes diocesanos, que, geralmente, não desejam fazer publicidade da sua ligação ao usus antiquior. É por isso que, da mesma maneira que já o havia feito para a primeira parte deste inquérito, quero agradecer desde já a todos quantos nos queiram ajudar a corrigir e melhorar estas informações.
Paix Liturgique – Mas, no que toca à Fraternidade São Pio X, dispomos de dados bastante precisos, não é verdade?
Christian Marquant – De facto, trata-se de uma instituição que publica estatísticas bastante exactas (1). Segundo tais dados, os sacerdotes ligados à FSSPX seriam cerca de 660 a finais de 2018. Já é mais difícil precisar o número de sacerdotes pertencentes aos grupos religiosos associados à FSSPX, como os capuchinhos de Morgon, os beneditinos de Bellaigue, a Fraternidadde da Transfiguração e muitos outros, dos quais se conhece a existência, mas nem sempre o número de sacerdotes. Com alguma prudência, poderíamos contudo avançar o número de 50 para os sacerdotes "aliados" à FSSPX. Mas a este grupo de cerca de 710 sacerdotes, há ainda que acrescentar os sacerdotes da assim dita "Resistência", que, pese embora já não pertencerem à FSSPX, continuam ainda a gravitar dentro do mesmo universo. Para estes, o número de 50 também parece ser a cifra razoável. Assim, parace ser correcto afirmar que o conjunto deste grupo reúne hoje um total de cerca de 760 sacerdotes.
Paix Liturgique – E no que respeita às comunidades que hoje chamamos "Ecclesia Dei"?
Christian Marquant – Também neste caso, há alguns elementos de fácil acesso, enquanto outros o são menos. De facto, se os grandes institutos "Ecclesia Dei" fornecem dados de bom grado, há outros grupos cujos números são mais difíceis de conhecer.
Por conseguinte, sabemos que a Fraternidade São Pedro juntava mais de 300 sacerdotes a finais de 2018, o Instituto de Cristo Rei contava com 112, o Insituto do Bom Pastor tinha 45 e a Administração São João Maria Vianney, 35. Isto dá-nos um primeiro total de 500 sacerdotes. Se estimarmos que o resto dos sacerdotes da nebulosa ED será de uma centena, número que creio ser avisado, teríamos então um total de cerca de 600 sacerdotes neste sector.
Paix Liturgique – Neste cálculo, já incluiu os religiosos tradicionais?
Christian Marquant – Os institutos "Ecclesia Dei" reentram, de facto, na categoria dos sacerdotes não diocesanos, isto é, o mesmo grupo que abrange as sociedades de vida apostólica e, claro, os "religiosos". Mas a sua questão visa, segundo creio, os mosteiros e, em especial, os beneditinos ligados à forma tradicional como os de Fontgombault, Clear Creek ou Norcia (e tantos outros!), que são de fundação anterior a 1988 (ou que são responsáveis por comunidades tradicionais criadas antes ou após essa data: penso, em particular, no caso de Riaumont), e que sempre ficaram independentes da ex-Comissão "Ecclesia Dei", excepto no que respeita à regulação de questões litúrgicas. Não será irrazoável estinar que possam reunir cerca de 130 sacerdotes em todo o mundo. Assim, o sector "oficial", reunindo os sacerdotes das comunidades ED e os religiosos de liturgia tradicional, contaria com cerca de 750 sacerdotes (600 ED 130 religiosos não ED).
Paix Liturgique – Estima então que o conjunto total do universo tradicional abrange 1.400 sacerdotes?
Christian Marquant – Sim, falando apenas de sacerdotes pertencentes a institutos "especializados" na missa tradicional e já não de sacerdotes diocesanos que também a celebrem. De facto, juntando os 760 sacerdotes do universo da FSSPX e os 730 do universo tradicional "oficial", chegamos a um total de quase 1.500 sacerdotes. E terá notado também que as duas "famílias" tradicionais reúnem hoje cada uma um número de sacerdotes equivalente.
Paix Liturgique – Acha que isso tem um significado especial?
