sexta-feira, 2 de agosto de 2024

Sobre a celebração da Santa Missa

1º. Importância do santo Sacrifício e cuidado que ele exige do padre

Todo o pontífice eleito dentre os homens é estabelecido a favor dos homens, para desempenhar as funções do culto divino, e oferecer dons e sacrifícios em expiação dos pecados. Oferecer sacrifícios, eis pois o fim para que Deus colocou o padre na sua Igreja; é propriamente a função dos sacerdotes da lei da graça, aos actuais foi dado o poder de oferecer o grande sacrifício do Corpo e Sangue do próprio Filho de Deus; sacrifício supremo e perfeito, infinitamente acima dos sacrifícios antigos, que outro mérito não tinha outrora senão o de serem desse a sombra e figura. As vítimas que então se imolavam eram novilhos e bodes; hoje a nossa Vítima é o Verbo eterno feito homem.

Por isso mesmo, os sacrifícios da lei antiga não tinham poder algum; também o apóstolo os chama observâncias defeituosas e incapazes; o nosso, ao contrário, tem o poder de operar a remissão das penas temporais devidas ao pecado, e além disso - ao menos mediatamente, - de aumentar a graça e obter socorros mais abundantes àqueles por quem é oferecido.

O padre que não está compenetrado da grandeza do sacrifício da missa, jamais o oferecerá como deve. Nada fez de maior na terra Jesus Cristo. É a missa a acção mais santa e mais agradável a Deus que se pode realizar, tanto em razão da Vítima oferecida, que é Jesus Cristo, Vítima duma dignidade infinita, como em razão do sacrificador principal, que é o mesmo Jesus Cristo, a oferecer-se pela mão dos sacerdotes, como no-lo ensina o Concílio de Trento. E São João Crisóstomo diz paralelamente: Quando virdes o sacerdote a oferecer o sacrifício, não penseis no padre, representai-vos antes a mão de Jesus Cristo que obra dum modo invisível.

Todas as honras que têm prestado a Deus os anjos com as suas homenagens, e os homens com as suas virtudes, austeridades, martírios e santas obras, não podem render a Deus tanta glória como uma só missa; porque todas as homenagens das criaturas são finitas, ao passo que a que se presta a Deus com o sacrifício dos nossos altares, é dum valor infinito, por lhe ser prestada por uma pessoa divina. Necessário é pois reconhecer com o Concílio de Trento que a missa é de toda as obras a mais santa e divina.

É pois o sacrifício da missa a obra mais santa e agradável a Deus, como acabamos de ver; é a obra mais capaz de aplacar a cólera de Deus contra os pecadores e abater as forças do inferno; é a obra que obtém graças mais abundantes para os homens na terra, e maior alívio para as almas do Purgatório; é finalmente a obra a que está ligada a salvação do mundo inteiro, segundo o pensamento de Santo Odon, abade de Cluni. E Timóteo de Jerusalém diz que é à missa que a terra deve a sua conservação; a não ser ela, os pecados dos homens a teriam há muito aniquilado.

Segundo São Boaventura, em cada missa faz o Senhor ao género humano um benefício não inferior ao que lhes dispensou, fazendo-se homem. O que é conforme com a célebre exclamação de Santo Agostinho: Ó dignidade venerável a dos sacerdotes, entre cujas mãos o Filho de Deus encarna, como encarnou no seio da Virgem! De mais, não sendo o sacrifício do altar senão a aplicação e renovação do sacrifício da cruz, Santo Tomás ensina que, para o bem e salvação dos homens, tem cada missa toda a eficácia do sacrifício da cruz. E São João Crisóstomo escreveu: A celebração da missa tem o mesmo valor que a morte de Jesus Cristo na cruz. A Igreja plenamente confirma esta verdade, quando diz nas suas orações: Cada vez que se celebra no altar a memória deste sacrifício, renova-se a obra da nossa redenção. De fato, ajunta o Concílio de Trento, o mesmo Redentor, que se ofereceu por nós na cruz, é quem se oferece no altar por ministério dos sacerdotes.

