segunda-feira, 22 de abril de 2024

Considerações Teológicas e Litúrgicas sobre a Concelebração

Em 1981, o padre carmelita Joseph de Sainte-Marie dedicou ao "problema" da concelebração - que é o que ela se tornou depois do Vaticano II - um volume extenso e bem documentado, que parece ser até hoje o estudo mais completo sobre o assunto (L'Eucharistie, salutdu monde, Dominique Martin Morin, Paris 1982).

O cerne do problema da concelebração é saber se na concelebração há apenas um sacrifício, isto é, uma Missa, ou tantas Missas quantos os concelebrantes. É a esta questão que o Padre Joseph dedica a maior parte dos seus esforços, pois é da resposta a esta pergunta que depende consequentemente a adequação da concelebração ao bem comum da Igreja, ou o seu contrário. Em última análise, a razão última da disputa é saber qual o modo de celebrar o santo Sacrifício da Missa que dá a Deus a maior glória e obtém a maior riqueza de graça redentora para a Igreja.

Uma primeira observação diz respeito à distinção capital entre a antiga concelebração "cerimonial" e a "sacramental". O Padre Joseph de Sainte-Marie explica-a bem, recordando as suas origens históricas. A concelebração das origens é exclusivamente "cerimonial": o bispo, ou o Papa, celebra e os padres ficam à volta. Com o Ordo Romanus III (últimos anos do século VIII), a concelebração "sacramental" aparece pela primeira vez em Roma: tem lugar em quatro ocasiões durante o ano (Páscoa, Pentecostes, festa de São Pedro, Natividade).

Os padres-cardeais da cidade de Roma reúnem-se à volta do Papa para concelebrar. No século IX, na sequência do Ordo Romanus IV, há documentos que falam da concelebração da Missa Crismal de Quinta-feira Santa em algumas cidades de França (por exemplo, Lyon) e de outras festas litúrgicas como a Epifania e a Ascensão. Com o fim do século XII, a concelebração em Roma desaparece. No século XVI, reaparece inicialmente de forma esporádica e depois mais generalizada nas missas de ordenação, sobretudo sacerdotal e episcopal.

No século XVIII, a concelebração "sacramental" começou a ser adoptada no Oriente por influência do Ocidente, mas só era prevista nos dias de festa para dar maior relevo à liturgia. No Oriente, sempre existiu a concelebração "cerimonial", que continua a ser exclusiva na maior parte das igrejas (caldeia, arménia, etíope, greco-ortodoxa, síria).

O tema da concelebração reapareceu após a Segunda Guerra Mundial, promovido pelo movimento litúrgico: o princípio teológico subjacente era a supressão da distinção entre o sacerdócio do padre e o dos fiéis que "concelebram" juntos. O Papa Pio XII denunciou estes erros na sua encíclica Mediator Dei (20-11-1947). Em 1954, Pio XII reafirmou que só o sacerdote tem o poder de oferecer o sacrifício da Missa e condenou o princípio segundo o qual uma Missa assistida por 100 sacerdotes é igual a 100 Missas.

A 22 de Setembro de 1956, no Congresso Internacional de Liturgia, Pio XII clarificou o seu pensamento, explicando que "no caso de uma concelebração no verdadeiro sentido da palavra, Cristo, em vez de agir através de um ministro, age através de vários". No discurso do Papa, fica clara a necessária diferença entre concelebração "sacramental" e "cerimonial".

Durante os anos do Concílio, houve uma mudança da concelebração cerimonial para a sacramental, "lançada" por teólogos e liturgistas progressistas, mas rigorosos, como o Padre Karl Rahner, o Bispo A.G. Martimort, Dom Bette, que estavam conscientes de que a concelebração sacramental implicava um único acto litúrgico e, portanto, uma única Missa. Esta linha influenciou o Concílio, onde se discutiu muito sobre o assunto.

