quarta-feira, 28 de março de 2018

Carta inédita da Irmã Lúcia sobre a tibieza dos católicos

J.M.J.
Tuy, 1-12-1940

Revmo. Senhor Padre Superior,

Muito obrigada pela carta que fez o favor de me escrever de Braga. Gostei muito da inspiração que teve para a renovação da consagração de todas as dioceses e freguesias ao Imaculado Coração de Maria. Isso é muito agradável ao Nosso bom Deus e ao Coração da nossa tão querida Mãe do Céu. 

Mas, apesar de tudo, o Coração do nosso bom Deus e da nossa boa Mãe do Céu continuam tristes e amargurados. Portugal, na sua maioria, não corresponde às suas graças, nem ao seu amor. Lamentam-se com frequência da vida pecaminosa da maioria do povo, mesmo daqueles que se dizem católicos práticos. Mas sobretudo queixam-se muito da vida tíbia, indiferente e comodista da maioria do clero, religiosos e religiosas. 

É pequenino, muito limitado o número das almas com quem se encontra no sacrifício e na vida íntima no amor. Estas confidências rasgam-me o coração, sobretudo por ser eu do número dessas almas infiéis. Nosso Senhor não se retrai de me aí pôr, mostrando-me a montanha das minhas imperfeições, que eu reconheço com imensa confusão...

Apesar de tudo isto, Nosso Senhor continua a comunicar-se à minha alma. Parece preocupado com a sorte de algumas nações e deseja salvar Portugal. Mas ele é também muito culpado. Se me não engano, dizia-me Nosso Senhor na quinta-feira, às 11 da noite: Se o Governo português, em união com o Episcopado, ordenasse, para os próximos dias de carnaval, dias de oração e penitência, com preces públicas pelas ruas, suprimindo as festas pagãs, atrairiam sobre si e sobre a Europa graças de paz.

Se V. Rev.ª puder fazer alguma coisa neste sentido, aí vai, se para isso precisar fazer algum uso desta carta, o meu consentimento. Desculpe-me tanta maçada.

De V. Rev.ª ínfima serva,
Maria Lúcia de Jesus, R. S. D


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Santa Cruz



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domingo, 25 de março de 2018

Procissão de Ramos em Roma










Paróquia: Trinità dei Pellegrini 


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Quando um protestante descobriu que a Missa é a renovação do Sacrifício do Calvário

Durante a Semana Santa, que começa hoje, a liturgia católica leva-nos a viver uma Páscoa judaica surpreendente. Recordo a perplexidade de Scott Hahn, hoje um grande biblista católico, no tempo em que ele ainda era protestante. Um dia, ao fio dos Evangelhos, o pregador da sua comunidade protestante foi seguindo os passos da Última Ceia, conforme o cânone habitual da Páscoa judaica. 

Até dada altura, tudo decorria da forma habitual, ainda que num clima de extraordinária intensidade. A minúcia dos preparativos, da sala e da celebração, anunciava algo especial e Cristo começou por alertar os discípulos para a importância do momento: «Desejei ardentemente comer esta Páscoa convosco, antes de padecer».

A celebração judaica começa com as abluções rituais. O mais novo da família leva uma jarra e uma bandeja, deitando a água da purificação sobre as pontas dos dedos de cada um. Neste caso, não foi o menos importante – foi o próprio Cristo! – Quem fez a ablução. E não derramou água sobre os dedos: pôs uma toalha à cintura e lavou os pés a cada um dos discípulos. Pedro recusa uma coisa dessas! Depois, é tal a insistência de Cristo, que aceita...

Seguiram-se os salmos do costume e vários cálices rituais, em acção de graças, como símbolo da Aliança do Povo com Deus, etc., até que Cristo altera o sentido de tudo ao estabelecer uma Aliança nova: «Este cálice é a nova Aliança no meu Sangue, derramado por vós». Neste momento, Cristo coloca-Se a Si próprio como novo centro da acção litúrgica: «todas as vezes que o beberdes, fazei isto em memória de Mim».

Há outros elementos revolucionários naquela celebração pascal, mas o que mais surpreendeu Scott Hahn e a sua congregação protestante foi que, imediatamente antes do momento culminante, que seria o cálice da Consumação, Cristo interrompe a cerimónia. Não só interrompe, como o declara solenemente, como se fizesse de propósito: «não tornarei a beber o fruto da videira, até àquele dia em que o beberei de novo no Reino de Deus». Levantaram-se, pois, e saíram para o Monte das Oliveiras. A comunidade de Scott Hahn não sabia o que pensar. Talvez Jesus estivesse perturbado pela iminência da morte, talvez se tivesse esquecido de concluir a cerimónia da Páscoa...