Numa palavra, segundo a expressão do profeta Zacarias, é a missa o que há de mais excelente e belo na Igreja: Que há de bom, que há de belo, senão o pão dos escolhidos e o vinho que gera virgens? No sacrifício da missa, dá-se Jesus Cristo a nós, mediante o sacramento do altar, que é o fim e consumação de todos os outros sacramentos, como ensina o Doutor angélico. Razão tem pois São Boaventura em chamar à missa o resumo de todo o amor divino e de todos os benefícios de que o Senhor há cumulado os homens. Eis por que o demónio sempre se tem esforçado por arrebatar ao mundo a santa missa por meio dos hereges, como por tantos outros precursores do Anticristo que, antes de tudo, cuidará de abolir e de fato abolirá, em punição dos pecados dos homens, o sacrifício do altar, segundo esta profecia de Daniel: Por causa dos pecados, ser-lhe-á dada força contra o sacrifício perpétuo.

Grande razão tem pois o Concílio de Trento para exigir que os padres ponham todo o seu cuidado, em celebrar a missa com a máxima devoção e pureza de coração que seja possível. Como não menos razão adverte no mesmo lugar, que é precisamente sobre os padres, que celebram com negligência e sem devoção, que recai a maldição anunciada por Jeremias: Maldito o que faz indignamente a obra do Senhor! Segundo São Boaventura, celebra-se ou comunga-se indignamente, quando se chega ao altar com pouco respeito e consideração. Assim, para evitarmos essa maldição, examinemos o que deve fazer o padre antes, durante e depois da celebração da missa: preparação, antes de celebrar; respeito e devoção, enquanto celebra; acção de graças, depois de celebrar. São obrigações indispensáveis para o sacerdote. Segundo o pensamento dum servo de Deus, deveria a vida dum padre ser apenas uma preparação para a missa e uma acção de graças.

2º. Preparação para a Missa

Em primeiro lugar, deve o padre fazer a sua preparação antes de subir ao altar.

Antes de mais nada, pergunto a mim mesmo como é que, havendo no mundo tantos padres, haja tão poucos santos? A missa é chamada por São Francisco de Sales um mistério inefável, que encerra um abismo de caridade divina. Além disto, São João Crisóstomo dizia que o sacramento do altar contém o tesouro inteiro da bondade de Deus. Sem dúvida a sagrada Eucaristia foi instituída para todos os fiéis, mas é um dom especialmente feito aos padres. Não vades, diz o Senhor aos padres, dar a coisa santa aos cães, nem lançar as vossas pérolas a suínos. Notem-se estas palavras: As nossas pérolas. Dá-se em grego o nome de pérolas às espécies sacramentais; e essas pérolas são apontadas aqui como pertença própria dos ministros do altar: Margaritas vestras. Sendo assim, todos os padres deveriam, segundo São João Crisóstomo, descer do altar com um coração todo abrasado do amor divino, a ponto de serem um objeto de terror para o inferno.

Mas não é isso o que se vê: observa-se que a maior parte descem do altar sempre mais tíbios, mais impacientes, mais soberbos, mais invejosos, mais apegados às honras, ao interesse e aos prazeres terrenos. Não é por falta do alimento que tomam no altar, nota o cardeal Bona, porque, no dizer de Santa Maria Madalena de Pazzi, bastaria recebê-lo uma só vez para ficar santo; é pela falta de preparação para celebrar a missa.

Há duas espécies de preparação: uma remota e outra próxima.

A preparação remota consiste na vida pura e virtuosa, que deve ter o padre para celebrar dignamente. Se dos sacerdotes antigos Deus exigia a pureza, só porque deviam transportar os vasos sagrados, - quanto não deverá ser mais puro e santo, observa Pedro de Blois, o padre que deve trazer nas suas mãos e no seu coração o Verbo encarnado! Mas, para ser puro e santo, não lhe basta estar livre das cadeias do pecado mortal, é necessário que esteja isento de pecados veniais; (plenamente deliberados, entende-se) de contrário, Jesus Cristo não o admitirá a ter parte consigo. Guardemo-nos, diz São Bernardo, de fazer pouco caso dessas faltas; pois, como foi dito a Pedro, se não formos purificados por Jesus Cristo, não teremos parte com ele . Necessário é portanto que todas as acções e todas as palavras do padre, que quer celebrar missa, sejam bastante santas, para lhe servirem de preparação.

A preparação próxima exige primeiramente a oração mental. Como quereis que celebre com devoção a santa missa o sacerdote, que sobe ao altar sem primeiro ter feito a sua meditação? Dizia o venerável João de Ávila que o padre deve fazer ao menos hora e meia de oração mental antes da missa. Eu me contentaria com meia hora e, para alguns até com um quarto de hora, ainda que um quarto de hora é muitíssimo pouco.

