Vésperas de Pentecostes com os movimentos, as comunidades, as associações e as agregações laicas. Praça de S.Pedro, 18 de Maio de 2013
1ª
Questão colocada ao Santo Padre
“A verdade cristã é atraente e persuasiva
porque responde à necessidade profunda da existência humana, anunciando de
forma consistente que Cristo é o único Salvador de cada homem e de todos os
homens”. Santo Padre, estas Vossas palavras calaram fundo em nós, exprimindo de
modo direto e radical a experiência que cada um de nós deseja viver sobretudo
no Ano da Fé e nesta peregrinação que
esta noite nos trouxe aqui. Estamos diante de Vós para renovar a nossa fé, para
a confirmar e reforçar. Sabemos que a fé não pode ser de uma vez por todas.
Como dizia Bento XVI na Porta Fidei:
“A fé não é um pressuposto óbvio”. Esta afirmação não se prende apenas com o
mundo, com os outros, com a tradição de que provimos: esta afirmação prende-se
antes de mais com cada um de nós. Damo-nos muitas vezes conta de como a fé é um
rebento de novidade, um início de mudança, mas que depois tem dificuldade em
abarcar a totalidade da vida e não se torna a origem de todo o nosso conhecer e
agir.
Santidade, como
conseguiu alcançar na vida a certeza da fé?
E que caminho nos
indicais para que cada um de nós possa vencer a fragilidade da fé?
2ª Questão colocada ao Santo Padre
Santo Padre, a minha
experiência é uma experiência de vida quotidiana como tantas outras. Procuro
viver a fé no meio de trabalho em contacto com os outros como testemunho
sincero de ser bem recebido no encontro com o Senhor. Eu sou, nós somos
“pensamentos de Deus” investidos de um Amor misterioso que nos deu a vida. Eu
dou aulas numa escola e esta consciência dá-me um motivo para me apaixonar
pelos meus rapazes e também pelos seus colegas. Verifico muitas vezes que
muitos buscam a felicidade em inúmeros itinerários individuais onde a vida e as
suas grandes questões se reduzem muitas vezes ao materialismo de quem tudo quer
e continua permanentemente insatisfeito ou ao niilismo para o qual nada tem
sentido. Pergunto a mim mesmo como a proposta da fé, que consiste num encontro pessoal,
de uma comunidade, de um povo, pode alcançar o coração do homem e da mulher do
nosso tempo. Fomos feitos para o infinito – “jogai a vida para as grandes
coisas!”, dissestes recentemente -, e no entanto tudo à nossa volta e dos
nossos jovens parece dizer que devemos contentar-nos com respostas medíocres,
imediatas e que o homem deve adaptar-se ao finito sem nada mais buscar. Estamos
por vezes intimidados como os discípulos na véspera do Pentecostes.
A Igreja convida-nos à
Nova Evangelização. Penso que todos nós aqui presentes sentimos fortemente este
desafio que está no íntimo das nossas experiências. Queria, pois, pedir-Vos,
Santo Padre, que me ajudásseis a mim e a todos nós a saber como viver este
desafio do nosso tempo. Qual é para Vós a coisa mais importante na qual todos
os nossos movimentos, associações e comunidades devemos ter os olhos postos
para pôr em prática aquilo a que fomos chamados? Como podemos comunicar hoje
eficazmente a fé?
3ª Questão colocada ao Santo Padre
Santo Padre, ouvi como
emoção as palavras da Vossa audiência aos jornalistas após a Vossa eleição.