Hahn decidiu reler os Evangelhos de uma ponta à outra, à procura do cálice que faltava, o cálice da Consumação. A conclusão imediata é que não tinha havido esquecimento, quase se diria que Jesus não pensava noutra coisa. Jesus sai do cenáculo da Última Ceia a falar do cálice que faltava: «Meu Pai, se é possível, passe de Mim este cálice! Mas não se faça a minha vontade mas a tua». «Pai, se este cálice não pode passar sem que Eu o beba, faça-se a tua vontade!...». Chegam Judas e os soldados, Pedro pega numa espada e corta a orelha de Malco, um criado do Sumo Sacerdote. Jesus cura milagrosamente o ferido e diz a Pedro «Mete a tua espada na bainha. Eu não havia de beber o cálice que o Pai Me deu?».

Aquele cálice, vinha inclusivamente de muito antes. Ao pedido da mãe de Tiago e João, responde com um desafio misterioso: «Podeis beber o cálice que Eu hei-de beber, ou ser baptizados no baptismo com que Eu vou ser baptizado?» – qual cálice, tão singular? Qual baptismo, se Jesus já tinha sido baptizado no Jordão?

No final da Paixão, pendurado da Cruz, momentos antes de morrer, ressurge a referência à consumação da Aliança. «Sabendo Jesus que tudo estava consumado, para se cumprir a Escritura, disse “tenho sede”. Havia ali um vaso de vinagre...» e um dos que estavam ali «correu a tomar uma esponja, ensopou-a, pô-la sobre uma cana e deu-Lhe de beber»... «Deram-Lhe a beber vinho misturado com fel. Tendo-o provado, não quis beber». Não, aquele vinho misturado com fel não era o cálice esperado; aquele «tenho sede» não era a pedir aquele vinho. Imediatamente a seguir, Jesus exclama «Tudo está consumado!» e, inclinando a cabeça, expirou.

De repente, Scott Hahn percebeu que a Última Ceia só terminava no Calvário, no momento em que se estabelece a nova Aliança «no sangue derramado por Cristo». A Última Ceia é uma unidade com todo o oferecimento de Cristo na Paixão. Participar na Missa é participar no Sacrifício de Cristo na Cruz. Como diz S. Paulo aos de Corinto, «porventura o cálice de bênção que abençoamos não é comunhão com o sangue de Cristo?». Cristo é, como diz S. Paulo a seguir, «a vítima imolada no altar». S. Paulo recorda como o próprio Jesus tinha avisado os discípulos, na Última Ceia, de que aquele vinho consagrado apontava para a sua morte no Calvário: «Todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciareis a morte do Senhor, até que Ele venha».

Um dia, na universidade protestante em que dava aulas, Scott Hahn apresentou esta sua investigação e ouviu um comentário de um aluno que tinha tido catequese católica em pequeno: «Isso faz todo o sentido, mas recorda-me o catecismo de Baltimore!». Scott nunca tinha ouvido falar de um «catecismo de Baltimore», porque era um livrinho elementar, o primeiro catecismo das crianças católicas da época, e por isso ainda acusou mais o toque. Então, os católicos, esses heréticos, ensinam às crianças que a Missa é a renovação do Sacrifício do Calvário?! Algo que ele só tinha descoberto ao fim de tanto esforço de investigação?!

Primeiro, Scott ficou furioso, despeitado. Depois, continuou a investigar e fez-se católico.

José Maria C.S. André in Correio dos Açores, 25-III-2018


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quinta-feira, 22 de março de 2018

O dever de odiar a heresia

O Pe. Frederick William Faber (1814-1863), nascido em Inglaterra, foi anglicano, mas, graças a Deus, converteu-se à Verdade. É considerado um dos maiores escritores espirituais do século XIX. No trecho abaixo, do livro ''The Foot of the Cross'', o Pe. Faber fala do ódio que um católico tem de nutrir contra a heresia, qualquer que seja:

Amemos as almas por amor de Jesus e não Jesus por amor das almas. Há ocasiões nas quais temos de passar deste instinto de amor divino para um outro, do amor às almas ao ódio da heresia. Este último sentimento ofende o mundo de modo particular, pois é tão contrário ao espírito do mundo que, mesmo no coração do bom fiel, o pouco de mundano que ele ainda conserva se levanta contra o ódio da heresia. 

É um fermento que irrita mesmo os caracteres mais doces. Muitos convertidos, com os quais Deus queria fazer grandes coisas, caminham para o túmulo como um 'aborto espiritual', visto que não quiseram odiar a heresia. O coração que hesita em odiar a heresia ainda não se converteu. Nele Deus ainda não reina com uma soberania indivisa, e os caminhos que levam à mais elevada santidade estão fechados àquele coração. Conforme o parecer do mundo e dos cristãos mundanos, o ódio à heresia é exagero, aspereza, indiscrição, está fora de moda, absurdo, retrógrado, estreito, estúpido, imoral. Que podemos dizer em sua defesa? Nada que esses possam compreender! O melhor que podemos fazer, portanto, é calar-nos. 