Há tão belos livros de meditações preparatórias para a santa missa! A missa é uma representação da paixão de Jesus Cristo. Por isso com razão o papa Alexandre I disse que sempre nela se deve comemorar a paixão do Salvador. E foi o que prescreveu o Apóstolo: Todas as vezes que comerdes esse pão e beberdes esse cálice, anunciareis a morte do Senhor. Segundo Santo Tomás, o Redentor instituiu o sacramento do altar, para conservar sempre viva em nós a lembrança do amor que nos testemunhou, e do grande benefício que nos alcançou a sua imolação na cruz. Ora, se todos os homens se devem lembrar continuamente da paixão de Jesus Cristo, - com quanta mais razão o padre, quando vai renovar, ainda que dum modo diferente, o mesmo sacrifício no altar!

Ao padre não lhe basta ter feito a sua meditação; importa-lhe que antes de celebrar se recolha sempre ao menos alguns instantes e considere bem o que vai fazer; foi o que ordenou a todos os padres o primeiro Concílio de Milão, no tempo de São Carlos Borromeu.

Ao entrar na sacristia, deve o celebrante despedir-se de todos os pensamentos do mundo e dizer com São Bernardo: Cuidados, negócios, esperai por mim aqui; eu e o meu servo, isto é a minha razão com a minha indigência, vamos ali adorar a Deus, e logo voltaremos a ter convosco; pois voltaremos, ai!, e demasiado cedo. São Francisco de Sales escrevia a Santa Joana de Chantal: "Quando me volto para o altar para começar a missa, perco de vista todas as coisas da terra". Postos de parte pois todos os pensamentos do mundo, não deve o padre ocupar-se então senão da grande obra, que vai fazer e do pão celeste, de que vai alimentar-se a essa mesa divina: Quando estiveres sentado à mesa do príncipe, considera atentamente as iguarias que te são servidas.

Pense o padre que vai chamar do Céu à terra o Verbo feito homem, para se entreter familiarmente com ele no altar, para o oferecer de novo ao Padre eterno, e para enfim se alimentar da sua carne sagrada.

O venerável João de Ávila, antes de subir ao altar, procurava excitar-se ao fervor, dizendo: "Eis que vou consagrar o Filho de Deus, tê-lo nas minhas mãos, falar-lhe, tratar com ele e recebê-lo no meio seio".

Deve também o padre considerar que sobe ao altar na qualidade de mediador, para interceder por todos os pecadores, como diz São Lourenço Justiniano. Se está colocado entre Deus e os homens, de Deus obterá para estes as graças de que necessitam. É por essa razão, observa Santo Tomás, que se dá o nome de missa ao sacrifício do altar. Na Lei antiga, só ao sumo sacerdote era permitido entrar no Santo dos Santos, e isso uma só vez por ano; mas hoje, diz São Lourenço Justiniano, a todos os padres é dado oferecer cada dia o Cordeiro divino, para obterem para si próprios e para todo o povo as graças de Deus. Donde São Boaventura conclui que o celebrante se deve propor três fins: honrar a Deus, comemorar a paixão do Salvador, e obter graças para toda a Igreja.

3º. Respeito e devoção com que se deve celebrar

Em segundo lugar, é necessário que o sacerdote celebre a missa com respeito e devoção. Sabe-se que o uso do manípulo foi introduzido, para que o padre enxugasse as lágrimas; porque outrora tais sentimentos de devoção experimentavam os sacerdotes, ao celebrarem, que não faziam senão chorar. Já dissemos que o padre ao altar é o representante do próprio Jesus Cristo, como escreveu São Cipriano. É nesta qualidade que diz: Hoc est corpus meum; hic est calix sanguinis mei.

Mas, ó Céu! Que lágrimas, que lágrimas de sangue se deveriam chorar, quando se pensa no modo como a máxima parte dos padres celebram a missa! Causa pena, digamo-lo, ver o desprezo com que Jesus Cristo é tratado por tantos padres, até religiosos, e pertencentes a Ordens reformadas! Ao ver-se a negligência com que esses padres de ordinário dizem a missa, bem se lhes poderia fazer a censura que Clemente de Alexandria dirigia aos sacerdotes pagãos: que faziam do Céu um teatro, e de Deus o objeto da sua comédia.

