segunda-feira, 29 de março de 2021

Cardeal Sarah pede ao Papa Francisco para alterar a proibição das Missas privadas em São Pedro

«Por todas as razões aqui expostas e por outras, juntamente com um número ilimitado de baptizados (muitos dos quais não querem ou não podem exprimir o seu pensamento), peço humildemente ao Santo Padre que ordene a retirada das recentes normas emanadas do Secretariado de Estado, que carecem de justiça e de amor, não correspondem à verdade nem à lei, e não facilitam, antes põem em perigo o decoro da celebração, a devota participação na Missa e a liberdade dos Filhos de Deus.”

Com essas palavras, o Cardeal Sarah termina o seu texto sobre as novas normas que regem a celebração das Missas na Basílica de São Pedro, em Roma. O Cardeal concorda com as objeções levantadas pelos cardeais Burke, Müller e Brandüller em relação à mesma questão.

O purpurado recorda que “a celebração individual do sacerdote continua a ser obra de Cristo e da Igreja. O Magistério não só não o proíbe, mas também o aprova, e recomenda que os sacerdotes celebrem a Santa Missa todos os dias, porque uma grande quantidade de graças flui de cada Missa para o Mundo inteiro.

O Cardeal Sarah alerta que é “um facto singular obrigar os padres a concelebrar. Os padres podem concelebrar se quiserem, mas será que a concelebração pode ser imposta? As pessoas vão dizer: se não quer concelebrar, vá para outro lugar! Mas é este o espírito acolhedor da Igreja que queremos encarnar?"

E acrescenta:

"Muitos padres vêm a Roma em peregrinação! É muito normal que eles, mesmo que não tenham um grupo de fiéis que os acompanhe, alimentem o desejo saudável e belo de poder celebrar a Missa em São Pedro, talvez no altar dedicado a um santo pelo qual têm especial devoção. Há quantos séculos a Basílica acolhe esses padres? E por que razão já não os quer receber se eles não aceitam a imposição da concelebração?"

O purpurado pergunta também: "O que farão os sacerdotes que chegam a Roma e não sabem [falar] italiano? Como conseguirão concelebrar em São Pedro, onde as concelebrações acontecem apenas em italiano?"

O Prefeito emérito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos aponta para a questão da Missa Tridentina:

«... com base nas novas normas, o que deve fazer um sacerdote que deseja legitimamente continuar a celebrar a Missa individualmente? Ele não teria escolha a não ser celebrá-la na forma extraordinária, uma vez que está impedido de celebrá-la individualmente na forma ordinária.

E também aponta que as disposições do Papa Bento XVI estão a ser violadas:

«A decisão quanto à forma extraordinária do Rito Romano também é singular, está especificado que tais celebrações serão realizadas apenas por padres "autorizados". Essa indicação, além de não respeitar as normas contidas no Motu Proprio 'Summorum Pontificum' de Bento XVI, também é ambígua: quem deve dar a autorização a esses padres?

Mais interessa a virtude do que a reputação

As pessoas que são frágeis e sensíveis em relação à sua reputação assemelham-se às que, ao mais leve sinal de incómodo, tomam medicamentos, pois pensam que assim mantêm a sua saúde, enquanto, na prática, a deterioram. Aquelas que querendo manter tão delicadamente a sua reputação a perdem inteiramente, porque, com esta sensibilidade, se tornam bizarras, obstinadas, insuportáveis e provocam a malícia dos maledicentes.

A reputação é simplesmente como uma insígnia que dá a conhecer onde está alojada a virtude. Portanto, a virtude deve ser preferida em tudo e em toda parte. Se as pessoas dizem que és um hipócrita porque te submetes à devoção; se és tido como homem de pouca fibra porque perdoaste a injúria, não faças caso de tudo isto. 

Porque esses julgamentos são feitos por pessoas néscias e estúpidas na tentativa que a pessoa perca a sua reputação, mas nem por isso deve abandonar a virtude nem afastar-se do seu caminho, tanto mais que se deve preferir o fruto às folhas, isto é, o bem interior e espiritual a todos os bens exteriores. É preciso ser zeloso, mas não idólatra de nossa reputação; e como não se deve ofender os olhos dos bons, também não se deve querer contentar o dos malignos.

São Francisco de Sales in 'Introduction à la vie dévote' (III, cap. VII, I, 120-121)

sábado, 27 de março de 2021

O que é a Correcção Fraterna?

CORREÇÃO FRATERNA é a admoestação feita ao próximo, privadamente e procedendo da caridade fraterna, para emenda de delito. Pode ser coativa, e pertence ao Superior e ostensiva, e pertence a todos. Ambas são de preceito, mas a segunda só quando o delinquente pode ser corrigido sem incômodo, com
esperança de emenda, e não havendo Superior. 

O Superior deve ser corrigido pelos súditos, mas secretamente, com mansidão e reverência, a não ser que, por causa do perigo da fé, deva ser feita em público. A correção deve ser feita: 

1) em segredo, ao delinquente; 
2) particularmente ao Superior, em segredo; 
3) perante testemunhas; 
4) publicamente. 

Mas esta ordem deve ser guardada somente quanto aos pecados ocultos. O que deixa de fazer a correção fraterna, por não esperar emenda ou por pensar que resulta pior, não peca. O Apóstolo São Paulo ensina como deve ser feita o correção: «Não repreendas com aspereza ao velho, mas admoesta-o como a pai; aos jovens como a irmãos; às velhas como a mães; às jovens como a irmãs, com toda a pureza. Aos pecadores repreende-os diante de todos, para que também os outros tenham medo» (Ep. I Timót. V, 1, 2, 20).

Quem corrige ou castiga deve fazê-lo com caridade, embora algumas vezes com severidade, e não para satisfazer a um movimento de ira, ou de vingança, ou de simples mau humor. Devemos aceitar a correção assim como o castigo com humildade, esperando que de algum proveito nos servirá.