Se entendemos a Deus e Ele nos compreende, não é assim tão difícil percorrer a estrada, suspeitos, incompreendidos e até odiados. A opinião adocicada de certa gente boa, sem discernimento espiritual, adopta a opinião do mundo e condena-nos, porque a bondade tímida tem uma segurança e uma aparência de doçura que estão longe de Deus e os seus instintos de caridade inclinam-se de preferência para aqueles que são menos corajosos por Deus, enquanto que a sua timidez é bastante ousada para censurar sem piedade. 

Não se pode, se se está na plena posse das próprias faculdades, pôr-se a demonstrar ao mundo, a este inimigo de Deus, que um ódio completo e católico da heresia é próprio de um espírito recto. Poderíamos, por ventura, obrigar um cego a escolher entre diversas cores? O amor divino põe-nos num outro nível de vida, de motivos, de princípios que não apenas não são deste mundo, mas inimigos jurados dele.


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quarta-feira, 21 de março de 2018

Querida Mãe, um vídeo sobre Síndrome de Down

Uma Mãe de esperanças descobriu que seu o filho sofria de Síndrome de Down. Perturbada, escreveu uma carta para a associação CoorDown, que lida com pessoas que sofrem desta doença. Na carta diz que está assustada com a doença do filho, que está para nascer, e que não sabe o que fazer. A resposta da associação italiana foi esta:


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A opção beneditina pode salvar a nossa sociedade da ruína

Pelo final do século V, o Império Romano estava em ruínas. Enfraquecida desde dentro pela corrupção, pela opulência, pela luxúria e pelo comodismo, a cidade de Roma foi, durante boa parte do século, violentamente invadida por povos estrangeiros.

O Império foi à falência, tanto moral quanto financeiramente, e, por volta do ano 500, Bento — um jovem nobre da cidade de Núrsia — decidiu que a melhor coisa que poderia fazer era subir para as montanhas e tornar-se eremita. Primeiro, ele foi a Subiaco e viveu em uma caverna, onde foi orientado por um monge mais velho. Finalmente, mudou-se para o sul, em Monte Cassino, onde estabeleceu pequenas comunidades de homens e mulheres que pudessem seguir uma vida simples e digna de trabalho, estudo e oração.

G. K. Chesterton diz que cada século é salvo pelo santo que lhe é mais contrário. A simplicidade monástica de São Bento era justamente a resposta de que a corrupção e a opulência do decadente Império Romano precisavam. Ele respondeu à luxúria com a pureza, à avareza com a simplicidade, à ignorância com a sabedoria, à decadência com a diligência e ao cinismo com a fé. Suas comunidades nas montanhas se tornaram faróis em uma época de trevas e um refúgio para as tempestades que estavam prestes a cair.

Vale a pena lembrar o exemplo de Bento hoje, quando muitos veem aproximar-se as mesmas tempestades do que parece ser a derrocada da civilização ocidental. Quando consideramos o fim que levou a Roma pagã, os paralelos são sensivelmente similares.

Também a nossa cultura está enfraquecida desde dentro por incríveis opulência, luxúria e sensualidade. Como os antigos romanos, a nossa sociedade mata os seus filhos que ainda não nasceram em um nível alarmante e também investe grandes montantes em máquinas militares para dominar o mundo. Nossos ricos “patrícios” reinam de seus templos de poder sem nenhuma preocupação com o povo, enquanto os “plebeus” comuns rangem os dentes com descontentamento cada vez maior. Também nós nos sentimos ameaçados por bárbaros desconhecidos que vêm do outro lado do mundo e também nós nos preocupamos em defender-nos das hordas que cruzam as nossas fronteiras.

Por que Bento escolheu simplesmente retirar-se? Acredito que ele o fez porque percebeu que a civilização romana não tinha salvação, ela já tinha chegado ao fim de sua vida útil. O primeiro capítulo da Epístola de São Paulo aos Romanos explica como Deus entrega as pessoas aos seus desejos pecaminosos e, por isso, as suas mentes ficam obscurecidas. Elas se tornam viciadas e cegas pelo pecado e são incapazes de pensar retamente. Bento subiu para as montanhas porque percebeu que com os romanos não havia diálogo. Não havia argumento possível porque os seus corações e mentes estavam obscurecidos. Eles tinham perdido a capacidade de raciocinar e a habilidade de escutar e amar a verdade.

