Respondo. Há cinco opiniões a este respeito. A primeira é a de Alberto Pighi, no livro 4, capítulo 8 Sobre a Hierarquia Eclesiástica, onde sustenta que o papa não pode ser herege. Portanto, não pode ser deposto em nenhum caso. Esta sentença é provável e pode ser facilmente defendida, como depois mostraremos oportunamente. Todavia, por não ser certa, e a opinião comum é contrária, será necessário examinar o que se deverá ser respondido caso um papa possa ser herege.
Há, portanto, uma segunda opinião, segundo a qual o papa, pelo próprio facto de ter incorrido em heresia, está fora da Igreja e deposto por Deus, pelo que pode ser julgado pela Igreja, isto é, ser declarado deposto por direito divino, e ser deposto de facto, caso ainda se recuse a ceder. Esta é a opinião de João de Torquemada, conforme consta no livro 4, parte 2, capítulo 20, mas para mim não está demonstrada. Pois a jurisdição do pontífice é dada por Deus, embora com o concurso da acção humana, como é evidente, porque é pelos homens que este homem, que antes não era papa, possui que começa a ser papa. Portanto, não é conferido por Deus senão através do homem. Ora, o herege oculto não pode ser julgado pelo homem, nem ele mesmo quererá abandonar espontaneamente este poder. Ademais, o fundamento desta opinião é que os hereges ocultos estão fora da Igreja, o que mostramos amplamente ser falso no livro 1 Sobre a Igreja.
A terceira opinião situa-se no outro extremo, a saber, que não é deposto, ou pode ser deposto, nem por heresia oculta, nem manifesta. Esta é mencionada e refutada por Torquemada no lugar citado e, sem dúvida, é opinião muito improvável. Em primeiro lugar, porque o papa herege pode ser julgado, como se encontra expressamente no canon Si Papa, distinção 40, e em Inocêncio, no Sermão 2 sobre a Consagração do Pontífice. E, o que é ainda mais, nas atas 7 do Sínodo VIII, onde se leem as atas do concílio romano sob Adriano, encontramos que o papa Honório, acusado de heresia, foi anatematizado pelo direito, de onde que se depreende que somente por esta causa é lícito que os menores julguem os maiores. Deve-se notar que, ainda que seja provável que Honório não tivesse sido herege, e que o papa Adriano II, iludido pelos exemplares corrompidos do VI Sínodo, tivesse julgado falsamente que Honório tivesse sido herege, todavia não podemos negar que Adriano, com o concílio romano e, mais ainda, todo o VIII Sínodo Geral entendeu que em causa de heresia o romano pontífice romano pode ser julgado. Acrescente-se que a condição da Igreja seria miserabilíssima se fosse obrigada a reconhecer como pastor ao lobo que age manifestamente.
A quarta opinião é a de Caetano, no Tratado sobre a Autoridade do Papa e do Concílio, capítulos 20 e 21, onde ensina que o papa manifestamente herege não é deposto pelo próprio facto, mas pode e deve ser deposto pela Igreja. Esta sentença, em meu julgamento, não pode ser defendida. Porque, em primeiro lugar, prova-se, pela autoridade e pela razão, que o herege manifesto é deposto pelo próprio facto. A autoridade é de São Paulo, que ordena, na Epístola a Tito, capítulo 3, que o herege, depois de duas correções, isto é, depois que se mostre manifestamente pertinaz, seja evitado, o que se entende antes de qualquer excomunhão e sentença judicial. No mesmo lugar escreve Jerónimo que outros pecadores são excluídos da Igreja pela sentença de excomunhão, mas que os hereges se afastam e se separam por si mesmos do corpo de Cristo, e um papa, que permanece papa, não pode ser evitado. Como evitaremos a nossa cabeça? Como nos afastaremos de um membro a nós unido?