“Como eu quisera uma Igreja pobre e para os pobres.” Muitos de nós estão
empenhados em obras de caridade e justiça: somos parte ativa na presença
enraizada da Igreja onde o homem sofre. Sou uma empregada, tenho a minha
família e empenho-me pessoalmente como posso junto dos vizinhos e na ajuda aos
pobres. Mas nem por isso me sinto satisfeito. Queria dizer como Madre Teresa de
Calcutá: tudo é por Cristo. O que muito me ajuda a viver esta experiência são
os irmãos e as irmãs da minha comunidade que se empenham no mesmo fito. E neste
empenhamento somos sustidos pela fé e a oração. A necessidade é grande. Vós o
recordastes: “Quantos pobres há ainda no mundo e quanto sofrimento encontram
estas pessoas”. E a crise agravou tudo. Penso na pobreza que aflige tantos
países e que também no mundo do bem-estar se veio juntar à falta de trabalho,
aos movimentos migratórios de massa, às novas escravidões, ao abandono e à
solidão de tantas famílias, de tantos anciãos e de tantas pessoas sem casa ou
sem trabalho.
Queria perguntar-Vos, Santo
Padre: como podemos eu e nós viver uma Igreja pobre e para os pobres? De que
modo o homem que sofre é uma questão para a nossa fé? Que contributo concreto e
eficaz podemos nós, movimentos e associações laicas, fornecer à Igreja e à
sociedade para enfrentar esta grave crise que atinge a ética pública, o modelo
de desenvolvimento, a política, em suma, uma nova maneira de ser dos homens e
das mulheres?
4ª Questão colocada ao Santo Padre
Caminhar, construir,
confessar. Este Vosso “programa” para uma Igreja-movimento, pelo menos tal como
a entendi ao ouvir a Vossa homilia no início do Pontificado, confortou-nos e
animou-nos. Confortou-nos porque nos encontrámos numa experiência profunda com
os amigos da comunidade cristã e com toda a Igreja universal. Animou-nos porque
de certa forma Vós obrigaste-nos a sacudir o pó do tempo e da superficialidade
da nossa adesão a Cristo. Mas devo dizer que não consigo superar o sentimento
de perturbação que uma destas palavras causa em mim: confessar. Confessar, ou
seja, testemunhar a fé. Pensamos em tantos dos nossos irmãos que sofrem por
causa dela como ainda há pouco ouvimos. Nos que ao domingo de manhã têm de
decidir se vão à Missa porque sabem que indo à Missa põem a vida em risco. Nos
que se sentem cercados e discriminados pela fé cristã em muitos, em demasiados
cantos do nosso mundo.
Perante estas situações
parece-nos que o meu confessar, o nosso testemunho é tímido e tem peias. Queríamos
fazer outra coisa, mas o quê? E como ajudar estes nossos irmãos? Como aliviar
os seus sofrimentos nada podendo fazer ou bem pouco para mudar o seu contexto
político e social?
Respostas
do Papa Francisco
Boa noite a todos!
Estou contente por
encontrar-vos e pelo facto de que todos nós nos encontramos nesta praça para
rezarmos, estarmos unidos e esperarmos o dom do Espírito. Eu conhecia as vossas
questões e pensei nelas – isto não é, pois, insciente! A verdade em primeiro
lugar! Tenho-as escritas aqui. A primeira – “como pudestes alcançar na vida a
certeza da fé e que caminho indicais para que cada um de nós possa vencer a
fragilidade da fé?” – é uma questão histórica porque se prende com a minha
história, a história da minha vida!
Tive a graça de crescer
no seio de uma família na qual a fé era ensinada de uma forma simples e
concreta, mas foi sobretudo a minha avó, a mãe do meu pai, que marcou o meu
caminho de fé. Era uma mulher que nos explicava, que nos falava de Jesus, que
nos ensinava o catecismo. Lembro-me sempre de que na Sexta-Feira Santa nos
levava à noite à procissão das velas, que no fim da procissão chegava o “Cristo
jacente” e que a avó nos mandava, a nós crianças, ajoelhar e dizia: “Olhem,
está morto, mas amanhã ressuscita”. Recebi o primeiro anúncio cristão
justamente desta mulher, a minha avó! Isto é lindíssimo. O primeiro anúncio em casa,
com a família! E isto leva-me a pensar no amor de tantas mães e de tantas avós
na transmissão da fé. São elas que transmitem a fé. Isto acontecia também nos
primeiros tempos, porque São Paulo dizia a Timóteo: “Eu recordo a fé da tua mãe
e da tua avó” (cfr. 2Tm, 1,5). Pensai
nisto todas as mães que estão aqui, todas as avós. Transmitir a fé. Porque Deus
nos coloca junto das pessoas que auxiliam o nosso caminho de fé. Não
encontramos a fé no abstrato, não! Há sempre alguma pessoa que prega, que nos
diz quem é Jesus, que nos transmite a fé, que nos dá o primeiro anúncio. E foi
esta a primeira experiência de fé que tive.