Essa é cada vez mais a situação do mundo de hoje. Já há muito tempo que a nossa civilização virou as costas para a verdade, para a beleza e a para a bondade da fé cristã; que temos nos sujeitado ao comodismo, entregando-nos a grandes pecados de luxúria, crueldade e assassinato. Como sociedade, nós destruímos o matrimónio, abusamos de nossas crianças, matamo-nos uns aos outros, travamos guerras e roubamos dos mais pobres. Nossos corações e mentes estão agora obscurecidos. Atingidos pelo cancro intelectual do relativismo, não somos capazes nem de ouvir a razão nem de produzir argumentos. Fomos abandonados ao turbilhão de nossas emoções, agitados pela raiva, pelo ódio irracional e pela frustração demoníaca.

O que podemos fazer? Como católicos, nós viveremos cada vez mais a “opção beneditina”. Há quem pense que terminaremos nos escondendo em nossos próprios enclaves, como sobreviventes de um holocausto nuclear, mais ou menos como uma volta às catacumbas. Eu não seria tão pessimista. Acredito que a “opção beneditina” pode ser simplesmente uma percepção de que precisamos retornar à essência da nossa fé e vivê-la em nossas comunidades paroquiais já existentes. Nossas paróquias podem tornar-se refúgios de paz, centros de cultura, educação e razão. Elas podem tornar-se lugares onde a oração, o trabalho e o estudo são valorizados.

Sem formar novas comunidades monásticas, nossas famílias e paróquias podem transformar-se em “mosteiros domésticos”, onde nós viveremos com simplicidade e cultivaremos com consciência a nossa fé, refugiando-nos do dilúvio que devasta a nossa sociedade.

Para tanto, nós precisaremos reavaliar a nossa relação com a cultura que nos rodeia. Precisaremos simplificar as nossas vidas. Será que realmente precisamos de todas essas coisas materiais que nos puxam para baixo e nos atolam nas dívidas e no estresse? Será que realmente precisamos correr tão freneticamente, com tanta pressa, o tempo todo? Temos realmente que nos conformar com a sociedade agitada, vaidosa e avarenta em que vivemos? Realmente precisamos de todo esse entretenimento e distração que nos leva à destruição? Acho que não.

Contra tudo isso, a “opção beneditina” colocará o nosso foco nos votos que estão no coração da Regra de São Bento: estabilidade, obediência e conversão de vida. A estabilidade nos ajudará a desenvolver raízes profundas em nossa fé, em nossas famílias e em nossa Igreja. Encontraremos aí a nossa segurança, e não em nosso trabalho, em nosso dinheiro ou em nossas realizações. A obediência significa que procuraremos submeter-nos constantemente às Sagradas Escrituras, aos ensinamentos da Igreja, a Deus e uns aos outros. A conversão de vida significa que tudo o que fizermos e dissermos, e toda decisão que tomarmos, será determinada por nosso desejo de sermos completamente transformados na imagem de Cristo. Ou, como São Bento põe em sua regra, “Nada antepor a Cristo”.

As simples e humildes comunidades beneditinas tornaram-se na fundação da maior civilização que o mundo já viu. Durante mil anos, a Europa cristã esteve enraízada na singela intuição de São Bento de Núrsia. Se os católicos fizerem essa opção, ainda podemos forjar uma fundação forte e vigorosa para o futuro da nossa sociedade.

in National Catholic Register 
(Tradução: ChurchPOP)


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segunda-feira, 19 de março de 2018

A famosa carta de Bento XVI, agora em português

Na semana passada, o prefeito do Secretariado para as Comunicações, Mons. Dario Viganò, publicou parte de uma carta que o Papa Bento lhe enviou, sobre a obra teológica do Papa Francisco. 

Lamentavelmente, os excertos foram publicados fora do contexto e distorceram o sentido original da carta para parecer quase o sentido oposto da carta. Por essa razão, e porque muitos estranharam a carta do Papa Bento, o Gabinete de Imprensa da Santa Sé (um outro órgão do Vaticano), decidiu publicar a carta na íntegra.

A versão integral da carta sugere que o primeiro parágrafo é uma resposta específica à carta que fora enviada originalmente a Bento XVI, num formato de repetição das ideas da pessoa a quem se dirige, e não um parágrafo inovador. Esses vêm a seguir.

O envelope onde se encontrava a carta dizia que era apenas para uso pessoal, e todas as circunstâncias levam a crer que o Papa Bento nunca planeou tornar esta carta pública. Por questões de transparência e amor à Verdade publicamos aqui uma tradução para português. 

7 de Fevereiro de 2018
Reverendíssimo Monsenhor,

Muito obrigado pela sua amável carta do dia 12 de Janeiro e pelo presente em anexo dos onze volumes editados por Roberto Repole. Aplaudo esta iniciativa que quer opor-se e reagir ao tonto preconceito de que o Papa Francisco seria apenas um homem prático privado de particular formação teológica ou filosófica, enquanto que eu seria apenas unicamente um teórico da teologia que teria percebido pouco da vida concreta de um cristão de hoje. Os pequenos volumes mostram com razão que o Papa Francisco é um homem de profunda formação filosófica e teológica e ajudam-nos assim a ver a continuidade interior entre os dois pontificados, mesmo com todas as diferenças de estilo e temperamento.