Padre José Lourenço in 'Dicionário da Doutrina Católica'

quinta-feira, 25 de março de 2021

O que é o 'Angelus' e como rezar?

Angelus (1857-1859) de Jean-François Millet, Musée d’Orsay

Angelus é uma oração em honra da Encarnação de Deus, no dia da Anunciação. Tradicionalmente é rezada três vezes durante o dia: de manhã, ao meio dia e ao entardecer. A oração é constituída de três textos que descrevem o mistério da Encarnação, respondidos com uma Avé Maria e uma oração final. A invocação "Angelus Domini nuntiavit Mariæ", foi retirada do Hino a Nossa Senhora: "Alma Redemptoris".

Não se sabe ao certo a origem do Angelus, mas no séc. XIV já era comum em toda a Europa rezar, ao anoitecer, em louvor da Virgem Maria. Nessa época, os versículos não eram os actuais. Eram assim (só encontrei em latim e inglês):

Ave Maria, gratia plena, Dominus tecum (Hail Mary, full of grace, the Lord is with thee)
Dulcis instar mellis campana vocor Gabrielis (I am sweet as honey, and am called Gabriel's bell)
Ecce Gabrielis sonat hæc campana fidelis (Behold this bell of faithful Gabriel sounds)
Missi de coelis nomen habeo Gabrielis (I bear the name of Gabriel sent from heaven)
Missus vero pie Gabriel fert læta Mariæ (Gabriel the messenger bears joyous tidings to holy Mary)
O Rex Gloriæ Veni Cum Pace (O King of Glory, Come with Peace)

O som dos sinos associado ao Angelus vem de São Boaventura, que determinou à Ordem dos Frades Menores, em 1269, que se tocassem os sinos no lusco-fusco, enquanto se rezava a Avé Maria. 

A prática de rezar também ao meio-dia, por sua vez, é posterior (séc. XV) e foi estimulada por Louis XI (1475), como uma oração pela paz, na medida em que a cristandade se encontrava ameaçada pelo domínio dos turcos. 

Em 1318, o Papa João XXII oficializou o Angelus ao conceder indulgências para quem a praticasse. Em 1724, o Papa Bento XIII, determinou cem dias de indulgência para cada oração do Angelus, com uma plenária uma vez por mês. Era necessário que o Angelus fosse dito de joelhos, (excepto aos Domingos e aos Sábados, quando se devia permanecer de pé) ao som do sino. Essas circunstâncias foram modificadas pelo Papa Leão XIII em 1884. 

Actualmente, é necessário apenas que a oração seja feita nas horas apropriadas, de manhã, ao meio-dia e à noite. A indulgência é concedida mesmo para aqueles que não sabem recitá-la, bastando para isso que digam 5 Avé-Marias em seu lugar.

V. O Anjo do Senhor anunciou a Maria
R. E Ela concebeu pelo Espírito Santo
Avé Maria...

V. Eis a escrava do Senhor.
R. Faça-se em mim, segundo a Vossa palavra.
Avé Maria...

V. E o Verbo Divino encarnou.
R. E habitou entre nós.
Avé Maria...

V. Rogai por nós, santa Mãe de Deus.
R. Para que sejamos dignos das promessas de Cristo

Oremos:
Infundi, Senhor, a vossa graça, em nossas almas, para que nós, que, pela anunciação do Anjo, conhecemos a encarnação de Cristo, vosso Filho, pela Sua paixão e morte na cruz, sejamos conduzidos à glória da Ressurreição. Pelo mesmo Cristo Senhor nosso. Ámen.

Basílica de São Pedro: cada vez mais um museu

Há poucos dias, para surpresa de muitos, foi publicada uma directiva (não se sabe emanada por quem) afixada na porta da sacristia da Basílica de São Pedro: estavam proibidas as Missas individuais e apenas aceites as concelebrações, em dois altares da Basílica.

Em São Pedro, das 7 às 9 da manhã, os 45 altares e 11 capelas, eram usados por sacerdotes para celebrar as suas Missas privadas, às quais, muitas vezes, se juntavam fiéis que ali estavam a visitar a Basílica ou que lá iam de propósito. Agora, todos se têm de concentrar em dois altares. 

O número de Missas rezadas na Basílica Vaticana desceu vertiginosamente. Quem já a visitou nestas manhãs estranha a falta de sacerdotes nos altares e diz que aquele espaço é, agora, muito menos uma igreja e mais um museu, que serve quase exclusivamente para visitas turísticas.

Muitos dos sacerdotes que lá iam eram os oficiais dos Dicastérios Romanos, que á celebravam a "sua" Missa antes de começarem a trabalhar nos escritórios da Cúria. Essa Missa era um dos poucos trabalhos verdadeiramente sacerdotais que tinham no seu dia-a-dia. Com esta proibição, serão cada vez mais trabalhadores de escritório e menos sacerdotes.

segunda-feira, 22 de março de 2021

A Natureza não é nossa Mãe, é nossa Irmã

O darwinismo pode ser usado para dar suporte a duas moralidades insensatas, mas nunca poderá ser usado para dar suporte a uma única moralidade sã. O parentesco e a competição entre todas as criaturas vivas podem ser usados com motivo para sermos insanamente cruéis ou insanamente sentimentais, mas não para um amor sadio pelos animais. 

Na base evolucionista podemos ser desumanos ou absurdamente humanos, mas não podemos ser humanos. O facto de nós e o tigre sermos um só pode ser uma razão para sermos compassivos para com o tigre. Ou pode ser uma razão para sermos tão cruéis como o tigre. Podemos ensinar um tigre a imitar-nos, mas não podemos, com muito mais rapidez, imitar o tigre. No entanto, em nenhum dos casos a evolução nos dirá como tratar um tigre racionalmente, isto é, admirar-lhe as listas e evitar-lhes as garras.