Mas há um dia muito
importante para mim: 21 de Setembro de 53. Andava pelos 17 anos. Era o “Dia do
Estudante”, para nós o primeiro dia da Primavera, para vós o do Outono. Antes
de ir para a festa, passei pela minha paróquia, encontrei um padre que não
conhecia e senti necessidade de me confessar. Foi para mim uma experiência de
encontro: encontrei alguém que estava à minha espera. Mas não sei o que
aconteceu, não me lembro, não sei bem porque estava ali aquele padre que eu não
conhecia, não sei porque sentira aquela necessidade de me confessar, mas o
certo é que alguém estava à minha espera. À minha espera há muito. Depois da confissão
senti que algo mudara. Eu não era a mesma pessoa. Sentira justamente como que
uma voz, um chamamento: estava convencido de que devia ser sacerdote.
Esta experiência
na fé é importante. Dizemos que devemos procurar a Deus, ir ao Seu encontro
pedir perdão, mas, quando não vamos, Ele espera. Ele está primeiro! Nós temos
uma palavra espanhola que explica bem tudo isto: “O Senhor sempre nos primerea”, está primeiro, está à nossa
espera! Esta é de facto uma grade graça: encontrar alguém que está à nossa
espera. Tu, pecador, vais, mas Ele está à tua espera para te perdoar. É esta a
experiência que os profetas de Israel descreviam dizendo que o Senhor é como a
flor da amendoeira, a primeira flor da Primavera (cfr. Ger, 1, 11-12). Antes que desabrochem as outras flores, ei-lo,
ei-lo que nos espera. O Senhor espera-nos. E, quando o buscamos, deparamos com
esta realidade: que é Ele quem nos espera para nos acolher, para nos dar o Seu
amor. E isto causa em ti uma estupefação tal que não acreditas, e assim vai
nascendo a fé! Com o encontro de uma pessoa, com o encontro com o Senhor.
Alguém dirá: “Não, eu prefiro estudar a fé nos livros!” É importante estudá-la,
mas olha que isso não chega!
O que importa é o encontro com Jesus, o encontro
com Ele, e isto dá-te a fé, porque é justamente Ele quem ta dá! Também faláveis
da fragilidade da fé, no que fazer para a vencer. O maior inimigo que a
fragilidade tem é – curioso, hã? – o medo. Mas não tenhais medo! Somos frágeis
e sabemos disso. Mas Ele é mais forte! Se fores com Ele, não há problema! Uma
criança é fragilíssima – muitas vi hoje - , mas estava com o pai e com a mãe,
estava a salvo! Com o Senhor estamos a salvo. A fé cresce com o Senhor,
precisamente da mão do Senhor e isto faz-nos crescer e torna-nos fortes. Mas,
se pensarmos que nos podemos desenvencilhar sozinhos… pensemos no que aconteceu
a Pedro: “Senhor, nunca te renegarei!” (cfr. Mt, 26, 33-35), e depois o galo cantou e renegara-o três vezes!