Porém a razão mais certa é a seguinte. Um não-cristão não pode de modo algum ser papa, como declara Caetano no capítulo 26 do mesmo livro, e a razão é porque não pode ser cabeça quem não é membro; e não é membro da Igreja quem não é cristão. Mas o herege manifesto não é cristão, como abertamente ensina Cipriano, no livro 4, Epístola 2; Atanásio, no Sermão 2 contra os Arianos; Agostinho, no Livro sobre a Graça de Cristo, capítulo 20; Jerónimo, no Contra Lúcifer, e outros. Portanto, o herege manifesto não pode ser papa.
Responde Caetano, na Apologia ao tratado mencionado, capítulo 25, e no mesmo Tratado, capítulo 22, que o herege não é cristão de modo simples, mas sob um certo aspecto. Pois duas coisas fazem o cristão, a saber, a fé e o caráter, e o herege, perdendo a fé, ainda estaria unido à Igreja de algum modo, sendo assim capaz de jurisdição. Portanto, ainda seria papa, mas deveria ser deposto, pois pela heresia está disposto, por disposição última, a não ser papa, tal como um homem não verdadeiramente morto, mas em situação extrema.
Mas, em contrário, primeiramente, se o herege, em razão do caráter, permanecesse unido em acto com a Igreja, nunca poderia ser cortado e ser dela separado em acto, porque o caráter é indelével. Todos, porém, sustentam que alguns podem ser excluídos de facto da Igreja. O caráter, portanto, não faz o herege estar em acto na Igreja, mas é somente sinal de que estava na Igreja e que deveria estar na Igreja, como a marca impressa na ovelha, quando erra pelos montes, não a faz estar no redil, mas indica de qual redil fugiu e para onde poderá ser reconduzida. Santo Tomás confirma o mesmo quando diz, na IIIª parte, questão 8, artigo 3, que aqueles que carecem de fé não estão unidos a Cristo em acto, mas somente em potência, onde fala da união interna, não da externa, a qual é pela confissão da fé e pelos sacramentos visíveis. Segundo São Tomás, portanto, como o caráter pertence às coisas internas e não às externas, o homem não se une a Cristo somente pelo caráter.
Por conseguinte, ou a fé é uma disposição necessária de modo simples para que alguém seja papa, ou somente para que o seja convenientemente. No primeiro caso, portanto, afastada essa disposição pela contrária que é a heresia, imediatamente deixará de ser papa, pois a forma não pode conservar-se sem as disposições necessárias. No segundo caso, o papa não poderia ser deposto por causa da heresia; deveria então ser deposto por ignorância, improbidade ou outras coisas semelhantes, as quais excluem a ciência, a probidade e outras disposições necessárias para ser bom papa. Ademais, no capítulo 26 do mencionado tratado, Caetano sustenta que o papa não pode ser deposto pela ausência de disposições não necessárias de modo simples, que somente o fariam ser bom papa.
Responde Caetano que a fé é uma disposição necessária de modo simples, mas parcial, não total; e, por conseguinte, removida a fé, o papa ainda permanece papa por causa da outra parte da disposição, chamada caráter, e que ainda permanece.
Mas, em contrário, ou a disposição total, que é o caráter e também a fé, é necessária de modo simples, ou não é, sendo suficiente a parcial. No primeiro caso, removida a fé, não mais permanece a disposição necessária de modo simples, porque a total era necessária de modo simples, e já ao está mais presente a total. No segundo caso a fé não é mais requerida senão por maior conveniência e, por consequência, o papa não pode ser deposto devido à sua ausência. De facto, aqueles que têm a última disposição para a morte, pouco depois deixam de existir sem outra força externa, como é evidente; portanto, também o papa herege deixa de ser papa por si, sem necessidade de deposição.