A 25 de Janeiro de 1964, Paulo VI, com o Motu Proprio Sacram Liturgiam, instituiu uma comissão encarregada de pôr em prática as prescrições da Sacrosanctum Concilium. Paulo VI concelebrou em S. Pedro a 14 de Setembro do mesmo ano, na abertura da terceira sessão do Concílio. Desde então, a concelebração sacramental é uma prática corrente na Igreja.

A unicidade do Sacrifício em caso de concelebração é considerada pelo Padre de Sainte-Marie como um facto certo e não discutível. São Tomás já tinha colocado a questão: "Se mais do que um sacerdote pode consagrar a mesma hóstia", ao que deu a seguinte explicação: "Se cada sacerdote actuasse pela sua própria virtude, os outros celebrantes seriam supérfluos, bastando um só. Mas como o sacerdote consagra apenas na pessoa de Cristo, e os muitos são apenas "um em Cristo", pouco importa que este sacramento seja consagrado por um ou por muitos, desde que se respeite o rito da Igreja" (Summa Theologica, III, q.82, a.2, ad. 2 m).

No fundo, S. Tomás considera supérfluo que vários sacerdotes façam o que só um pode fazer. Por conseguinte, para a concelebração de uma Missa, o número de celebrantes pouco ou nada importa. E a única maneira de multiplicar o número de sacrifícios eucarísticos (para a glória de Deus e a salvação das almas) não é multiplicar os ministros da concelebração, o que produz o efeito contrário, mas multiplicar as celebrações litúrgicas do rito sacramental da Missa.

O teólogo dominicano Roger Thomas Calmel dá um exemplo muito apropriado para explicar a unicidade do sacrifício no caso da concelebração: "Se um pelotão de doze soldados se reúne para matar um traidor, haverá certamente doze actos de "matança", mas a matança é apenas uma. Imaginemos que os traidores são muitos. Pois bem, a Pátria será muito mais eficazmente assistida se cada um dos soldados matar um traidor, do que se 12 soldados se reunirem para matar apenas um traidor. Do mesmo modo, a Igreja de Deus será muito mais ajudada (e sobretudo Deus será muito mais glorificado) se, por exemplo, 40 sacerdotes rezarem cada um uma Missa, do que se 40 sacerdotes se reunirem para rezar uma única consagração, uma única missa. (...) A glória dada a Deus, a intercessão propiciatória pelas almas é certamente menor quando há um só sacrifício sacramental (concelebração) do que quando há 40 sacrifícios sacramentais. Digo 'sacramentais' para os distinguir do sacrifício sangrento que é um só".
Mais tarde, em 1991, numa carta ao Cardeal Pietro Palazzini, o Padre Enrico Zoffoli, autor do texto 'La Messa unico tesoro e la sua concelebrazione', pergunta: quantas Missas há de facto: uma, ou quantos sacerdotes concelebrantes? "Não hesito em responder - escreve ele - que todos celebram uma só Missa, se verdadeiramente concelebrarem.

De facto: se na Missa individual um é o ministro do ofertório, na Missa concelebrada há muitos; mas só fisicamente, não moralmente; uma distinção que, na minha opinião, é suficiente para resolver a controvérsia. Na realidade: um é o altar..., uma é a matéria a ser consagrada..., uma é a consagração..., um é o momento de pronunciar as palavras da consagração...; um é o sacerdócio ministerial sublinhado pela concelebração... Todos, portanto, representam e comportam-se como se fossem (formassem) UM SÓ MINISTRO com a intenção de realizar uma única acção litúrgica: Multi sunt unum in Christo..." (S. Th., III, q.82, a.2, 3um).

O importante é que "omnium intentio debet ferri ad idem instans consecrationis" (iv., c.). "A questão - escreve o teólogo passionista - antes de qualquer uma das minhas afirmações e explicações, foi várias vezes proposta a numerosos e seleccionados grupos de fiéis, que unanimemente e sem qualquer hesitação se pronunciaram a favor da ideia de que a "Missa" concelebrada é uma só, e não muitas Missas celebradas, tantas quantos são os sacerdotes.