Christian Marquant – O significado mais evidente é o da notável vitalidade demonstrada pelo mundo tradicional. Ela parece aliás muito considerável, se, pelo menos no Ocidente, compararmos a "fecundidade" do mundo da forma extraordinária com o da forma ordinária. "Fecundidade" que vai aqui entendida como relação entre o número de fiéis que praticam a liturgia e o número de sacerdotes que eles "engendram". No Ocidente, esta "taxa de fecundidade" é dramaticamente fraca no âmbito da forma ordinária, ao passo que, na forma extraordinária, ela se mantém muito parecida aos números de antes do Concílio. Em França, segundo as estimativas mais baixas: 1% dos lugares de culto franceses estão dedicados ao culto tradicional; o número dos praticantes é de, pelo menos, 5% do conjunto total dos católicos praticantes, mas com uma idade média consideravelmente mais baixa do que a média geral; e, todos os anos, eles "geram" entre 15 e 20% dos sacerdotes do universo assimilável ao dos sacerdotes diocesanos (em 2017: 22 ordenações sacerdotais para a missa tradicional e 84 para a missa nova).
Observa-se, além disso, que a dinâmica da FSSPX não afrouxou desde 1988 – data da criação da Comissão "Ecclesia Dei" e da erecção dos primeiros institutos ED. Já no que respeita ao desenvolvimento destes institutos ED e quejandos, ele tem vindo a crescer sem interrupção. Nota-se, assim, que não apenas ninguém se ressentiu da "concorrência", mas tudo se passou como se o desenvolvimento de uma "oferta" mais diversificada tivesse vindo incrementar a "procura", isto é, como se ela tivesse vindo estimular a manifestação das vocações. Perdoar-me-á o emprego desta terminologia algo trivial, quando estamos a tratar de uma realidade sobrenatural, o chamamento do Senhor, mas este incarna-se, como sucede com todas as coisas da Igreja, numa realidade de ordem sociológica.
Paix Liturgique – Seja como for, não é seu propósito reduzir o número dos sacerdotes ligados à liturgia tradicional aos institutos "especializados", não é assim?
Christian Marquant – Em absoluto. Bem pelo contrário, faço questão de insistir sobre o facto de que o nosso inquérito vem mostrar que, ao lado dos sacerdotes pertencentes aos instiutos tradicionais, existe um número considerável, e em franco crescimento, de sacerdotes diocesanos e religiosos que estão muito ligados à missa tradicional, que conhecem e celebram.
Paix Liturgique – Como se poderia radiografar numericamente esse universo?
Christian Marquant – Eis-nos aqui diante do busílis da dificuldade da nossa pesquisa. Ainda assim, não é impossível obter uma certa clareza, ainda que se possa não atingir uma visão precisa. Para este esforço, dispomos de várias pistas cruzadas:
A – Os celebrantes das missas Summorum Pontificum nas dioceses;
B – Os sacerdotes membros de associações sacerdotais;
C – Os sacerdotes que aprenderam a celebrar a missa tradicional;
D – Os numerosos contactos que a Paix Liturgique entabulou no terreno.
Paix Liturgique – O que entende por celebrantes das missas Summorum Pontificum?
Christian Marquant – O maior número das missas celebradas segundo o usus antiquior ao abrigo do motu proprio Summorum Pontificum não o são por sacerdotes "Ecclesia Dei", mas sim por sacerdotes diocesanos ou por religiosos que não pertencem a qualquer dos institutos tradicionais.
A título de exemplo, remeto-o para a nossa entrevista a Marco Sgroi (carta 680, em francês, de 29 de Janeiro de 2018), onde precisamente se indicou que, em Itália, 83% das missas SP são celebradas por diocesanos, o que nos diz muito sobre o aspecto escondido da tradição. Ora, como justamente refere Marco Sgroi, se, num primeiro tempo, eram muito numerosos os sacerdotes que tinham a seu cargo as celebrações sem o desejarem, ou que até aceitavam este encargo com o fito de torpedear a emergência das comunidades de fiéis, um tal fenómeno é hoje apenas marginal: os sacerdotes que dizem a missa tradicional fazem-no de muito bom grado.
E isto, podemos observá-lo em quase todas as regiões atingidas pelo fenómeno SP.
Podemos estimar que estes sacerdotes são mais de 200 em Itália, mais de 250 em França, mais de 150 na Inglaterra, etc.
Paix Liturgique – E o que entende por sociedades sacerdotais?