Se desejamos tratar um tigre racionalmente, teremos de voltar ao jardim do Éden. Continua a vir-me à mente uma lembrança obstinada: apenas o sobrenatural tem uma visão sã da Natureza. A essência de todo o panteísmo, do evolucionismo e da moderna religião cósmica está, realmente, nesta afirmação: a Natureza é nossa mãe. Infelizmente, se olharmos a Natureza como mãe, descobriremos que ela é uma madrasta. A questão principal do Cristianismo era esta: a Natureza não é nossa mãe; a Natureza é nossa irmã. 

Podemos orgulhar-nos da sua beleza, pois temos o mesmo pai; mas ela não tem nenhuma autoridade sobre nós; temos de admirá-la, mas não imitá-la. Isto dá ao prazer tipicamente cristão, na Terra, um estranho toque de leveza que quase chega à frivolidade. A Natureza foi uma mãe severa para os adoradores de Isis e Cibele; a Natureza foi uma mãe severa para Wordsworth ou para Emerson. 

Mas a Natureza não é severa para S. Francisco de Assis ou para George Herbert. Para S. Francisco de Assis, a Natureza é uma irmã, uma irmã mais nova: pequena e que gosta de dançar, de quem rimos e a quem também amamos.

G.K. Chesterton in Ortodoxia

sexta-feira, 19 de março de 2021

5 grandiosas verdades sobre São José

1. A figura de São José no Evangelho
Sabemos que não era uma pessoa rica; era um trabalhador como milhões de homens no mundo. Exercia o ofício fatigante e humilde que Deus escolheu também para Si quando tomou a nossa carne e viveu trinta anos como uma pessoa mais entre nós. A Sagrada Escritura diz que José era artesão.

2. Uma forte personalidade
Das narrações evangélicas depreende-se a grande personalidade humana de S. José: em nenhum momento nos aparece como um homem diminuído ou assustado perante a vida; pelo contrário, sabe enfrentar-se com os problemas, superar as situações difíceis, assumir com responsabilidade e iniciativa os trabalhos que lhe são encomendados.

Não estou de acordo com a forma clássica de representar S. José como um homem velho, apesar da boa intenção de se destacar a perpétua virgindade de Maria. Eu imagino-o jovem, forte, talvez com alguns anos mais do que a Virgem, mas na pujança da vida e das forças humanas.

3. A pureza nasce do amor
Para viver a virtude da castidade não é preciso ser-se velho ou carecer de vigor. A castidade nasce do amor; a força e a alegria da juventude não constituem obstáculo para um amor limpo. Jovem era o coração e o corpo de S. José quando contraiu matrimónio com Maria, quando conheceu o mistério da sua Maternidade Divina, quando vivei junto d'Ela respeitando a integridade que Deus lhe queria oferecer ao mundo como mais um sinal da sua vinda às criaturas. Quem não for capaz de compreender um amor assim conhece muito mal o verdadeiro amor e desconhece por completo o sentido cristão da castidade.

4. Todos os dias, trabalho
José era artesão da Galileia, um homem como tantos outros. E que pode esperar da vida um habitante de uma aldeia perdida, como era Nazaré? Apenas trabalho, todos os dias, sempre com o mesmo esforço. E, no fim da jornada, uma casa pobre e pequena, para recuperar as forças e recomeçar o trabalho no dia seguinte.

Mas o nome de José significa em hebreu Deus acrescentará. Deus dá à vida santa dos que cumprem a sua vontade dimensões insuspeitadas, o que a torna importante, o que dá valor a todas as coisas, o que a torna divina. À vida humilde e santa de S. José, Deus acrescentou - se me é permitido falar assim - a vida da Virgem Maria e a de Jesus Nosso Senhor. Deus nunca se deixa vencer em generosidade. José podia fazer suas as palavras que pronunciou Santa Maria, sua Esposa: Quia fecit mihi magna qui potens est, fez em mim grandes coisas Aquele que é todo poderoso quia respexit humilitatem, porque pôs o seu olhar na minha pequenez.

5. Um homem em quem Deus confiou
José era efectivamente um homem corrente, em quem Deus confiou para realizar coisas grandes. Soube viver exactamente como o Senhor queria todos e cada um dos acontecimentos que compuseram a sua vida. Por isso, a Sagrada Escritura louva José, afirmando que era justo. 

E, na língua hebreia, justo quer dizer piedoso, servidor irrepreensível de Deus, cumpridor da vontade divina; outras vezes significa bom e caritativo para com o próximo. Numa palavra, o justo é o que ama a Deus e demonstra esse amor, cumprindo os seus mandamentos e orientando toda a sua vida para o serviço dos seus irmãos, os homens. 

S. Josemaria Escrivá in Cristo que passa, 40

quinta-feira, 18 de março de 2021

Que doce é sofrer perdoando

Jesus bendito, que me ensinaram os homens que Tu não me tenhas ensinado na Tua cruz? Ontem vi claramente que só aprendemos acorrendo a Ti e só Tu nos dás forças nas provas e tentações; que somente ao pé da tua cruz, vendo-Te pregado a ela, aprendemos o perdão, a humildade, a caridade, a bondade. 

Não Te esqueças de mim, Senhor; olha para mim, prostrado na tua frente, e concede-me o que Te peço. Depois, que venham os desprezos, que venham as humilhações, que me importa! Contigo a meu lado tudo posso. A lição prodigiosa, admirável, inexprimível que me dás com a tua cruz dá-me forças para tudo. 

Cuspiram-Te, insultaram-Te, flagelaram-Te, pregaram-Te a uma cruz e, sendo Tu Deus, perdoaste, calaste-Te humildemente e ofereceste-Te a Ti próprio. Que posso dizer da tua Paixão? É melhor não dizer nada e que, no fundo do meu coração, medite no que o homem nunca poderá chegar a compreender; que me contente com amar profundamente, apaixonadamente, o mistério da tua Paixão.