E que direi? Uma comédia! Ó, se eles tivessem um papel a representar no teatro, que cuidado empregariam! Ao contrário, que fazem eles ao altar? Truncam palavras, fazem genuflexões que mais parecem actos de desprezo e faltas de respeito; traçam bênçãos que não se sabe o que são; esboçam gestos ridículos; falam às rubricas, antecipando cerimónias e misturando-lhes palavras. E no entanto a verdade é que essas rubricas todas são de preceito, por isso que São Pio V, na bula que pôs à frente do missal, manda districte, in virtute sanctae obedientiae, que a missa seja celebrada segundo as rubricas do missal. Donde resulta que quem transgride as rubricas não pode eximir-se de pecado, que será grave desde que a matéria o seja.

Tudo isso procede do desejo de chegar de pressa ao fim da missa. Celebram-na como se a igreja estivesse a desabar, ou como se os bandidos se avizinhasse e não restasse tempo para a fuga.

Eis um padre que, depois de ter dado horas inteiras a uma vida inútil, ou a negócios mundanos, lá vai a celebrar a missa todo apressado!

Começa com precipitação, prossegue do mesmo modo; chega à Consagração, toma Jesus Cristo nas suas mãos, e comunga-o com tanta irreverência como se ali só houvesse um bocado de pão! Seria necessário que tais padres sempre tivessem ao seu lado alguém, para lhes dizer o que um dia o venerável João de Ávila, chegando-se ao altar em que celebrava um desses, lhe disse: "Por piedade tratai-o melhor, que é o filho dum pai respeitável".

Queria o Senhor que os sacerdotes da Lei antiga tremessem de santo respeito ao aproximarem-se do santuário. E um sacerdote da Lei nova, achando-se ao altar, em presença do próprio Jesus Cristo, a falar-lhe, a tomá-lo nas suas mãos, a oferecê-lo a Deus-Pai, a alimentar-se dele, - mostra-se tão irreverente! Na Lei antiga, ameaçou o Senhor com muitas maldições os sacerdotes que fossem negligentes nas cerimónias desses sacrifícios, que eram apenas uma mera figura do nosso: Se cerrares os ouvidos à voz do Senhor teu Deus, que te manda guardar as cerimónias, virão sobre ti todas estas maldições... Serás maldito na cidade e maldito nos campos. Dizia Santa Teresa: "Pela mínima cerimónia da Igreja, daria eu mil vezes a minha vida". E o padre as despreza! Ensina o Padre Suarez que a omissão de qualquer cerimónia, na missa, não pode escusar-se de pecado.

Muitos doutores ajuntam que uma negligência notável nas cerimónias pode chegar a pecado mortal.

Na nossa Teologia moral demonstramos, com a autoridade de muitos doutores, que o que celebra em menos de um quarto de hora não pode escusar-se de falta grave, e isto por duas razões: primeira, por causa da irreverência contra o sacrifício, resultante da sua precipitação; segunda, por causa do escândalo que dá ao povo.

Quanto ao respeito devido ao divino sacrifício, já citamos o que diz o Concílio de Trento: que a missa deve ser celebrada com a máxima devoção possível. E ajunta que a falta de respeito, mesmo exterior, constitui uma irreverência, que de algum modo chega a ser impiedade. Assim como as cerimónias, quando são bem feitas, infundem e significam respeito; também quando são mal executadas denotam irreverência que, em matéria grave, é um pecado mortal. Deve-se notar além disto que, para nas cerimónias haver o testemunho de respeito, que convém a um tão grande sacrifício, não basta fazê-las; porque uma pessoa qualquer poderia ter a língua assás desembaraçada e os movimentos bastante livres para expedir tudo isso em menos de um quarto de hora; mas é preciso que sempre sejam feitas com a gravidade conveniente, que pertence também intrinsecamente ao respeito que se deve ter pela missa.

Por outro lado, celebrar a missa em tão pouco tempo é falta grave, em razão do escândalo que se dá aos fiéis que assistem a ela. Sobre este ponto, é necessário considerar ainda o que noutro lugar diz o Concílio de Trento: que as cerimónias da missa foram instituídas pela Igreja, para inspirar aos fiéis uma alta ideia deste augusto sacrifício, e toda a veneração devida aos divinos mistérios que encerra. Ora, quando estas cerimónias são feitas muito à pressa, nenhuma veneração inculcam ao povo, antes lhe fazem perder o respeito que merece um mistério tão santo. Observa Pedro de Blois que os padres que celebram com pouco respeito, dão ocasião a que os fiéis façam pouco caso do Santíssimo Sacramento. Não se pode dar um tal escândalo sem se incorrer em pecado mortal.