(cfr. Vv. 69-75). Pensemos: quando temos demasiada confiança em nós próprios,
somos mais frágeis, mais frágeis. Sempre com o Senhor! E dizer com o Senhor
significa dizer com a Eucaristia, com a Bíblia, com a oração… Mas também em família,
com a Mãe, também com Ela, porque é Ela que nos leva ao Senhor; é a Mãe, é Ela
que tudo sabe. Portanto rezar a Nossa Senhora e pedir-lhe que, como Mãe, nos
torne fortes. Eis o que penso sobre a fragilidade, é pelo menos esta a minha
experiência. Uma coisa que todos os dias me fortalece é rezar o Rosário a Nossa
Senhora. Sinto uma força tão grande porque vou ao Seu encontro e sinto-me
forte.
Passemos à segunda
questão.
A primeira: Jesus. O que é mais importante? Jesus.
Se não avançarmos com a organização, com outras coisas, coisas belas, mas sem
Jesus, não avançamos, não adianta. Jesus é mais importante. Agora queria fazer
uma pequena censura, mas fraternamente, cá para nós. Todos vós gritastes na
praça: “Francisco, Francisco, Papa Francisco!”. Mas onde estava Jesus? Eu
quereria que vós gritásseis: “Jesus, Jesus e o Senhor e está justamente entre
nós!” Daqui para a frente nada de “Francisco”, mas “Jesus”!
A
segunda questão é a oração. Olhar o rosto de Deus, mas
sobretudo – e isto prende-se com o que disse antes – sentir-se olhado. O Senhor
olha-nos: olha-nos primeiro. A minha experiência é o que experencio diante do sacrário (Tabernáculo)
quando vou rezar à noitinha diante do Senhor. Por vezes adormeço um pouquito, é
certo, porque um pouco da fadiga do dia nos faz adormecer. Mas Ele
compreende-me. E sinto tanto conforto quando me olha. Pensamos que devemos
rezar, falar, falar, falar… Não! Deixai-vos olhar pelo Senhor. Quando Ele nos
olha, dá-nos força e ajuda-nos a testemunhá-Lo – porque a questão versava sobre
a fé, não? Primeiro “Jesus”, depois “oração” – sentimos que Deus está sempre a
amparar-nos com a mão. Sublinho agora a importância disto: deixar-se guiar por
Ele. Isto é mais importante do que qualquer cálculo. Somos verdadeiros
evangelizadores deixando-nos guiar por ele. Pensemos em Pedro; talvez estivesse
a fazer a sesta depois de almoço e tivesse uma visão, a visão do lençol com
todos os animais, e sentisse que Jesus lhe dizia algo, mas não compreendia.
Nesse momento alguns não-hebreus vieram chamá-lo para ir a uma casa e viu como
o Espírito Santo ali estava. Pedro deixou-se guiar por Jesus para chegar à
primeira evangelização dos gentios, que não eram hebreus: coisa inimaginável
naquele tempo (cfr. At. 10, 9-33). E
assim a história toda, toda a história! Deixar-se guiar por Jesus. É justamente
o líder; o nosso líder é Jesus.
E terceira: o testemunho. Jesus, oração – oração, esse
deixar-se olhar por Ele – e depois o testemunho. Mas eu queria acrescentar
algo. Este deixar-se guiar por Jesus leva-nos às surpresas de Jesus. Podemos
pensar que devemos programar a evangelização num tabuleiro, pensando nas
estratégias, fazendo planos. Mas isto são instrumentos, pequenos instrumentos.
O importante é Jesus e deixar-se guiar por Ele. Depois podemos fazer
estratégias, mas isto é secundário.
Finalmente, o testemunho: a comunicação da fé só pode
ser feita com o testemunho e isto é o amor. Não com as nossas ideias, mas com o
Evangelho vivido na nossa existência e que o Espírito Santo faz viver em nós. É
como que uma sinergia entre nós e o Espírito Santo, e isto conduz ao
testemunho. A Igreja é levada adiante pelos Santos, que são justamente os que
dão este testemunho. Como disse João Paulo II e também Bento XVI, o mundo de
hoje precisa de muitos testemunhos. Não tanto de mestres, mas de testemunhos.