Que doce é a cruz de Jesus! Que doce é sofrer perdoando! Como não ficar louco? Ele mostra-me o seu coração aberto aos homens e por eles desprezado. Onde já se viu e quem alguma vez sonhou suportar tamanha dor? Como vivemos bem no coração de Cristo!

São Rafael Arnaiz Baron  in Escritos espirituais, 07/04/1938 

quarta-feira, 17 de março de 2021

Tomada de hábito de 6 novas Irmãs Adoradoras

Seis jovens postulantes tomaram o hábito das Irmãs Adoradoras, ligadas aos Instituto Cristo Rei e Sumo Sacerdote. A cerimónia teve lugar na sua casa de formação em Nápoles. Rezemos por mais e santas vocações religiosas.









16 de Março: o milagre de São Filipe Néri no Palazzo Massimo

Ao reler por estes dias uma biografia de S. Filipe Néri («Filipe Neri, o Sorriso de Deus», de Guilherme Sanches Ximenes, Ed. Quadrante), reparei na quase coincidência de datas de um estranho episódio, ocorrido há aproximadamente 5 séculos num dia 16 de Março.

O protagonista viveu os anos duros da Renascença, que dilaceraram a cristandade com as revoltas protestantes (de Lutero, de Zwinglio, de Calvino, de Henrique VIII, de Melanchthon) e fustigaram a Europa com guerras generalizadas, incluindo violências contra a cidade de Roma por parte de imperadores ditos católicos. Estes tempos difíceis foram também uma época de grandes santos, que sacudiram a tibieza e a corrupção da sociedade com propostas exigentes de renovação espiritual. 

Conviveram com S. Filipe Neri muitas figuras deste calibre, como Santo Inácio de Loyola, S. Pio V, S. Carlos Borromeo e são contemporâneos dele Santa Teresa de Ávila, S. João da Cruz e S. Pedro de Alcântara. Mas Filipe não foi herege nem reformador austero, foi um santo brincalhão, desconcertante, ao mesmo tempo que um grande santo.

Era um homem de profunda oração, mas até nisso não perdeu o humor, por vezes atrevido com o próprio Deus. Até nos milagres, S. Filipe Néri foi original.

O episódio que me chamou a atenção começou de forma dramática quando a Sra. Lavinia, mulher de Fabrizio Massimo, amigo de S. Filipe, estava para dar novamente à luz. O casal já tinha cinco filhas, mas o sexto parto ia muito mal encaminhado. Fabrizio recorreu a S. Filipe e este, depois de rezar, tranquilizou-o com toda a segurança: tudo ia correr bem, iam ter um rapaz saudável e deveriam dar-lhe o nome de Paolo. Realmente, tudo aconteceu como previsto.

Catorze anos depois, já a mãe do rapaz tinha morrido e também uma das irmãs, Paolo adoece gravemente. A doença arrasta-se por vários meses e Filipe visita-o todos os dias. Finalmente, o jovem entra em agonia. Filipe foi chamado à pressa mas, como estava a celebrar a Missa, demorou algum tempo e só chegou quando o rapaz já tinha morrido.

A cena é fácil de imaginar: o cadáver inerte sobre a cama, rodeado pelo pai, as irmãs e os vizinhos, a chorar e a prepararem o enterro.

Filipe ajoelhou-se perto da cama em oração. Rigoroso silêncio. A seguir, pegou num frasco de água benta, aspergiu o corpo e chamou com força: «Paolo! Paolo!». Paolo abriu os olhos e disse «Padre». Filipe e Paolo ficaram a conversar um quarto de hora, como se nada fosse, rodeados pelos circunstantes, boquiabertos. A certa altura, Filipe pergunta a Paolo se queria continuar vivo ou se preferia ir para junto da mãe e da irmã, no Céu. Paolo escolheu a segunda alternativa. 

No processo de canonização, o próprio pai testemunhou o acontecido: «Então, Filipe, na minha presença, deu-lhe a bênção e, impondo-lhe a mão sobre a fronte, disse-lhe –e eu o ouvi–: “Vai, sê abençoado e reza a Deus por mim”. E tendo Filipe dito estas palavras, Paolo, com o semblante sereno, sem fazer nenhum gesto, nas mãos desse bem-aventurado sacerdote, na minha presença..., voltou subitamente a morrer».

No palácio da família Massimo celebra-se todos os anos, no dia 16 de Março, data do milagre, uma Missa em recordação deste episódio.

José Maria C.S. André

Santa Sé esclarece que não é lícito abençoar parelhas do mesmo sexo

Face à confusão que existe em algumas dioceses mais progressistas, nomeadamente na Alemanha, a Congregação para a Doutrina da Fé respondeu a um Dubium sobre a possibilidade que uma parelha de pessoas do mesmo sexo recebesse uma bênção por parte de um membro do clero. A resposta foi muito clara: Não. Jamais. Em parte alguma.

Aqui ficam alguns trechos do documento com a resposta:

"Não é lícito conceder uma bênção a relações, ou mesmo a parcerias estáveis, que implicam uma prática sexual fora do matrimônio (ou seja, fora da união indissolúvel de um homem e uma mulher, aberta por si à transmissão da vida), como é o caso das uniões entre pessoas do mesmo sexo. (...)

Já que as bênçãos sobre as pessoas possuem uma relação com os sacramentos, a bênção das uniões homossexuais não pode ser considerada lícita, enquanto constituiria de certo modo uma imitação ou uma referência de analogia à bênção nupcial, invocada sobre o homem e a mulher que se unem no sacramento do Matrimónio, dado que «não existe fundamento algum para assimilar ou estabelecer analogias, nem sequer remotas, entre as uniões homossexuais e o desígnio de Deus sobre o matrimónio e a família». (...)