Também o Concílio de Tours, em 1583, mandou que os sacerdotes fossem bem instruídos nas cerimónias da missa, para não destruírem a devoção no coração das suas ovelhas, em vez de as levarem à veneração pelos ministérios sagrados.

Celebrando sem devoção, - como querem esses padres obter de Deus graças, sendo certo que ao oferecerem o santo sacrifício, o ofendam e, quanto deles depende, mais o desonram do que o honram? O padre que não acreditasse no Sacramento do altar, sem dúvida ofenderia a Deus; mas quanto mais o ofende o que nele crê e não só lhe recusa o respeito que lhe é devido, senão que ainda é causa de que outros, à vista da sua conduta, lhe percam igualmente o respeito? Os judeus a princípio respeitaram Jesus Cristo, mas, quando o viram desprezado pelos sacerdotes, perderam então a alta ideia que tinham dele, e acabaram por gritar com os sacerdotes: Tolle, tolle, crucifige eum! Do mesmo modo, para não sairmos do nosso assunto, os seculares que hoje vêem os padres a celebrar com tanta irreverência, perdem toda a estima e veneração por este divino mistério.

Uma missa, celebrada com recolhimento, inspira devoção aos assistentes; pelo contrário, faz-lhes perder a devoção e quase a fé também, quando celebrada sem piedade. Eis um fato passado em Roma e que me foi contado por um religioso de todo o crédito. Tinha um herege resolvido renunciar aos seus erros; mas, tendo visto celebrar a missa sem devoção, foi ter com o papa e disse-lhe que não queria abjurar, porque estava persuadido de que nem os padres nem o papa tinha na Igreja católica uma fé verdadeira: "Se eu fosse papa, dizia ele, e soubesse que um padre celebrava a missa com tão pouco respeito, mandava-o queimar vivo; ao ver porém que os padres dizem assim a missa e não são castigados, persuado-me de que nem o próprio papa acredita nela". Dito isto, retirou-se, e não consentiu que lhe falassem mais em abjuração.

Mas objectam certos padres que os leigos se queixam, quando a missa se prolonga. - O quê! Então, lhes respondo eu de pronto, a pouca devoção dos seculares há de ser a regra do respeito devido ao santo sacrifício! Ouçam mais: se os padres celebrassem a missa com o devido respeito e gravidade, os seculares se compenetrariam da veneração a prestar a tão grande mistério, e não lamentariam a meia hora que lhe devessem consagrar. Como porém, de ordinário, a missa é tão breve e nenhuma devoção inspira, os seculares à imitação dos padres, assistem a ela sem devoção, e com pouca fé; quando vêem que ela dura mais de um quarto de hora, aborrecem-se e queixam-se, em razão do mau hábito contraído.

Assim, os mesmos que sem dificuldade passam muitas horas a uma mesa de jogo, ou numa praça pública, desperdiçando o tempo, não podem sem tédio gastar uma meia hora a ouvir missa! A causa de tudo isso são os padres: É convosco que falo, ó sacerdotes, que desonrais o meu nome e dizeis: Como desonramos nós o vosso nome? Nisso que dizeis: A mesa do Senhor é de pouca importância. O pouco que os padres se importam do respeito devido à missa, faz que também os outros a desprezem.

Pobres padres! Ao saber que um sacerdote acabava de morrer após a sua primeira missa, o venerável João de Ávila exclamou: "Ó que terrível conta esse padre tem de prestar a Deus, por essa primeira missa!" À vista disso, que se deverá dizer dos padres que, no decurso de trinta ou quarenta anos, cada dia deram ao altar o escândalo de que vimos falando! E, repito, - como poderão tais padres tornar o Senhor propício e obter graças da sua misericórdia, celebrando a missa de modo antes a ultrajá-lo que a honrá-lo? Todos os crimes são expiados pelo sacrifício, diz o papa Júlio, mas por que oferenda se há de reparar a ofensa feita ao Senhor, se é na mesma oblação do sacrifício que se peca? Pobres padres! E pobres bispos que permitem a tais padres celebrarem! Segundo o decreto do Concílio de Trento, são os bispos obrigados a impedir as missas celebradas com irreverência.