Christian Marquant – Penso, no caso francês, no Opus Sacerdotal, que, desde há muito tempo, reúne sacerdotes, sobretudo diocesanos, e a maioria associada à missa tradicional, aproveitando desta associação para revigorarem a vivência tradicional por ocasião de retiros ou de sessões diversas. No caso de Itália, posso também citar a Amicizia Sacerdotale Summorum Pontificum.
Os nossos contactos com estas associações ou com outros grupos mais discretos são para nós fonte de um segundo índice do número dos sacerdotes ligados em determinada região à missa tradicional, mesmo sendo evidente que esta segunda pista se entrecruza em grande medida com a primeira.
Paix Liturgique – Evocou também o caso dos sacerdotes não tradicionais que desejam e aprendem a celebrar a missa tradicional...
Christian Marquant – Com efeito. Trata-se de um fenómeno conhecido, mesmo sendo certo que as casas ligadas à FSSPX ou ao mundo tradicional "oficial" , que ajudam a esse processo, agem com toda a discrição. Mesmo assim, sabemos que, desde o motu proprio de 2007, vários milhares de sacerdotes seguiram este tipo de formação. Sabemos de uma casa nos Estados Unidos que declara ter ensinado a celebração do usus antiquior a mais de 1.000 sacerdotes americanos.
Paix Liturgique – Falou ainda de certos contactos de que dispõem?
Christian Marquant – Também temos contactos directos com sacerdotes europeus e outros contactos indirectos com amigos estrangeiros. Posso afirmar que ainda há hoje em dia muitos sacerdotes que não se sentem livres de anunciar a sua ligação à missa tradicional nas suas paróquias ou nas dioceses. Continuam a temer sanções ou, em todo o caso, aborrecimentos vários. Há ainda um número não negligenciável de sacerdotes "dissidentes", se me é permitido empregar esta analogia forte, cujas preferências litúrgicas são ignoradas pelos demais sacerdotes que os rodeiam, e eles vivem-nas no segredo!
Paix Liturgique – Conseguiria fazer-nos uma síntese a partir destas várias pistas de pesquisa?
Christian Marquant – É difícil. Vou limitar-me a fornecer um número, o mínimo, de 3.000 sacerdotes que no mundo inteiro estão hoje ligados ao usus antiquior, conquanto pense que eles ultrapassam os 5.000. O nosso "Balanço 2019", que publicaremos em Dezembro próximo, poderá demonstrá-lo sem qualquer dúvida.
Paix Liturgique – Mas este número de 3.000 é já muito importante!
Christian Marquant – E são números que avanço com prudência. Uma coisa é certa: se o universo tradicional organizado é essencial para a existência da liturgia tradicional, o dos sacerdotes, tanto seculares como religiosos, e estejam ou não visivelmente ligados ao usus antiquior, representa já um grupo considerável, pelo menos duas vez mais numeroso do que o universo de sacerdotes claramente indentificáveis dos universos FSSPX e ED. Estes últimos têm sido e continuam a ser os sustentáculos da liturgia tridentina, mantendo-a de modo habitual. Os outros representam o seu futuro, na perspectiva de um reerguer da Igreja, assim que a mesma saia da crise que agora a aflige.
Paix Liturgique – Mas qual o significado deste universo de sacerdotes se comparado com o conjunto de todos os sacerdotes da Igreja?
Christian Marquant – As últimas estatísticas atinentes ao número de sacerdotes fornecidas pelo Gabinete de estatísticas do Vaticano em 2018 (2) dizem respeito ao ano de 2016. Os números revelam que o conjunto dos sacerdotes latinos e orientais é de 414.467. Os nossos 4.500 sacerdotes ligados à missa tradicional (1.500 sacredotes "tradis" aos quais há que acrescer os 3.000 "diocesanos e regulares") representam por conseguinte, pelo menos, 1,1% do clero católico mundial (ou mais ainda, se apenas considerarmos os sacerdotes latinos, uma vez que se trata de uma liturgia latina, e mais ainda, se nos limitássemos a tomar em consideração os sacerdotes activos); 1,1% que poderia ter-se mantido ou tornado tridentino, o que está longe de ser ridículo, se levarmos em conta que esta identidade esteve por longo tempo interdita e ainda continua a ser largamente perseguida. E no entanto, ela está em manifesto crescimento...
(2) Annuaire statistique de l’Eglise 2016 , Libreria Editrice Vaticana , 2018, p. 80.
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