A Igreja não dispõe, nem pode dispor, do poder de abençoar uniões de pessoas do mesmo sexo no sentido acima indicado.

O Sumo Pontífice Francisco, no curso de uma Audiência concedida ao abaixo assinado Secretário desta Congregação, foi informado e deu seu assentimento à publicação do mencionado Responsum ad dubium, com a Nota explicativa anexa.
 
Dado em Roma, da Sede da Congregação para a Doutrina da Fé, aos 22 de Fevereiro de 2021, Festa da Cátedra de São Pedro, Apóstolo."
 
Luis F. Card. Ladaria, S.I.
Prefeito

 

 

Giacomo Morandi

Arcebispo tit. de Cerveteri
Secretário
 

domingo, 14 de março de 2021

A nossa alma é o guerreiro e o nosso corpo a armadura

Uma das discussões mais recorrentes que tenho, tanto no meu trabalho quanto nas relações pessoais, é a respeito da questão da alma. Estou cercado de “espiritualistas” e “materialistas” que insistem em bombardear-me, a todo momento, com verdadeiras “catequeses” a respeito da suas posições filosóficas (seria talvez mais preciso dizer “religiosas”) e insistindo para que eu tome uma posição: entre corpo e alma, de que lado fico?

Sobre a “dominação mítica e as fábulas religiosas cruéis”

Este é mais um daqueles falsos dilemas que nos são apresentados nos debates e nas conversas, sejam as presenciais, sejam as virtuais, em redes sociais e similares. Tenho muitos amigos materialistas, ou assim declarados, que querem convencer-me de que os “espiritualistas” estão errados, e que simplesmente não existe e nem pode existir algo como uma “alminha” que pilota o corpo humano, um “espírito” que habita em nós misteriosamente e que precede, sobrevive ou mesmo independentemente do corpo, e que a ele se junta acidentalmente em determinado tempo. 

Este mito “metafísico” é, dizem eles, a sobrevivência de velhos conceitos supersticiosos que precisam ser destruídos pela ciência e pela racionalidade contemporâneas. O corpo seria tudo: “toda a física e toda a metafísica, todo o sagrado e todo o profano, toda a consciência e toda a inconsciência”, como um deles me afirmou, categoricamente. Todo o resto, toda a metafísica que defende a existência desse “fantasma esotérico” (como ele chamava à alma humana) seria simplesmente o recurso moralista daqueles que “odeiam o corpo, odeiam a liberdade humana”. 

Assim, liberdade seria simplesmente a possibilidade de dizer sim a qualquer libido, a qualquer desejo, a qualquer inclinação corporal que não implique a destruição do corpo. O mais seria mera “dominação mítica, fábulas religiosas cruéis”. “Que nos deram vocês, os espiritualistas”, disse-me este meu amigo, “se não a repressão injusta e detestável dos prazeres corporais, em nome das suas fraquezas metafísicas? Vocês não admitem o culto do corpo, porque amam a repressão e a morte. Que fiquem com a morte, vocês que amam o martírio. Deixem a vida para nós, que somos fortes o suficiente para viver sem as ilusões religiosas dos fracos. Renunciaremos a este dualismo medieval entre corpo e alma, quando assumirmos a realidade exclusiva do corpo e do sim a todas as suas exigências!”

Espiritualistas

Que adiantaria explicar ao meu interlocutor que não sou nenhum “espiritualista”, no sentido dualista que ele estava coloca? A sua “fé” materialista não admitiria nenhuma contestação. Ele chegou a dizer: “Duvidas que o corpo é tudo? Experimenta passar fome, mendigar e dormir ao relento e adoecer. Verás como mudarás de ideias. Porque as nossas convicções todas são apenas estados mentais, que reflectem as necessidades do nosso corpo. E os nossos medos e desejos são os medos e desejos de nosso corpo.” Ele só não me explicou como chegou a descobrir isto sem ter experimentado pessoalmente (como eu sei que ele não experimentou) nenhum desses sofrimentos.

Mas os verdadeiros “espiritualistas”, aqueles que defendem a dualidade entre “corpo e alma”, não estão ausentes das nossas conversas no cafezinho. Tanto aqueles que se dizem cristãos e desprezam “as coisas deste mundo”, que seria o “mundo de Satanás”, em prol de uma salvação etérea e estritamente “espiritual”, que não envolverá o nosso corpo, mas apenas nossa alma enviada a um “paraíso” de anjinhos e harpas; quanto aos “espíritas” das mais diversas matizes, que acreditam que nós somos apenas “alminhas” presas num corpo “grosseiro” para fins de aperfeiçoamento e “evolução espiritual”; a alma e o corpo seriam, então, para estes, dois entes completamente estranhos entre si, e mais: para eles apenas à alma pertence verdadeiramente a natureza humana.

O corpo não é mera extensão e a alma não é mero pensamento imaterial

A determinado momento da conversa, tomei a palavra e disse: “Não posso concordar com a proposição de que o corpo é mera extensão, e a alma, mero pensamento imaterial. Esta, aliás, não é uma ideia medieval, mas o exacto centro da filosofia cartesiana, que é moderna.” Como notei que eles estavam atentos, prossegui: “Eu entendo e defendo que o corpo é uma coisa individualizada pela matéria. Um boneco de pano é um corpo, e uma pessoa humana também é um corpo. O que nos torna, a nós humanos, qualitativamente diferentes de qualquer outro amontoado de matéria é a nossa forma, amigo. Um corpo é uma coisa individual com uma forma, portanto, um corpo é uma unidade, e não possui nada fora de si mesmo; portanto, não há fantasminhas humanos no sentido que vocês, materialistas, combatem. Mas os seres corporais não são uma simplicidade, como a tese materialista parece reduzir – O corpo é uma unidade de forma e matéria. Mas ser uno é diferente de ser simples.”