No entanto não vou escrever sobre eles "uma breve e densa página teológica". Sempre foi claro em toda a minha vida que escreveria e expressar-me-ia apenas sobre livros que verdadeiramente li. Infelizmente, também por razões físicas, não estou em estado de ler os onze volumes no futuro próximo, ainda para mais porque tenho outras tarefas com as quais já me comprometi.

Só uma nota, gostaria de mostrar a minha surpresa pelo facto de que entre os autores está o professor Hünermann, que durante o meu pontificado se destacou por ter liderado iniciativas anti-papais. Ele participou de forma significativa no lançamento da "Kölner Erklärung" que, em relação à encíclica Veritatis splendor, atacou de modo hostil a autoridade magisterial do Papa, especialmente sobre questões de teologia moral. Também a "Europaische Theologengesellschaft", que ele fundou, inicialmente foi pensada como uma organização em oposição ao magistério papal. Seguidamente, o sentir com a igreja de muitos teólogos impediu esta orientação, tornando essa organização num instrumento normal de encontros entre teólogos.

Estou certo que compreenderá a minha negação e saúdo-o cordialmente.

Seu,
Bento XVI


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domingo, 18 de março de 2018

Bênção com o Véu de Verónica na Basílica de São Pedro

As estações quaresmais na cidade de Roma são uma tradição que remonta ao século IV. Criou-se o costume que o Papa visitasse uma basílica ou igreja diferente em cada dia da Quaresma, por isso ainda hoje em dia se celebra a estação (statio) numa igreja de Roma. Há muitas igrejas que estão fechadas durante o todo o ano e apenas são abertas para esta celebração.

No quinto Domingo da Quaresma, Domingo da Paixão, a estação é na Basílica de São Pedro. Centenas de relíquias, que se encontram normalmente guardadas naquela Basílica, são expostas em cima do altar de São Pedro.

A cerimónia começa com uma procissão dentro da Basílica enquanto se canta a a Ladainha dos Santos, na qual se lembram os que derramaram o seu sangue por causa de Nosso Senhor Jesus Cristo. O nome de São Pedro é invocado 3 vezes por ali se encontrar o seu túmulo e por ser o Príncipe dos Apóstolos.

Seguem-se as Vésperas Solenes e depois uma curta procissão até à 'loggia' (uma espécie de varanda) onde é exposto o Véu de Verónica, usado para limpar o rosto de Jesus durante a Via-Sacra. De seguida é feita uma bênção com o Véu sobre quem se encontra presente.











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O exame de consciência à noite é essencial

"Viveremos bem quando decidirmos fazer um exame de consciência todas as noites." 

São João Maria Vianney, o Cura d'Ars

Exemplo de: Breve exame de consciência


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sábado, 17 de março de 2018

Quando ser baptizado implica correr risco de vida

Para baptizar os seus filhos, os pais andam 3 horas a pé e fazem uma perigosa escalada de 400 metros até à igreja.



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quinta-feira, 15 de março de 2018

Domingo na Santissima Trinità dei Pellegrini

Estas fotografias foram feitas no Domingo Laetare na igreja da Santissima Trinità dei Pellegrini, em Roma. Esta igreja foi fundada por São Filipe Néri para receber e ajudar os peregrinos que se deslocavam a Roma. A paróquia está entregue à Fraternidade Sacerdotal de São Pedro e celebra exclusivamente a Missa Tradicional.











Fotografias: Elvir Tabaković, Can.Reg.


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A continência como acto de amor é possível

A nota do Senhor Patriarca sobre o capítulo VIII da Amoris Laetitia gerou muita perplexidade ao dizer que, às pessoas casadas pela Igreja e que depois de uma separação se juntam a outra em casamento civil, se deve propor a continência. A meu ver, o valor desta proposta não está tanto, ou só, na apresentação de uma norma justa, mas no facto de testemunhar a convicção de que a graça de Deus não é um sonho, mas uma ajuda real. 

Para se perceber de que se está a falar, lembremos que a continência está ligada à virtude da castidade e que, como recordava o Papa Francisco na Amoris Laetitia, a Igreja está ciente de que “é necessário lembrar a importância das virtudes. Dentre elas –  continua o Papa – resulta ser condição preciosa para o crescimento genuíno do amor interpessoal a castidade.” (AL 206) Neste contexto, a palavra continência, longe de ser uma violência à natureza, apresenta-se como uma proposta positiva que ajuda a viver bem o amor.