Por fim, os santos Padres ensinam unanimemente que não só os hereges estão fora da Igreja, mas também carecem pelo próprio facto de toda jurisdição e dignidade eclesiástica. Cipriano, no livro 2, Epístola 6, afirma que todos os hereges e cismáticos absolutamente nada têm de poder e direito. E no livro 2, Epístola 1, ensina que os hereges que retornam para a Igreja devem ser aceitos como leigos, mesmo os que anteriormente hajam sido, na Igreja, presbíteros ou bispos. Optato, no livro 1 Contra Parmênides ensina que os hereges e os cismáticos não podem ter as chaves do reino dos céus, nem desligar ou ligar. Também Ambrósio, no livro 1, capítulo 2 Sobre a Penitência, e Agostinho, no Enchiridion, capítulo 65. Jerònimo, no livro Contra Lúcifer, ensina o mesmo, dizendo não que possa haver bispos que tenham sido hereges, mas ser coisa sabida que os que foram recebidos não foram hereges.
O Papa Celestino I, na Epístola a João de Antioquia, que pode ser encontrada no Concílio de Éfeso, tomo 1, capítulo 19, afirma que se alguém foi excomungado ou despojado da dignidade clerical ou da prelazia pelo bispo Nestório, ou por outros que o seguiram, a partir do qual tais coisas começaram a ser pregadas, é manifesto que este tenha permanecido e permaneça em nossa comunidade, e não o julgamos removido, porque a sentença de quem já se havia mostrado que deveria ter sido removido não poderia remover ninguém. E na Epístola ao Clero de Constantinopla, diz que a autoridade de nossa Sede não proibiu nenhum bispo, clérigo ou cristão por alguma profissão, que tivesse sido expulso ou excomungado por Nestório ou por seus semelhantes, que a partir dele começaram a pregar tais coisas, porque quem prevaricou pregando tais coisas não poderia afastar ou remover ninguém. O mesmo repete e confirma Nicolau I na Epístola a Miguel. Por fim, também S. Tomás, na Secunda Secundae, questão 39, artigo 3, ensina que os cismáticos perdem de imediato toda a jurisdição e que será inválido o que tentarem fazer por jurisdição.
Nem prevalece que alguns respondam que estes Padres se expressam segundo o direito antigo; hoje, porém, depois do decreto do Concílio de Constantinopla, somente perdem a jurisdição os nominalmente excomungados e os que agridem o clero. Digo que isto nada vale, pois aqueles Padres, ao dizerem que os hereges perdem a jurisdição, não mencionam nenhum direito humano, que talvez na época não existisse, mas argumentam a partir da natureza da heresia. Ora, o Concílio de Constantinopla não fala senão dos excomungados, isto é, daqueles que por sentença da Igreja perderam a jurisdição. Os hereges, porém, mesmo antes da excomunhão estão fora da Igreja e, privados de toda jurisdição, são de facto condenados pelo próprio juízo, como ensina o apóstolo no terceiro capítulo da Epístola a Tito, isto é, que estão cortados do corpo da Igreja sem excomunhão, como expõe Jerónimo.
De onde que, segundo afirma Caetano, que o papa herege possa ser verdadeiramente deposto pela Igreja e por autoridade não parece ser menos falso que o anteriormente dito. Pois se a Igreja depõe o papa contra a sua vontade, ela certamente está acima do Papa, embora Caetano defenda o contrário naquele tratado. Mas ele responde que a Igreja, ao depor o papa, não possui autoridade sobre o papa, mas somente sobre a união da pessoa com o pontificado, assim como a Igreja pode unir o pontificado com tal pessoa, sem que se possa dizer que por causa disto esteja acima do pontífice. Assim também pode separar o pontificado de tal pessoa em caso de heresia e, todavia, não se é dita estar acima do pontífice.