Notem-se estas expressões: Prohibere curent ac teneantur; significam elas que os bispos estão obrigados a suspender os que celebram sem respeito conveniente; e esta obrigação tanto abrange os sacerdotes regulares como os outros, visto que os bispos a esse respeito são constituídos pelo Concílio legados apostólicos, e por isso obrigados a vigiar pelas missas que se dizem nas suas dioceses.

E nós, padres, irmãos meus, cuidemos de nos corrigir: se no passado temos celebrado o santo sacrifício com pouca devoção e respeito, atalhemos ao mal, ao menos daqui para o futuro. Antes de celebrar, pensemos no que vamos fazer: é a acção maior e mais santa que um homem pode realizar. Demais, que grande bem é uma missa celebrada com devoção, grande bem para o celebrante, e para os ouvintes! - Eis como João Herolt, de sobrenome o Discípulo, fala aos que assistem à missa: Quando fazeis a vossa oração na igreja, na presença de Deus, mais seguramente ela é ouvida... porque todo o sacerdote está obrigado a orar pelos assistentes em cada missa.

Ora, se a oração dum secular, quando feita em união com a do celebrante, é mais prontamente ouvida de Deus, quanto mais ainda a do próprio sacerdote, se celebra com devoção! Um padre que oferece todos os dias o santo sacrifício com alguma devoção, há de receber sempre de Deus novas luzes e novas forças.

Jesus Cristo o instruirá, o consolará, o animará cada vez mais, e lhe concederá as graças que deseja.

É sobretudo depois da consagração que o padre pode estar seguro de conseguir do Senhor todas as graças que pede. O venerável Padre António Colelis dizia: "Quando celebro e tenho o meu Jesus nas minhas mãos, consigo dele quanto quero". O celebrante obtém o que quer para si e para os que assistem à missa. Lê-se na Vida de São Pedro de Alcântara que as missas fervorosas que celebrava produziam mais fruto, que todos os sermões dos pregadores da província em que estava. Quer o Concílio de Rodez que os padres pronunciem as palavras e façam as cerimónias com uma devoção, que dê testemunho da sua fé e amor para com Jesus Cristo, presente no altar. A compostura exterior, diz São Boaventura, manifesta as disposições interiores do celebrante.

Recorde-se aqui de passagem o que ordenou Inocêncio III: Nós ordenamos também que os oratórios, os vasos, corporais e alfaias sagradas se conservem em perfeita limpeza; porque é de todo o ponto contrário ao bom senso abandonar as coisas santas a uma imundícia, que não se sofria nem mesmo nas coisas profanas. Ai! Tinha o papa toda a razão para assim falar, porque se encontram padres que não se envergonham de celebrar com corporais, sanguinhos e cálices, de que não quereriam servir-se à sua mesa.

4º. Acção de graças

Em terceiro lugar, depois da celebração do santo sacrifício, é necessário render graças a Deus. Esta acção de graças deve estender-se ao dia inteiro. Exigem os homens que lhes sejamos reconhecidos e correspondamos aos mínimos favores que nos fazem, nota São Crisóstomo; quanto pois não devemos ser reconhecidos a Deus, que de nós espera, não uma retribuição, mas um ato de agradecimento, e isso somente para nosso bem! Se não podemos, ajunta ele, agradecer-lhe na medida da sua dignidade, agradeçamos-lhe ao menos quanto pudermos.

Mas que pena, que desordem ver tantos padres que, depois da missa, apenas recitam algumas breves orações na sacristia, sem atenção nem devoção, e logo falam de coisas inúteis ou de negócios mundanos, ou até saem da Igreja e vão levar Jesus Cristo ao meio das ruas! Seria necessário proceder sempre com eles, como um dia o venerável João de Ávila: ao ver que um padre saia da Igreja logo depois de celebrar, fê-lo acompanhar de dois clérigos com círios acessos. Perguntou-lhes o padre o que significava aquilo, e eles responderam: "Acompanhamos o Santíssimo Sacramento, que levais ao vosso peito". Bem se podia dizer a tais padres o que São Bernardo um dia escreveu ao arcedíago Foulques: Ai! Como tão depressa vos enfastiais da companhia de Jesus Cristo, que tendes dentro de vós?