É essa a experiência de quem se consagra. Os padres e religiosos(as) não são continentes porque há uma regra que os impede de seguir os instintos, mas porque respondem a um chamamento de amor e para o amor que a graça de Deus torna possível e belo seguir. A Igreja, remando contra a maré, também propõe a continência antes do casamento, não para preservar uma imagem, mas porque está certa do grande valor da comunhão de vida que uma relação sexual pressupõe e gera e que só é completa dentro do casamento.

Além disso, muitos casais, no âmbito da regulação da fertilidade, aceitam viver períodos de continência. Quando se seguem os métodos naturais como a Igreja ensina, e se o casal considera naquele momento não ser conveniente ficar à espera de um filho, há dias em que é necessário abster-se de ter relações sexuais. Também aqui a continência tem um valor positivo. É uma proposta que une a sexualidade ao diálogo e ao amor, e leva os dois a sentirem-se protagonistas de um projecto de vida totalizante, capaz de vencer os egoísmos que ainda estejam presentes. É isso que faz com que não ter relações sexuais nesses dias seja um sim de amor ao outro e à comunhão dos dois.

É neste contexto que se pode perceber que, numa situação em que duas pessoas recasadas, cuja separação poderia ter consequências complicadas para si e para outros – especialmente para filhos que tenham nascido desta segunda união – mas em que há um desejo real de viver na fidelidade a Deus se deve propor que vivam como irmãos.

Sim, é verdade que a Igreja sabe que está a propor algo de exigente a pessoas frágeis. Somos todos frágeis! Mas a Igreja não propõe aos seus filhos coisas estranhas! Ela faz propostas que têm em vista o bem maior de todos. Ela vê através da fé que o amor aprendido em Jesus Cristo e tornado possível com a Sua Páscoa renova a pessoa e torna-a mais feliz.

O Senhor Patriarca, além disso, explica justamente que, porque nem sempre conseguimos ser fiéis ao que sabemos ser bom e que decidimos sinceramente seguir, se depois desta decisão se cai na tentação e se têm relações sexuais, é possível pedir perdão através do sacramento da confissão. A mim isso parece completamente correcto, e não tem nada a ver com hipocrisia. Tem a ver com a certeza que o ideal cristão é bom para todos e liga-se à consciência da fragilidade da pessoa. Um paradoxo que só a misericórdia de Deus consegue resolver.

Acontece o mesmo quando num casal um dos esposos cai na tentação do adultério; ou um padre é infiel ao celibato; ou um namorado tem relações sexuais com a namorada. Quando alguém tem fé na misericórdia de Deus, sabe e acredita que depois de realizar um acto errado, se se dá conta do mal feito a si e aos outros e se arrepende, não está condenado porque olha para Deus como um Pai. Confiar no perdão não conduz ao relativismo que tudo desculpa, mas abre ao horizonte da reconciliação e da santidade.

Pela fé, não se vive a continência como uma castração ou uma distração do instinto, mas como um sinal concreto do amor e da vida em Cristo. A proposta da continência, por isso, parecerá sempre impossível a quem só raciocina com o intelecto ou se limita a seguir a mentalidade dominante e não se dá conta da potência da graça de Deus. Mas quem vive com Deus e, mais ainda, vive em Deus – e muitos casais vivem assim, e muitos divorciados querem viver assim – experimenta na continência uma paz e uma serenidade que o “mundo” não conhece. A Igreja, na fidelidade a Jesus Cristo, acredita que esta proposta seja boa e possível, mas não se limita a fazer um discurso, ela é companhia, presença, apoio contínuo que torna presente o próprio Deus.

Uma última palavra para agradecer o facto de esta proposta não se dirigir apenas a uns poucos que se pensam capazes de chegar aos ideais. O Senhor Patriarca mostra bem que confia que a graça de Deus está disponível para todos os que se abrem a ela.

Mons. Duarte da Cunha in 'A Voz da Verdade'


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quarta-feira, 14 de março de 2018

O deus de Stephen Hawking

Stephen Hawking, talvez o cientista mais famoso do mundo, morreu hoje. Rezemos pela sua alma. Recuperamos aqui um texto escrito em resposta à sua afirmação que Deus não existia.

Stephen Hawking acredita que Deus não existe. Ora, isto não é a mesma coisa que não acreditar em Deus. Se eu não acredito em Deus, eu não sei se ele existe ou não existe. Simplesmente, não tenho fé, como diria um cristão. Mas se eu acredito que Deus não existe, eu tenho fé, embora diversa – a fé na inexistência de Deus. A diferença entre as duas posições é por vezes expressa pelo contraste entre agnosticismo e ateísmo. Hawking não deixou dúvidas ao El Mundo: é ateu. Mas dizer só ateu pode não chegar para definir a posição de Hawking.  

