segunda-feira, 9 de setembro de 2024

São Pedro Claver, o escravo dos escravos

Evangelizar os pobres, sarar os corações atribulados, proclamar a redenção dos cativos

Ontem, 30 de Maio deste ano de 1627, festa da Santíssima Trindade, saíram de uma grande nau muitos negros trazidos das margens dos rios de África. Fomos ter com eles, levando dois cestos de laranjas, limões, bolachas e outras coisas; e dirigimo-nos para as suas barracas. Parecia que entrávamos noutra Guiné.

Tivemos de atravessar por entre grande multidão até chegar aos doentes, que eram muito numerosos e estavam deitados no chão húmido e lamacento. Alguém se lembrou de o entulhar com fragmentos de telhas e tijolos para diminuir a humidade. Tal era a cama destes infelizes, que além disso estavam nus, sem qualquer roupa que os protegesse.

Tirámos as nossas capas e fomos buscar tábuas para fazer um estrado. Depois, forçando o caminho por entre os guardas, para ali transportámos os doentes. Em seguida distribuímo-los em dois grupos: de um grupo encarregou-se o meu companheiro com um intérprete; do outro encarreguei me eu. 

Entre eles havia dois quase a morrer: estavam frios e mal se lhes sentia o pulso. Levámos brasas numa telha para junto dos moribundos, deitámos perfumes nas brasas, até esvaziar duas sacas que tínhamos trazido. Depois, cobrindo-os com as nossas capas – pois eles nada tinham com que se cobrir e não podíamos perder tempo a pedir roupas aos seus senhores – conseguimos que fizessem uma inalação daqueles vapores e recuperassem o calor e a respiração. Era de ver a alegria com que nos olhavam!

Assim lhes falámos, não com palavras mas com obras; e na verdade, estando eles persuadidos de que tinham sido trazidos para ali a fim de serem comidos, de nada teriam servido outros discursos. Sentámo-nos depois, ou ajoelhámo-nos junto deles, lavámos-lhes os rostos e os corpos com vinho, procurando alegrá-los com carinho e fazer lhes o que naturalmente se faz para levantar o moral dos doentes.

Depois tratámos de os preparar para o Baptismo. Explicámos-lhes os admiráveis efeitos deste sacramento para o corpo e para a alma. E quando, respondendo às nossas perguntas, deram mostras de terem compreendido, passámos a um ensino mais completo sobre um só Deus que premeia ou castiga segundo os merecimentos de cada um, etc. Exortámo-los a fazer o acto de contrição e a manifestar o arrependimento dos pecados que tivessem cometido, etc.

Finalmente, quando já pareciam suficientemente preparados, falámos dos mistérios da Santíssima Trindade, da Encarnação e da Paixão; e, mostrando-lhes num quadro a imagem de Cristo crucificado sobre uma pia baptismal, para a qual correm os rios de sangue provenientes das chagas de Cristo, rezámos com eles, na sua língua, o acto de contrição.

São Pedro Claver in 'Carta de 31 de Maio de 1627' (A. Valtierra, S.I., San Pedro Claver, Cartagena, 1964, pp. 140-141)


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2 comentários:

Maria José Martins disse...

E ainda há quem, por ignorância ou malvadez, queira APAGAR da História o Papel da Igreja Católica, durante a Evangelização.
Por aquilo que sabemos, muito se LHE deve... mas, hoje, está na moda denegrir o Passado--HISTÓRIA-- quando, na maior parte dos casos, de usurpação e tirania, estiveram os "senhores do poder" ou os oportunistas que aparecem SEMPRE, para poder enriquecer à custa dos mais indefesos.
A Evangelização trouxe Progresso e Respeito pelos Valores Humanos, coisa que, hoje, devido à Sua destruição, podemos verificar para onde caminha a Humanidade e como se encontram esses Valores, enquanto Deus o permitir.
Mas, até lá, muitas barbaridades se continuarão a cometer, em nome do "tal" progresso ou liberdade, atropelando TUDO e TODOS, sem que, pelo menos, os que se INTITULAM CRISTÃOS reconheçam as palavras de Jesus: "Sem Mim, nada podeis fazer..."
Logo, precisamos TODOS, é duma CONVERSÃO VERDADEIRA, pois, só com Deus no coração, seremos PERFEITOS ou quase, e assim, "TUDO nos será dado por acréscimo!"--Palavra do Senhor
É por isso, que quando ouço os nossos Bispos e o Papa Francisco a pedir ORAÇÃO pela Ecologia--casa comum-- acho RIDÍCULO e quase me escandalizo! Então, não é no CORAÇÂO que TUDO SE FABRICA?! Que peçam mas é CONVERSÃO a DEUS e aos SEUS VALORES, e TUDO ficará PERFEITO por SUA IMENSA GRAÇA E MISERICÓRDIA!!

Eduardo disse...

"...calcula-se que o número de negros baptizados por S. Pedro Claver ascende a 400 000, o que vem a dar mais de 10000 por cada ano do seu apostolado. Além de baptizá-los cuidava de os instruir, ampará-los e consolá-los para que sempre fossem bons cristãos.." (in "O santo diário" - Edelvives).
Nos tempos de hoje, este proselitismo de S. Pedro Claver, provavelmente lhe mereceria a excomunhão! Quando penso na dificuldade de apostolado naqueles tempos de intenso tráfico de escravos negros nas costas ocidentais de África e na cobardia do "não proselitismo" moderno não posso deixar de reflectir sobre a "fumaça de Satanás" que, em certa altura, se introduziu pelas frestas do edifício da Igreja e, por certa deformação profissional, atrevo-me a sugerir que, à vista dos resultados actuais, não eram frestas não, mas portas e janelas escancaradas.