Não falar muito, mas falar com a vida toda: a coerência de vida, precisamente a
coerência de vida! Uma coerência de vida que é viver o cristianismo como um
encontro com Jesus que me conduz junto dos outros e não como um facto social.
Socialmente somos assim, somos cristãos fechados em nós. Não, isto não! O
testemunho!
A terceira questão:
“Queria, Santo Padre, perguntar-Vos como posso eu e podemos todos nós viver uma
Igreja pobre e para os pobres. De que modo o homem que sofre constitui uma
questão para a nossa fé? Que contributo concreto e eficaz podemos nós todos nós
como movimentos e associações laicas dar à Igreja e à sociedade para enfrentar
esta grave crise que afeta a ética pública.” Isto é importante! “O modelo de
desenvolvimento, a política, em suma, uma nova maneira de sermos homens e
mulheres?”.
Volto ao testemunho.
Antes de mais viver o Evangelho é o principal contributo que podemos dar. A
Igreja não é um movimento político nem uma estrutura bem organizada: não é
isto. Nós não somos uma ONG, e, quando a Igreja se torna uma ONG, perde o sal,
não tem sabor, é apenas uma organização vazia. E nisto sede astuciosos porque o
diabo nos engana, porque o perigo do “eficientismo” existe. Uma coisa é pregar
Jesus, outra é a eficácia, é ser eficiente. Não, isso é outro valor. O valor da
Igreja é fundamentalmente viver o Evangelho e dar testemunho da nossa fé. A
Igreja é o sal da terra e a luz do mundo, é chamada a manter presente na
sociedade o fermento do Reino de Deus e fá-lo antes demais com o testemunho, o
testemunho do amor fraterno, da solidariedade, da condivisão. Quando ouvimos
alguém dizer que a solidariedade não é um valor, mas uma “atitude primária” que
deve desaparecer… não dá! Está a pensar-se numa eficácia meramente mundana.
Os
momentos de crise, como os que estamos a viver – mas dissestes antes que
“estamos num mundo de mentiras” – este momento de crise não consiste, estejamos
atentos, a uma mera crise económica; não é uma crise cultural. É uma crise do
homem: o que está em crise é o homem! Mas o homem é imagem de Deus! Por isso há
uma crise profunda! Neste momento de crise não nos podemos preocupar apenas
connosco, fechar-nos na solidão, no desânimo, no sentimento de impotência
perante os problemas. Não vos fechais por favor! Isso é um Jesus perigo:
fechamo-nos na paróquia, com os amigos, nos movimentos, com os que partilham as
mesmas coisas connosco… Mas sabeis o que sucede? Quando a Igreja se fecha,
adoece cada vez mais. Pensai num quarto fechado durante um ano; quando lá
fordes, há um cheiro a bafio, há tanta coisa errada. Uma Igreja fechada é a
mesma coisa: é uma Igreja doente. A Igreja tem de sair de si mesma. Para onde?
Para as periferias existenciais sejam elas quais forem, mas sair. Diz-nos
Jesus: “Ide por todo o mundo! Andai! Pregai! Dai testemunho do Evangelho!”
(cfr. Mc 16, 15).
E o que sucede se
não sai de dentro de si mesma? Pode dar-se o que sucede a todos aqueles que
saem de casa e andam na rua: um acidente. Mas eu digo-vos: prefiro mil vezes
uma Igreja acidentada, que sofreu um acidente, a uma Igreja doente de clausura!