A questão é determinar de que modo, entre a fé em Deus e a fé na inexistência de Deus, Hawking passa de uma margem para a outra. A sua ponte não é o cepticismo, mas a ciência, ou melhor, uma variante muito especial da experiência científica, que funciona de facto como o equivalente laico da fé religiosa. Hawking sente pela ciência a devoção que qualquer beato dispensa ao seu todo-poderoso ídolo. Acredita piamente na omnipotência do conhecimento humano sob a forma científica: “Creio que conseguiremos compreender a origem e a estrutura do universo(…). Na minha opinião, não há nenhum aspecto da realidade fora do alcance da mente humana”.

O mais surpreendente em Hawking é a pobreza da sua concepção de Deus. Hawking passa por cima de séculos de meditação e de debate. Simplesmente, não vê “milagres” (porque não são “compatíveis” com a sua ciência), e portanto não vê Deus. No “passado”, antes da ciência, admite que era “lógico acreditarmos que Deus criou o universo”. Deus é, para ele, uma relíquia de fases primitivas do conhecimento humano, quando o gentio ainda não percebera que a natureza estava proibida de divergir das leis fixadas pelos professores universitários. É nesse sentido, que Hawking crê que Deus foi substituído pela ciência.

Para os cristãos, Deus fez-se carne; para Hawking, Deus fez-se ciência, e é por isso que não hesita em reivindicar para a ciência todos os tradicionais atributos divinos, menos os “milagres” – o que, todavia, não o impede de avançar com transcendentes promessas de salvação, como a de que a exploração espacial “poderá evitar o desaparecimento da Humanidade devido à colonização de outros planetas”. A ciência, aparentemente, tem os seus milagres, embora do género Star Wars.

Isto não é certamente agnosticismo, mas também não é apenas ateísmo. É a antiga superstição da ciência, o velho culto do progresso, típico dos autodidactas do século XIX, quando a máquina a vapor e a electricidade foram celebradas como os poderes do futuro homem-deus. De facto, é Hawking que representa, nesta história, a fase mais primitiva.

A ciência não é necessariamente sabedoria, se entendermos por sabedoria, não apenas o raciocínio e o conhecimento, mas também a humildade e a ponderação. Hawking pode ser um génio da astrofísica, mas não é um sábio. Chesterton dizia: quando se deixa de acreditar em Deus, passa-se a acreditar em tudo. 

O Hawkings da entrevista ao El Mundo é um exemplo dessa credulidade. Onde tudo isso nos pode levar, vimo-lo o mês passado, graças a outro crente da ciência e inimigo de Deus, o geneticista Richard Dawkins. Sem inibições, deu a entender que, por ele, “é imoral” não abortar fetos com síndroma de Down. Eis a ideia de moral de quem, com a “lógica” do seu lado, se sente um novo deus. 

Rui Ramos in Observador (25/09/2014)


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segunda-feira, 12 de março de 2018

Declaração de Paris: Uma Europa na qual podemos crer

A declaração de Paris é um documento escrito por um grupo de verdadeiros intelectuais - entre os quais se incluem, e.g., Roger Scruton e Robert Spaemann - que se encontrou na capital francesa. Estes juntaram-se por causa da sua preocupação comum pelo futuro da Europa, que caminha para o abismo. 

A declaração é um manifesto de adesão à "verdadeira Europa". O resultado final recebe o nome de "Uma Europa na qual podemos acreditar" ou Declaração de Paris. Uma chamada de atenção para um entendimento e reconhecimento renovados do verdadeiro génio da Europa. Um convite e um apelo aos povos da Europa para recuperar o que de melhor a nossa tradição tem para oferecer e para construir em conjunto um nobre e esperançoso futuro.

Apresentamos aqui alguns excertos desse documento:

Uma falsa Europa ameaça-nos 

A Europa, em toda a sua riqueza e grandeza, está ameaçada por uma falsa visão de si própria. Esta falsa Europa imagina-se ser o apogeu da nossa civilização, mas ela, na verdade, vai confiscar-nos as nossas pátrias. Essa visão errada remete para exageros e distorções de virtudes que são autenticamente europeias, ao mesmo tempo que demonstra cegueira quanto aos seus próprios vícios. 

Ao caucionar uma leitura enviesada e caricatural da nossa História, esta falsa Europa transporta consigo, intrinsecamente, infundados preconceitos quanto ao nosso passado. Os seus porta-estandarte são órfãos voluntários, que concebem a sua condição – de apátrida – como uma nobre proeza. Sob este ponto de vista, essa falsa Europa incensa-se a si mesma por ser a precursora de uma comunidade universal, que não é nem comunidade, nem universal.

As raízes cristãs nutrem a Europa 

A verdadeira Europa afirma a igual dignidade de cada indivíduo, qualquer que seja o seu sexo, o seu estatuto ou a sua raça. Tal advém igualmente das nossas raízes cristãs. As nossas serenas virtudes estão inegavelmente vinculadas à nossa herança cristã: imparcialidade, compaixão, misericórdia, reconciliação, luta pela manutenção da paz, caridade. 