Mas, ao contrário, em primeiro, pelo facto de depor bispos, conclui-se que o papa está acima de todos os bispos e, no entanto, o papa, ao depor um bispo não destrói o episcopado, mas apenas o separa daquela pessoa. Em segundo, não há dúvida de que ser deposto do pontificado contra a vontade é punição. A Igreja, portanto, ao depor o papa contra a vontade, sem dúvida o pune, e punir pertence ao superior e ao juiz. Em terceiro, segundo Caetano e os demais tomistas, o todo e as partes, estas últimas simultaneamente tomadas, são o mesmo segundo a coisa; portanto, quem tem autoridade sobre as partes simultaneamente tomadas, de tal modo que possa separá-las, tem também autoridade sobre o próprio todo que é constituído por estas partes.
Tampouco vale o exemplo de Caetano dos eleitores que têm o poder de atribuir o pontificado a uma determinada pessoa e, todavia, não têm poder sobre o papa. Pois enquanto a coisa é feita, a ação é exercida sobre a matéria da coisa futura, e não sobre o composto que ainda não existe. Mas quando a coisa é destruída, a ação é exercida sobre o composto, como é manifesto nas coisas naturais. Assim, quando os cardeais criam o pontífice, exercem sua autoridade não acima do pontífice, porque este ainda não existe, mas sobre a matéria, isto é, sobre a pessoa que, pela eleição, de algum modo dispõem para que receba de Deus a forma do pontificado. Mas se depusessem o pontífice, necessariamente exerceriam autoridade sobre o composto, isto é, sobre a pessoa revestida pela dignidade pontifícia, isto é, acima do pontífice.
Portanto, a quinta opinião é a verdadeira. É manifesto que o papa herege cessa por si de ser papa e cabeça, assim como por si cessa de ser cristão e membro do corpo da Igreja, razão pela qual a Igreja pode julgá-lo e puní-lo. Esta é a sentença de todos os antigos Padres, que ensinam que os hereges manifestos perdem imediatamente toda jurisdição, e nomeadamente Cipriano na no livro 4, Epístola 2, onde assim fala sobre Novaciano, que foi papa no cisma com Cornélio: Não pode possuir o episcopado, diz, e se já era bispo, foi removido do corpo dos outros bispos e da unidade da Igreja. Ele afirma que Novaciano, ainda que tivesse sido papa verdadeiro e legítimo, se todavia se tivesse separado da Igreja, teria por isto mesmo caído do pontificado.
A mesma é a sentença dos mais doutos e recentes, como João Driedon, que ensina, no livro 4, capítulo 2, parte 2, sentença 2 Sobre as Escrituras e os Dogmas da Igreja, que somente estão separados da Igreja os que são expulsos, como os excomungados, ou se afastam e se opõem à Igreja por si mesmos, como os hereges e os cismáticos. E a sétima sentença diz que naqueles que se afastaram da Igreja já não permanece nenhum poder espiritual sobre aqueles que são da Igreja. O mesmo ensina Melchior Cano, no livro 4, capítulo 2 Sobre os Lugares, que os heréticos não são parte da Igreja, nem membros. E no último capítulo para o argumento 12 diz que não pode sequer ser pensado que alguém seja cabeça e papa, se nem é membro nem parte. E no mesmo lugar ensina com palavras eloquentes que os heréticos ocultos ainda são da Igreja, como partes e membros, e por isso o papa herege oculto ainda é papa. O mesmo deve ser dito dos outros que mencionamos livro 1 Sobre a Igreja.
O fundamento desta sentença é que o herege manifesto de nenhum modo é membro da Igreja, isto é, nem pela alma nem pelo corpo, ou nem pela união interna, nem pela externa. Pois mesmo os maus católicos estão unidos e são membros, na alma pela fé, no corpo pela confissão da fé e pela participação dos sacramentos visíveis; os hereges ocultos estão unidos e são membros somente pela união externa, assim como, pelo contrário, os bons catecúmenos são da Igreja somente pela união interna, mas não pela externa; e os hereges manifestos de nenhum modo, como já se provou.
São Roberto Bellarmino, Doutor da Igreja in 'Sobre as Controvérsias da Fé Cristã'