Saí, saí! Pensai no que diz o Apocalipse. Diz uma coisa bela: que Jesus está à
porta e chama, chama para entrar no nosso coração (cfr. Ap 3,20). É este o sentido do Apocalipse. Mas perguntai isto a vós
mesmos: quantas vezes Jesus está dentro e bate para sair e nós não O deixamos
sair para nossa segurança, porque muitas vezes estamos fechados em estruturas
caducas que só servem para fazer de nós escravos e não livres filhos de Deus? É
importante ir ao encontro nesta livre “saída”; esta palavra pareceu-me muito
importante: o encontro com os outros. Vivemos uma cultura do desencontro, uma
cultura da fragmentização, uma cultura na qual deitamos fora o que não nos
interessa, e todos sem negociar a nossa pertença. E há ou uma cultura do deitar
fora.
Mas convido-vos a pensar neste ponto – e faz parte da crise – nos anciãos
que são a sabedoria de um povo, nas crianças… A cultura do deitar fora! Mas
devemos ir ao encontro e criar com a nossa fé uma “cultura do encontro”, uma
cultura da amizade, uma cultura onde encontremos irmãos, onde possamos falar
também com os que a não pensam como nós, com os que têm outra fé, que não têm a
mesma fé. Todos têm algo em comum connosco: são imagens de Deus, são filhos de
Deus. Ir ao encontro de todos sem negociar a nossa fé. E outro ponto
importante: com os pobres. Hoje – e dói ouvi-lo – encontrar um vagabundo morto
de frio não é novidade. Hoje um escândalo é talvez notícia. Um escândalo: ah,
isso é notícia! Hoje pensar que tantas crianças não têm comida não é notícia.
Isto é grave, isto é grave! Não podemos ficar tranquilos! Ora… Mas é assim. Nós
não podemos ser cristãos imaculados, esses cristãos demasiado educados, que
falam de assuntos enquanto tomam chá tranquilamente. Não! Devemos tornar-nos
cristãos corajosos e ir em busca dos que são a própria carne de Cristo!
Quando
vou confessar – ainda não posso, porque sair para me confessar… daqui não se
pode sair, mas isto é outro problema – quando eu ia confessar na diocese
precedente, apareciam uns quantos a quem perguntava sempre: “Mas dá esmola?” –
“Sim, padre!”. “Ah, bom, bom”. E fazia outras duas perguntas: “Diga-me: quando
dá esmola olha para aquele ou aquela a quem a dá?” – “Ah, não, não pensei
nisso”. Segunda pergunta: “E quando dá a esmola, toca na mão daquele a quem a
dá ou atira a moeda?” Eis o problema: a carne de Cristo, tocar na carne de de
Cristo, assumir esta dor dos pobres. A piedade não é para nós cristãos uma
categoria sociológica, filosófica ou cultural: não, é uma categoria teologal.
Eu diria que é talvez a primeira categoria, porque esse Deus, o Filho de Deus,
se baixou, se fez pobre para caminhar connosco. E é esta a nossa pobreza: a
pobreza da carne de Cristo, a pobreza que o Filho de Deus nos trouxe com a Sua
Encarnação.
Uma Igreja pobre para os pobres começa por ir ao encontro da carne
de Cristo. Se vamos ao encontro da carne de Cristo, começamos a compreender
algo, a compreender o que é esta pobreza, a pobreza do Senhor. E isto não é
fácil. Mas há um problema que não faz bem ao espírito dos cristãos: o espírito
mundano, a mundanidade espiritual. Isto leva-nos a uma suficiência, a viver o
espírito do mundo e não o de Jesus. A questão que colocáveis: como se deve
viver para enfrentar esta crise que atinge a ética pública, o modelo de
desenvolvimento, a política. Como se trata de uma crise do homem, uma crise que
destrói o homem, é uma crise que despoja o homem da ética. Se, na vida pública,
na política, não houver ética, uma ética de referência, tudo é possível e tudo
pode ser feito. E, quando lemos os jornais, vemos como a falta de ética na vida
pública faz tão mal à humanidade inteira.
Queria contar-vos uma
história. Já o fiz duas vezes esta semana, mas fá-lo-ei uma terceira vez a vós.
