sábado, 4 de novembro de 2023

O grande Bispo São Carlos Borromeu

Peça-mestra da Contra-Reforma católica, grande propugnador do Concílio de Trento, realizou profunda reforma na arquidiocese de Milão. Foi um exemplo de verdadeiro Pastor, por seu zelo pelas almas e santidade de vida.

Carlos Borromeu nasceu no castelo de Arona, nas margens do Lago Maior, Ducado de Milão, a 2 de Outubro de 1538, filho dos condes Gilberto e Margarida de Médici. A mãe era irmã do Cardeal João Ângelo, que seria elevado ao sólio pontifício com o nome de Pio IV. Dizia-se do conde que levava mais a vida de monge que a de grande senhor, rezando diariamente o breviário e dedicando muitas horas à oração e às boas obras. A condessa emulava com ele em piedade.

Todos os biógrafos do futuro santo mencionam uma claridade extraordinária que envolveu o castelo de Arona quando nascia o menino, tomada como sinal a denotar a luz de santidade que o recém-nascido projectaria em toda a Cristandade.

Com pais tão virtuosos, era natural que também se desse logo cedo à piedade, sendo as suas distrações montar altares e repetir cerimónias que via na igreja. Desabrochou logo cedo em Carlos a vocação sacerdotal, de modo que já aos oito anos recebeu a primeira tonsura; aos 12, o seu tio, Júlio César Borromeu, resignou em seu nome a Abadia de São Graciano e São Felino. Apesar da pouca idade, Carlos estava ciente de que as rendas da abadia eram património dos pobres. Pediu ao pai que as considerasse assim, e que fossem empregadas exclusivamente para esse fim.

A sua infância e juventude, como predestinado desde o berço, foi de grande inocência e perfeita integridade de costumes. Mesmo quando foi terminar os seus estudos na Universidade de Pavia, geralmente conhecida pela debochada vida dos seus estudantes, Carlos soube permanecer ileso naquele ambiente, com o auxílio da Virgem Santíssima, por quem nutria filial e confiante devoção, e dos sacramentos da confissão e comunhão.

Cardeal Arcebispo aos 22 anos

Aos 21 anos Carlos doutorou-se nos Direitos civil e eclesiástico. Os seus pais tinham já falecido. A sua carreira começaria cedo, pois no ano seguinte o seu tio, João Ângelo, eleito Papa, chamou-o para junto de si e fê-lo Cardeal Arcebispo de Milão. Encarregou-o, apesar dos seus 22 anos, da maior parte do governo da Igreja. Isto é, fê-lo Secretário de Estado sem o título, além de Protonotário Apostólico da firma pontifícia e várias outras honrarias.

Não movido pela ambição, mas pela obediência, Carlos entregou-se ao trabalho. Diz um biógrafo: “Foi coisa admirável que quanto possuía (causa comumente de ruína para os demais) foi-lhe de não pouca ajuda para a perfeição a que anelava, porque, ocupando tão grande posto e gozando de todos os bens que o ânimo mais altivo apenas atreveria prometer-se, achava tudo tão sem gosto e substância, que generosamente se deu a buscar um só e perfeito bem no qual achasse plena satisfação e cabal paz”.(1)

Carlos alojou-se, vestiu-se e mobiliou seus aposentos com magnificência, para sustentar a sua qualidade de príncipe, de cardeal e de sobrinho do Papa.

Mas repentinamente ocorreu o falecimento do Conde Frederico, seu irmão mais velho, a quem o Papa chamara também a Roma e cumulara de honras. Todos esperavam que Carlos, não tendo ainda sido ordenado sacerdote e sendo agora o único herdeiro do nome da família, deixasse a carreira eclesiástica e se casasse para perpetuar o nome. Ele, pelo contrário, acelerou a sua ordenação e consagração total a Deus de modo irrevogável.

Considerando então a sublime dignidade sacerdotal e a obrigação que tinha de ser o bom odor de Cristo, despojou-se das ricas vestes de seda, simplificou o serviço de sua casa e escolheu o piedoso Pe. João Battista Ribeira, jesuíta, para seu diretor espiritual. Vendeu também boa parte do seu património, entregando o valor aos tios com a condição de darem parte da renda para a assistência dos seminários, escolas gratuitas, hospitais, conventos e pobres.