Há muitos livros de piedade que recomendam a acção de graças depois da missa, mas quantos são os padres que cumprem este dever? Poderiam apontar-se ao dedo. Fazem alguns a oração mental, e recitam ainda muitas orações vocais; mas depois da missa poucos instantes se entretém com Jesus Cristo, ou até se dispensam disso por completo. Se ao menos o fizessem enquanto as espécies consagradas se conservam no seu estômago! Dizia o venerável João de Ávila que se deve considerar comi infinitamente precioso o tempo que se segue à missa; por isso ele de ordinário, a seguir à missa, passava duas horas recolhido em piedosos entretenimentos com Deus.

Depois da comunhão, dispensa o Senhor as suas graças em mais abundância. Dizia Santa Teresa que Jesus Cristo está então na alma como num trono de graça e lhe diz: Quid vis ut tibi faciam? Recordemos também o que ensinam Suarez, Gonet e outros doutores, - que a alma aufere da comunhão tanto maior fruto, quanto melhor se dispuser por actos de piedade, durante a permanência das espécies sacramentais. A razão é que este divino Sacramento, tendo sido instituído à maneira de alimento, declara o Concílio de Florença que, assim como os alimentos corpóreos sustentam o corpo segundo o tempo que permanecem no estômago, também o Pão celestial continua a alimentar de graças a alma, enquanto permanece no corpo, contanto que as boas disposições do comungante prossigam.

Além disto, os actos de virtude têm então mais valor e merecimento, em razão da alma estar mais unida com Jesus Cristo, que assim o declara: Quem come a minha carne e bebe o meu sangue, permanece em mim, e eu permaneço nele.

Então, diz São João Crisóstomo, o comungante forma uma só e mesma coisa com Jesus Cristo. Deste modo, são mais meritórios os actos, por serem praticados por uma alma unida a Jesus Cristo.

Mas, por outro lado, não quer o Senhor que as suas graças se percam, prodigalizando-as a ingratos, segundo a expressão de São Bernardo. Tenhamos pois cuidado de nos entretermos com Jesus Cristo depois da missa, ao menos durante uma meia hora, ou o mínimo um quarto de hora; mas, ai!, um quarto de hora é muitíssimo pouco. Devemos considerar que o padre, desde o dia da sua ordenação, não é de si próprio, mas de Deus. E o próprio Senhor disse: Hão de oferecer ao Senhor, seu Deus, o incenso e o pão; e por consequência serão santos.

5º. O padre que se abstém de celebrar

Há padres que se abstém de celebrar por humildade; uma palavra sobre este assunto. Abster-se de celebrar por humildade é bom, mas não é o que há de melhor: os actos de humildade prestam a Deus uma honra finita, o sacrifício da missa rende-lhe uma honra infinita, que lhe é prestada por uma Pessoa divina. Ouçamos o que diz São Boaventura: Quando o padre deixa de celebrar, sem impedimento legítimo, faz quanto pode para privar a santíssima Trindade da glória que lhe é devida, os anjos de uma grande alegria, os pecadores do perdão, os justos de auxílios, as almas do Purgatório de alívio, a Igreja de um grande bem e a si próprio de remédio.

Achava-se São Caetano em Nápoles, quando soube que em Roma, um seu amigo cardeal, que costumava celebrar todos os dias, impedido por certos negócios, começava a descurar este dever. Era na força do calor do estio, mas o santo, com risco da própria vida, deu-se pressa em ir a Roma instar com o seu amigo, para que retomasse o antigo costume; e só depois de conseguido o que desejava voltou para Nápoles. Eis o que se lê na Vida do venerável João de Avila. Indo um dia a caminho para celebrar num ermitério, sentiu-se tão enfraquecido, que temeu não chegar ao lugar, donde estava ainda bastante distanciado; pensava já em suspender o passo e desistir de celebrar, quando Jesus Cristo lhe apareceu em figura de viageiro e, mostrando-lhe o seu peito, lhe fez ver as chagas, sobretudo a do sagrado lado e lhe disse: "Quando eu estava coberto destas chagas, encontrava-se mais fatigado e enfraquecido que tu"; e desapareceu.

Reanimando com esta visão, o servo de Deus retomou a marcha e teve a felicidade de oferecer o santo sacrifício.

Santo Afonso Maria de Ligório in 'A Selva'

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