Alguns gostariam de fazer passar Pio XII como precursor da concelebração.  Na realidade, sob o pontificado de Pio XII, a concelebração não tinha direito de cidadania, excepto - como já era tradição da Igreja - por ocasião das ordenações episcopais e sacerdotais. A única novidade está contida na Episcopalis Consecrationis com a qual a "concelebração episcopal" (isto é, a imposição das mãos sobre o novo bispo) é aberta aos bispos assistentes, segundo indicações precisas. Com a afirmação de que na concelebração há uma "consagração simultânea" (Alocução por ocasião do encerramento do Congresso Nacional de Liturgia Pastoral - Assis 1956), parece claro que se trata de um único Sacrifício, como sustenta também o Cardeal Journet, que afirma que na concelebração há muitos consagradores, "plures ex aequo consecrantes", mas uma só ação consagratória, "uma só consecratio" (Le sacrifice de la Messe, in Nova et Vetera, 46 (1971), p. 248).

É de notar também que as intervenções magisteriais mais autorizadas em matéria litúrgica (a Constituição Apostólica Episcopalis Consecrationis e a Encíclica Mediator Dei) não tratam da concelebração eucarística em sentido estricto. Pio XII só se ocupou dela na sua alocução de 22 de Setembro de 1956, na qual afirmou que "no caso de uma concelebração no sentido próprio da palavra, Cristo, em vez de agir através de um ministro, age através de vários".

A primeira experiência de concelebração teve lugar a 19 de Junho de 1964, na igreja de Sant'Anselmo, com a concelebração de 20 sacerdotes. Desde então, a concelebração difundiu-se de forma exponencial e selvagem. Mas - para esclarecer as intenções dos inovadores - é necessário ler o capítulo XI "Concelebração" do volume de Mons. Annibale Bugnini, 'La riforma liturgica' (1948-1975) (C.L.V.- Edizioni Liturgiche, Roma 1997, pp. 133-144 e passagens), no qual o autor, secretário da Comissão Litúrgica Preparatória, explica como chegou ao "primeiro rito completamente novo da reforma" (p. 133), o da concelebração e da comunhão sob as duas espécies, que entrou em vigor a 15 de Abril
de 1965. Bugnini confirma como "nesta forma de celebração, vários sacerdotes, em virtude do mesmo sacerdócio e na pessoa do Sumo Sacerdote, actuam juntos, com uma só vontade e uma só voz, e celebram o único sacrifício com um só acto sacramental e participam nele juntos" (p. 138).

Para além da diatribe teológico-litúrgica, é preciso ter em conta as implicações pastorais da concelebração. É certo que a concelebração não ajuda nem os sacerdotes nem os fiéis na sua vida espiritual e, portanto, na salus animarum (salvação das almas) que é - até prova em contrário - a lex suprema (da Igreja). Na concelebração, os sacerdotes estão imersos em mil distracções e estão certamente muito menos envolvidos no mistério do que se celebrassem sozinhos.

Os fiéis assistem a uma diminuição acentuada das Missas, porque os padres preferem muitas vezes a concelebração mais rápida e menos exigente. Se a concelebração for então gradualmente imposta, será cada vez mais difícil para os fiéis encontrarem Missas a horas diferentes, uma vez que, para cada concelebração, há uma diminuição de Missas (e de graças) inversamente proporcional ao número de concelebrantes. Logo, menos Missas para aquele povo de Deus, aquele rebanho, que parece ser o grande privilegiado de todas as escolhas pastorais. Mas, no que respeita à concelebração, ela é, na realidade, a grande penalizada. A não ser que se queira um lento convite ao abandono progressivo da Santa Missa.  

Cristiana de Magistris in Corrispondenza Romana


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