Grande propugnador do Concílio de Trento

Uma das suas iniciativas mais importantes foi trabalhar para a conclusão do Concílio de Trento, que fora interrompido. Não podendo dele participar, por causa de seus afazeres em Roma, empenhou-se na publicação de suas Actas e do Catecismo Romano, conforme dispunha o Concílio, e da reforma do breviário. Trabalhou também para pôr em prática as resoluções dessa assembleia conciliar, principalmente no que diz respeito à reforma do clero, contando para isso com a ajuda muito eficaz de São Felipe Néri. Cooperou também para a reforma da música sacra, decretada pelo Concílio, e pela adopção da polifonia proposta e executada pelo grande compositor Giovanni Pierluigi da Palestrina.

Como a missão de um bispo é guiar as suas ovelhas, começou, para esse fim, a exercitar-se na pregação, com assombro de todos, pois não era costume na época que cardeais se entregassem a esse ministério. As suas palavras penetravam a fundo, obtendo grande fruto.

Sabendo como era necessário aos bispos o conhecimento da doutrina católica para opor-se às falsas doutrinas dos hereges, começou o estudo de lógica e filosofia. Mas, sobretudo, queria pôr em prática as normas do Concílio na sua Arquidiocese de Milão, como pastor de almas que era. Depois de muito insistir, obteve do Papa licença para dela tomar posse.

Autêntica reforma na diocese

Chegando a Milão, o Cardeal Borromeu, seguindo a orientação do Concílio, começou a reforma do clero. Que este necessitava urgentemente de reforma, é certo, pois “os padres eram ainda mais desregrados que o povo; a sua ignorância era tão grande, que a maioria não sabia as fórmulas dos sacramentos; alguns não acreditavam mesmo que fossem obrigados a confessar-se, porque confessavam os outros. A bebedeira e o concubinato eram muito comuns entre eles, e acrescentavam a esses sacrilégios outros mais execráveis, pela administração dos sacramentos e celebração dos Santos Mistérios num estado criminoso e escandaloso. [...] Os mosteiros femininos estavam [também] abertos a toda a dissolução”.(2) 

Como o mal não era somente da cidade de Milão, mas de toda a arquidiocese, Carlos convocou um concílio provincial para promulgar os decretos do Concílio de Trento. A ele acorreram 11 bispos da região. Chegou a convocar seis concílios provinciais e 11 sínodos diocesanos com o mesmo fim.

Começou por sua própria casa a reforma que pregava, estabelecendo nela um regulamento para que todos vivessem com simplicidade e modéstia. Havia horário para as orações vocal e mental e para o exame de consciência, e ninguém podia ausentar-se desses actos sem permissão. Os sacerdotes eram obrigados a confessar-se todas as semanas e a celebrar o Santo Sacrifício diariamente. Os não-sacerdotes deveriam confessar-se e comungar semanalmente e assistir à Missa diariamente. 

As refeições eram em comum, com a leitura de algum livro de vida espiritual. Enfim, ordenou a sua casa como se fosse um colégio da Companhia de Jesus, com exercícios, costumes e ofícios semelhantes aos que há nas casas da Companhia. Ele dava o exemplo, sendo o mais observante de todos. Mas, como tinha mais responsabilidade, pois era o pastor, passou a levar uma vida de verdadeiro anacoreta: dormia poucas horas, sobre umas pranchas, flagelava-se impiedosamente e comia pouco, chegando no fim da vida a viver só de pão e água uma vez por dia. A sua delicada saúde ressentiu-se disso, e foi necessário apelar para o novo Papa, São Pio V, para que lhe ordenasse atenuar um tanto as suas penitências.