“Como assim?” Perguntou-me o materialista.

“Fácil”, respondi. “Pensa num carro. Convenientemente, há um automóvel que se chama 'Uno'; e, embora ele seja “uno', ele não é simples: é composto de várias peças, partes, que, juntas numa determinada ordem, constituem-no como carro. Esta ordem é a forma.”

“Um corpo”, prossegui, “é, já em si mesmo, um composto uno, individual e indivisível de matéria e forma; a forma dá-lhe inteligibilidade, a matéria dá-lhe alteridade ou individualidade. Matéria e forma compõem o corpo, e não existem fora dos corpos que compõem, portanto, no teu materialismo grosseiro, estás certo em dizer que não há nada além do corpo com individualidade na realidade. Os números matemáticos, por exemplo, não têm matéria, mas existem. Existem, portanto, apenas nas nossas mentes. Se não houvesse ninguém para pensá-los, eles não existiriam. Isto não significa que sejam irreais, mas não têm individualidade: se eu e tu pensamos ao mesmo tempo no número dois, ele existe simultaneamente na minha mente e na tua; mas um ser corporal só existe num lugar, e portanto a sua realidade é o seu corpo!”

“O problema”, prossegui, “é que a forma de um corpo não é sua matéria, já que todos os corpos têm matéria; a forma especifica o corpo na sua inteligibilidade. Uma pedra não é uma formiga, e esta não é um ser humano. Um prato de almoço não é um vaso sanitário. O que diferencia os dois não é a porcelana, que é a matéria que os compõem, mas a forma que têm...”

A alma é a própria forma do corpo

“Os seres vivos", prossegui, “têm algo na sua forma que os diferencia dos seres inertes, e isto consiste na sua capacidade de serem causa do próprio movimento. A isto chama-se alma: uma forma corporal capaz de ser causa do próprio movimento. O meu amigo 'espiritualista” está errado, creio. A alma não é, como ele diz e tu negas, um algo no corpo. Ela é a própria forma do corpo, sem a qual o corpo vivo nem seria corpo."

Continuei: “Dá para pensar isto até no plano estritamente empírico: se um corpo não causa o seu próprio movimento, a sua forma é inerte. Se causa, a sua forma é activa, e se chama alma. Ser corpo dotado de forma activa, ou alma, é o que compartilhamos com todos os seres vivos – é a nossa natureza comum com eles”.

À forma corporal que, além de ser causa do próprio movimento, é ainda capaz de reflexão filosófica, moral e religiosa, chamamos de espírito.

“Há algo, no entanto, que especifica a forma humana, frente às outras formas do género animal. Se compartilhamos com os animais uma forma capaz de ser causa do nosso movimento, e portanto a nossa forma pode ser chamada, como a dos animais e vegetais, de alma, nós não compartilhamos com eles a nossa capacidade de reflexão, seja filosófica, seja religiosa, seja moral. Eu nunca discuti filosofia ou religião com nenhum animal que não fosse humano! À forma corporal que, além de ser causa do próprio movimento, é ainda capaz de reflexão filosófica, moral e religiosa, chamamos de espírito. Mas ele não existe na realidade que se apresenta a nós senão como forma de alguma coisa, de um ser humano real e concreto, e portanto não me peça para concordar com todos esses 'espiritualistas' e 'espíritas' que negam o valor da matéria e consideram o 'espírito' humano como um ser em si mesmo. Ele não é! Se ele subsiste ou não à morte, é algo que não está em discussão aqui.

Mas se o espírito humano fosse um ser completo em si mesmo, seria inteligível defender a existência, por exemplo, de 'almas femininas em corpos masculinos', e a necessidade de mutilação do corpo, neste caso, para supostamente adaptar o corpo, que seria inferior, à alma, como ente superior à matéria e perfeito em si mesmo, o que soaria como um absurdo filosófico a qualquer pensador que parta de onde partimos. Ora, se a alma é simplesmente a forma do corpo, então não há nenhuma coerência em nem sequer pleitear a eventual existência de uma alma que tivesse em si mesmo uma forma diversa daquela do corpo que ela constitui. Quaisquer eventuais desajustes de identidade, aí, estariam no plano psicológico ou emocional, e não no plano do ser".

A essa altura, ambos os debatedores entreolharam-se, e concordaram em dizer-me simplesmente: “complicas demais as coisas!” E foram discutir em outro lugar.

Paulo Vasconcelos Jacobina in Zenit

sábado, 13 de março de 2021

10 motivos para ir à Missa Tradicional

1. Sereis como santos

Levando em consideração que a Missa celebrada até 1970 era, praticamente, a de São Gregório Magno (codificada em torno do ano 600), estamos a falar de 1400 anos da vida da Igreja, ou seja, a maior parte da história dos seus santos. As orações, os hinos, as leituras que alimentaram a fé dos santos são as mesmas que alimentam a nossa. 

É a missa de São Tomás de Aquino, quem compôs o próprio da festa de Corpus Christi; é a missa que assistia São Luis, Rei de França até três vezes por dia; é a Missa na qual São Felipe Neri caía em êxtases durante os quais era preciso ampará-lo; é a Missa que se celebrava clandestinamente em Inglaterra e na Irlanda na época das perseguições; é a Missa que rezava São Damião de Molokai na capela construída com as suas mãos leprosas… 

2. O que é verdadeiro para nós é ainda mais para nossos filhos 

A liturgia tradicional forma a mente e o coração dos nossos filhos nos louvores divinos, por meio do exercício das virtudes da humildade, obediência e adoração silenciosa. Preenche os seus sentidos e sua imaginação com os sinais e os símbolos sagrados, com “cerimónias místicas” como as chamava o Concílio de Trento. Os pedagogos sabem que as crianças são mais sensíveis às ilustrações visuais do que a longos discursos. A solenidade da liturgia tradicional abrirá às crianças catequizadas a transcendência, e fará nascer em muitos meninos varões o desejo do serviço ao altar. 