É a história que conta um midrash bíblico
de um rabino do século XII. Ele conta-nos a história da construção da Torre de
Babel e diz-nos que, para a construir eram preciso fazer tijolos. O que
significa isto? Ir, misturar a lama, transportar a palha, fazer tudo e depois…
ao forno. E, uma vez feito, o tijolo era levado para cima, para a construção da
torre de Babel. Um tijolo era um tesouro por causa do trabalho todo que dava
fazê-lo. Quando um tijolo caía, era uma tragédia nacional e o operário culpado
era castigado; um tijolo era tão preciso que era um drama quando caía. Mas se
um operário caía, não acontecia nada, era uma coisa totalmente diferente. Isto
acontece hoje: se os investimentos nos bancos descem um pouco… tragédia… o que
fazer? Mas se as pessoas morrem de fome, se não têm comida, se não têm saúde,
não se faz nada! Eis a nossa crise atual! E o testemunho de uma Igreja pobre
para os pobres vai ao encontro desta mentalidade.
A quarta questão:
“Perante estas situações parece-me que o meu confessar, o meu testemunho é
tímido, tem peias. Eu queria fazer mais, mas o quê? E como ajudar estes nossos
irmãos, como aliviar os seus sofrimentos nada ou muito pouco podendo fazer para
mudar o seu contexto político-social?”.
Para anunciar o
Evangelho são necessárias duas virtudes: a coragem e a paciência. Eles (os
cristãos que sofrem) são a Igreja da paciência. Sofrem e são mais mártires hoje
que nos primeiros séculos da Igreja, são mais mártires! São nossos irmãos e
irmãs. Sofrem! Levam a fé ao martírio. Mas o martírio nunca é uma derrota; o
martírio é o mais alto grau do testemunho que devemos dar. Estamos no caminho
do martírio, dos pequenos martírios; renunciar a isto, fazer aquilo… mas
estamos no caminho. E eles, os pobrezinhos, dão a vida, mas dão-na – como
sentimos a situação no Paquistão – por amor a Jesus, testemunhando Jesus. Um
cristão deve ter sempre esta atitude de amor a Jesus, testemunhando Jesus. Um
cristão deve ter sempre esta atitude de mansidão, de humildade, a mesma atitude
que eles têm confiando em Jesus, entregando-se a Jesus.
É bom precisar que
muitas vezes estes conflitos não têm uma origem religiosa; há amiúde outras
causas de tipo social e político, e infelizmente as pertenças religiosas são
utilizadas como achas na fogueira. Um cristão deve sempre saber responder ao
mal com o bem, mesmo que isto seja muitas vezes difícil. Nós procuramos fazer
sentir a estes irmãos e a estas irmãs que estamos profundamente unidos –
profundamente unidos! – à sua situação, que sabemos que eles são cristãos
“entrados na paciência”. Quando Jesus vai ao encontro da Paixão, entra na
paciência. Eles entraram na paciência: dai-lo a saber, mas também dai-lo a
saber ao senhor. Pergunto-vos: vós rezais e por estes irmãos e estas irmãs?
Rezais por eles? Não vou agora pedir que quem reza levante a mão: não. Não o
perguntarei agora. Mas pensai bem nisso. Na oração quotidiana, dizemos a Jesus:
“Senhor, olha para este irmão, olha para esta irmã que tanto sofre, que tanto
sofre!” Eles experimentam o limite, justamente o limite entre a vida e a morte.
E também para nós: esta experiência deve levar-nos a promover a liberdade
religiosa para todos, para todos! Todos os homens e todas as mulheres devem ser
livres na sua confissão religiosa seja ela qual for. Porquê? Porque esses
homens e essas mulheres são filhos de Deus.
E assim creio ter dito
algo acerca das vossas questões, peço desculpa se me alonguei demais. Obrigado
e não esqueçais: nada de Igreja fechada, mas sim uma Igreja que sai para fora,
para as periferias da existência. Que aí o Senhor nos guie. Obrigado.