Na terrificante peste de 1576

As obras do santo foram incontáveis. “Estabeleceu uma ordem edificante na catedral de Milão; a devoção dos eclesiásticos, a magnificência dos ornamentos, o esplendor das cerimónias formavam um conjunto do mais tocante efeito. Edificou muitos seminários, fundou um colégio de nobres; os edifícios eram soberbos e as regras traziam o cunho da sabedoria do santo fundador. Estabeleceu em Milão os padres teatinos. [...] Recebeu os padres da Companhia de Jesus. Fundou também uma congregação de sacerdotes sem votos (Padres Oblatos de Santo Ambrósio), dependentes só dele como seu chefe imediato, a fim de os ter à mão para os empregar consoante o pedissem as necessidades da diocese”.(3)

Entretanto, onde o zelo do santo mais se desdobrou foi por ocasião da violenta peste que assolou Milão em 1576. Todos que puderam fugiram, inclusive as autoridades civis. Mas o Pastor não podia abandonar as suas ovelhas feridas. Vendeu toda a prataria do palácio episcopal para socorrer os atingidos, deu-lhes todos os móveis da sua casa e até o seu próprio leito. Ele ia confessá-los e administrar-lhes os últimos sacramentos, visitava-os nos hospitais ou nos tugúrios, ordenou preces e procissões para pedir o fim da epidemia, e ofereceu-se como vítima pelos pecados de toda a sua diocese. As coisas que fez durante essa epidemia foram tão admiráveis, que encheram de assombro toda a corte romana e toda a Cristandade.

São Carlos Borromeu morreu aos 46 anos, a 4 de Novembro de 1584, tendo sido canonizado em 1610.(4)

Plínio Solimeo in catolicismo.com.br

Notas:
1. Pe. Pedro Ribadaneira, Flos Sanctorum, in Dr. Eduardo Ma. Vilarrasa, La Leyenda de Oro, L. González y Compañia, Barcelona, 1897, tomo 4º, p. 237.
2. Les Petits Bollandistes, Vies des Saints d’après le Père Giry, Paris, Bloud et Barral, 1882, tomo 13, pp. 180-181.
3. Pe. José Leite, S.J., Santos de Cada Dia, Editorial A.O., Braga, 1987, tomo III, pp. 263 e ss.
4. Outras obras consultadas: Fr. Justo Perez de Urbel, Año Cristiano, Ediciones Fax, Madrid, 1945, tomo IV, pp. 264 e ss.; Edelvives, El Santo de Cada Dia, Editorial Luis Vives, Saragoça, 1949, tomo VI, p.41 e ss.


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2 comentários:

Eduardo disse...

O que faz um santo numa epidemia como o fez S. Carlos Borromeu em Milão em 1576 durante a peste, segundo a obra "O Santo do Dia":"...Amiúde era visto a andar entre montes de cadáveres para levar os últimos sacramentos aos moribundos. Visitou pessoalmente todas as casas e hospitais da cidade, não havendo necessidade que não fosse socorrida. Calcula-se em setenta mil as pessoas que livrou da morte com as suas esmolas. Ao mesmo tempo apelou à oração pública, mandando que se fizessem procissões na cidade para conjurar a punição. Ele próprio assistia às cerimónias expiatórias, caminhando descalço com uma grossa corda ao pescoço e levando nas mãos um Crucifixo de grande peso. Desta maneira se oferecia a Deus em sacrifício e não parava de clamar pelas ruas e praças: "Misericórdia, Senhor, misericórdia!". Por fim o céu ouviu as súplicas da Carlos e a peste cessou ao mesmo tempo em toda a diocese."
Que fé, meu Deus! Como estamos longe destes tempos, conforme vimos recentemente...

Anónimo disse...

Tal e qual como na pandemia de 2020...
E ainda há quem nos queira convencer de que a Igreja está melhor e, agora, no caminho certo!
Tanta confiança na " misericórdia " de Deus e fecham- No em casa...obrigando- nos a fazer mesmo, cheios de medo e desconfiança.
Oração? Virtual e chega!
Igualzinho a S. Borromeu e a outros em períodos idênticos, que expuseram as suas vidas pela Fé e pelo Próximo.
Que Deus abra os olhos àqueles que teimam em não enxergar o óbvio.