3. A Missa Universal

A liturgia tradicional não só estabelece um vínculo de unidade temporal entre a nossa geração e as que nos precederam, mas também um vínculo de unidade especial entre todos os fiéis do Mundo. Antes da reforma litúrgica era um grande consolo para os viajantes descobrir que além das culturas e das línguas, a Missa era sempre a mesma em todas as partes, a mesma que celebrava o sacerdote da sua paróquia. Era também a mais evidente confirmação da autêntica catolicidade do seu catolicismo. Que contraste com certas paróquias actuais onde a Missa muda de um sacerdote para o outro e de um Domingo para o outro. 

4. Sabemos o que esperar

Uma cerimónia centrada no sacrifício de Nosso Senhor no Calvário. O silêncio, antes, durante e depois. Apenas meninos a fazer acólitos. Apenas mãos consagradas para tocar o Corpo de Cristo. Nada de extravagâncias nos ornamentos ou na música. Por outras palavras, a única actividade que o homem, quando não se se celebra de maneira inadequada, não pode desviar do seu único propósito: o culto ao verdadeiro Deus. 

O Pe. Johathan Robinson, do Oratório de São Felipe Néri, no seu livro 'The Mass and Modernity' (Ignatius Press, 2005), escrito antes de que se familiarizasse com a liturgia tradicional, assinala que a atracção principal e perene do que ainda era o rito antigo é que ele oferece “um propósito transcendente”, ainda que seja mal celebrado.[1] Enquanto a Missa Nova, nada garante a “centralidade do mistério pascal”.[2] 

5. É original

O rito romano tradicional tem uma orientação teo e cristocêntrica patente, manifesta tanto na posição ad Orientem do celebrante como nos ricos textos do missal que destacam o mistério trinitário, a divindade de Nosso Senhor e o Seu sacrifício na Cruz. Como bem documentado pelo professor Lauren Pristas,[3] as orações do novo missal carecem de clareza na expressão do dogma e ascetismo católicos; no entanto, as orações do velho missal não têm nenhuma ambiguidade ou equívoco. É cada vez maior o número de católicos que não tem conhecimento de até que ponto a reforma litúrgica foi precipitada e de como leva a uma confusão por causa de suas opções quase ilimitadas e da sua descontinuidade com os catorze séculos anteriores de oração da Igreja. 

6. Um santoral superior

Nos debates litúrgicos, uma grande parte dos intercâmbios centra-se, não surpreendentemente, na defesa ou crítica das mudanças feitas no Ordinário da Missa. Mas não devemos esquecer que uma das diferenças mais importantes introduzidas no missal de 1970 é o seu calendário, começando pelo santoral. O calendário de 1962 é uma maravilhosa introdução à história da Igreja primitiva, hoje tantas vezes esquecida. Está tão providencialmente ordenado que a sucessão de certas festividades forma conjuntos que ilustram uma faceta particular da santidade. 

Por seu lado, os criadores do calendário reformado eliminaram ou degradaram 200 santos, começando por São Valentino. São Cristóvão, o padroeiro dos viajantes, desapareceu, com a desculpa de que não teria existido, apesar das inúmeras vidas que salvou. Privilegiou-se de forma sistemática a ciência histórica moderna em relação as tradições orais da Igreja. Esta preferência científica faz pensar nas seguintes palavras de Chesterton na sua obra Ortodoxia: “É muito fácil compreender por que uma lenda é considerada e deve ser considerada com maior respeito que uma obra histórica. A lenda é, geralmente, obra da maioria dos membros da aldeia, uma maioria de homens de espírito são. O livro, geralmente, é escrito pelo único homem louco da aldeia.”

7. Um temporal superior

O temporal também sofreu alterações. O ciclo litúrgico é muito mais rico no calendário de 1962. Cada Domingo do ano tem o seu conteúdo próprio, que é uma espécie de marcador para os fiéis graças ao qual podem medir, ano após ano, seu progresso ou retrocesso espiritual. O calendário tradicional observa antigas circunstâncias recorrentes, como as Quatro Têmporas ou as Rogativas que manifestam, além de nossa gratidão para com o Criador, a nossa submissão alegre ao ciclo natural das estações e das colheitas. 

O calendário tradicional não tem um “tempo ordinário”, expressão muito infeliz, considerando que depois da Encarnação já nada pode ser “ordinário”; em contraste, tem um tempo depois da Epifania e um tempo depois de Pentecostes, o que prolonga o eco dessas festas. Como Natal e Páscoa, Pentecostes, festa não menor, tem a sua oitava na qual a Igreja conta com tempo suficiente para renovar o seu ardor sob o influxo do fogo celestial. Sem deixar de mencionar o tempo da Septuagésima que ajuda o povo de Deus a passar com suavidade da alegria do Natal para a dor da Quaresma. Todos estes tesouros preciosamente conservados ligam-nos com a Igreja dos primeiros séculos… 

8. Uma melhor introdução à Bíblia

A opinião corrente pretende que um dos principais progressos do Novus Ordo é o seu ciclo trienal e as leituras mais numerosas que supostamente ajudam a um melhor conhecimento da Bíblia. Mas com isso se ignora que, embora seja verdade que a nova disposição tenha multiplicado as leituras, também foi destruído o vínculo que as unia no Vetus Ordo e que constituía a trama da Missa, Domingo a Domingo. 

Em termos de leituras bíblicas, o Ordo tradicional responde a dois princípios admiráveis: – em primeiro lugar, as passagens não são escolhidas pelos seus interesses (a fim de cobrir a maior extensão possível da Escritura) mas para iluminar a festividade particular celebrada; – em segundo lugar, o acento, ao invés de uma alfabetização bíblica dos fiéis, está posto na “mistagogia”. Por outras palavras, as leituras da missa não são concebidas como um curso bíblico dominical, mas como uma iniciação progressiva aos mistérios da fé através da liturgia. O seu número limitado, a sua concisão, a sua pertinência litúrgica e sua repetição anual torna-as em um agente muito eficaz de formação espiritual e numa perfeita preparação para o sacrifício eucarístico. 

9. A devoção à Sagrada Eucaristia

Naturalmente, a forma ordinária pode ser celebrada com reverência e devoção no momento da comunhão, pode acontecer que só a distribuam os ministros ordenados aos fiéis na boca. Mas todos os domingos, na maioria das paróquias ordinárias, recorre-se aos ministros extraordinários para dar a sagrada comunhão aos fiéis presentes, que, em grande medida, a recebem na mão. Estas duas atitudes minam profundamente o sacrossanto respeito devido ao Santíssimo Sacramento e, portanto, a compreensão do mistério eucarístico. E mesmo quando se comunga na boca, em pé na fila do sacerdote em vez da do ministro extraordinário, corre-se o risco de se aproximar de Jesus-Hóstia com a alma distraída, atormentada ou mesmo indiferente, o que não é melhor. 

Momento de grande solenidade, tradicionalmente muito edificante para as crianças, a comunhão acaba, deste modo, por converter-se num momento de agitação e confusão. O esquecimento da presença real de Nosso Senhor na Sagrada Eucaristia conduz inexoravelmente na “protestantização” de nossa relação com Deus. Enquanto o indulto da comunhão na mão não for abolido, a liturgia tradicional é a única forma segura para preservar e alimentar nossa compreensão do mistério da presença real de Nosso Senhor Jesus Cristo tanto na Sagrada Eucaristia como na Igreja e nas nossas vidas de cristãos. 

10. O mistério da Fé

Se fôssemos ficar apenas com uma razão que justificasse a escolha Missa Tradicional seria simplesmente porque esta é a expressão mais perfeita do Mistério da Fé. O que São Paulo chamou musterion e que a tradição latina designa com os termos de mysterium e sacramentum é tudo menos um conceito marginal na Cristandade. A incrível revelação de Deus aos homens, ao longo de toda história e em particular na pessoa de Cristo, é um mistério no sentido mais elevado do termo: é a revelação de uma realidade perfeitamente inteligível mas sempre inevitável, sempre luminosa mas que nos cega com a sua mesma luminosidade. As cerimónias litúrgicas que nos colocam em contacto com Deus deveriam levar o selo da Sua presença misteriosa e infinita. Pela sua língua sagrada, pelo seu ordenamento, pela sua música e a postura do sacerdote a Missa Tradicional tem, sem dúvida alguma, esse selo. Ao favorecer o sentido do sagrado, a Missa Tradicional conserva intacto o mistério da fé.[4] 

Peter Kwasniewski in Life Site News
Tradução: sensusfidei.com.br

Notas: 

[1] Jonathan Robinson, The Mass and Modernity, Ignatius Press, 2005, p. 307.
[2] Ibid., p. 311.
[3] Collects of the Roman Missal: A Comparative Study of the Sundays in Proper Seasons Before and After the Second Vatican Council, London, T&T Clark, 2013.
[4] Por muitos séculos – e até mesmo, de acordo com St. Thomas de Aquino, a partir dos Apóstolos – o sacerdote diz “Mysterium fidei” no momento da consagração do cálice.

sexta-feira, 12 de março de 2021

Imitação de Cristo: Desprezo de todas as vaidades do mundo

1. Quem me segue não anda nas trevas, diz o Senhor (Jo 8,12). São estas as palavras de Cristo, pelas quais somos advertidos que imitemos sua vida e seus costumes, se verdadeiramente queremos ser iluminados e livres de toda cegueira de coração. Seja, pois, o nosso principal empenho meditar sobre a vida de Jesus Cristo.

2. A doutrina de Cristo é mais excelente que a de todos os santos, e quem tiver seu espírito encontrará nela um maná escondido. Sucede, porém, que muitos, embora ouçam frequentemente o Evangelho, sentem nele pouco enlevo: é que não possuem o espírito de Cristo. Quem quiser compreender e saborear plenamente as palavras de Cristo é-lhe preciso que procure conformar à dele toda a sua vida.

3. Que te aproveita discutires sabiamente sobre a SS. Trindade, se não és humilde, desagradando, assim, a essa mesma Trindade? Na verdade, não são palavras elevadas que fazem o homem justo; mas é a vida virtuosa que o torna agradável a Deus. Prefiro sentir a contrição dentro de minha alma, a saber defini-la. Se soubesses de cor toda a Bíblia e as sentenças de todos os filósofos, de que te serviria tudo isso sem a caridade e a graça de Deus? Vaidade das vaidades, e tudo é vaidade (Ecle 1,2), senão amar a Deus e só a ele servir. A suprema sabedoria é esta: pelo desprezo do mundo tender ao reino dos céus.

4. Vaidade é, pois, buscar riquezas perecedoras e confiar nelas. Vaidade é também ambicionar honras e desejar posição elevada. Vaidade, seguir os apetites da carne e desejar aquilo pelo que, depois, serás gravemente castigado. Vaidade, desejar longa vida e, entretanto, descuidar-se de que seja boa. Vaidade, só atender à vida presente sem providenciar para a futura. Vaidade, amar o que passa tão rapidamente, e não buscar, pressuroso, a felicidade que sempre dura.

5. Lembra-te a miúdo do provérbio: Os olhos não se fartam de ver, nem os ouvidos de ouvir (Ecle 1,8). Portanto, procura desapegar teu coração do amor às coisas visíveis e afeiçoá-lo às invisíveis: pois aqueles que satisfazem seus apetites sensuais mancham a consciência e perdem a graça de Deus.”

Padre Tomás de Kempis in Imitação de Cristo