O cristianismo revolucionou a relação entre o homem e a mulher, valorizando o amor e a fidelidade recíprocos, de uma forma jamais vista até então. Os laços do casamento permitem ao homem e à mulher florescerem, em comunhão. A maior parte dos sacrifícios que fazemos são-no em benefício do nosso cônjuge e dos nossos filhos. Este espírito de abnegação constitui igualmente uma contribuição cristã para a Europa que amamos.

O multiculturalismo não funciona

Esta falsa Europa congratula-se pelo seu empenho, sem precedente, em favor da causa da igualdade. Afirma promover a não discriminação e a inclusão de todas as raças, religiões e identidades. Neste domínio, houve um verdadeiro progresso, mas um utópico afastamento da realidade acabou por se impor. Ao longo da geração anterior, a Europa perseguiu um grande projecto multiculturalista. 

Exigir ou sequer encorajar a assimilação de muçulmanos, recém-chegados, aos nossos usos e costumes, para não falar da nossa religião, foi considerado como uma enorme injustiça. O nosso compromisso com a igualdade, dizem-nos, exige a renúncia a qualquer pretensão de que a nossa cultura seja tida como superior. Paradoxalmente, o empreendimento multiculturalista europeu, que nega as raízes cristãs da Europa, utiliza abusivamente o ideal cristão de caridade universal, de uma forma exagerada e insustentável. Exige dos europeus um grau de abnegação digno da santidade. 

Denunciamos a colonização das nossas pátrias e o desaparecimento da nossa cultura como a maior concretização do século XXI, um acto colectivo de auto-sacrifício, em favor do advento de uma suposta nova comunidade global de paz e prosperidade."

A educação necessita duma reforma 

Cremos que a Europa tem uma história e uma cultura dignas de serem conservadas e mantidas. As nossas universidades, no entanto, têm amiúde traído a nossa herança cultural. Devemos reformar os programas educativos para encorajar a transmissão da nossa cultura comum em vez de doutrinar os mais jovens para uma cultura de repúdio. Os professores e os tutores a todos os níveis têm um dever para com a memória histórica. Deveriam sentir-se orgulhosos da sua função enquanto ponte entre as gerações do passado e as gerações vindouras. 

Devemos renovar a alta-cultura da Europa, definindo o sublime e o belo como padrão, rejeitando a degeneração das artes numa forma de propaganda política. Isto requerer o surgimento de uma nova geração de mecenas. As empresas e as burocracias têm-se mostrado pobres patronos das artes.

O casamento e as famílias são essenciais

O casamento é o fundamento da sociedade civil e constitui a base da harmonia entre os homens e as mulheres. Trata-se de um vínculo íntimo organizado em torno da manutenção de um lar durável e da criação dos filhos. Afirmamos que os nossos papéis mais fundamentais em sociedade enquanto seres humanos são os de pais e de mães. 

O casamento e os filhos estão intrinsecamente ligados a toda a concepção e desenvolvimento pleno do ser humano. Os filhos exigem o sacrifício daqueles que os fazem vir ao mundo. Este sacrifício é nobre e deve ser honrado. Apoiamos políticas sociais prudentes que encorajam e reforçam o casamento, os nascimentos e a educação infantil. Uma sociedade que fracassa no acolhimento dos seus próprios filhos não tem futuro.

Devemos assumir as nossas responsabilidades 

Neste momento, pedimos que todos os europeus se unam a nós, na rejeição da utópica fantasia de um mundo multicultural sem fronteiras. Amamos, na justa medida, as nossas pátrias e procuramos transmitir aos nossos filhos todas as coisas nobres que recebemos como património nosso. 

Enquanto europeus, partilhamos também uma herança comum, uma herança que nos pede que vivamos em paz como uma Europa das nações. Renovemos a soberania nacional, recuperemos a dignidade de uma responsabilidade política partilhada para o bem e o futuro da Europa.

Para ler o resto do documento: Declaração de Paris


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domingo, 11 de março de 2018

Deve a Missa Nova ser celebrada 'ad orientem'?

Algumas notas sobre a normativa mais recente em matéria de celebração ad orientem e a edificação dos altares:

Na Sacrosanctum Concilium (SC) lê-se:
«128. Revejam-se o mais depressa possível, juntamente com os livros litúrgicos, conforme dispõe o art. 25, os cânones e determinações eclesiásticas atinentes ao conjunto das coisas externas que se referem ao culto, sobretudo quanto a uma construção funcional e digna dos edifícios sagrados, erecção e forma dos altares, nobreza, disposição e segurança dos sacrários, dignidade e funcionalidade do baptistério, conveniente disposição das imagens, decoração e ornamentos. Corrijam-se ou desapareçam as normas que parecem menos de acordo com a reforma da Liturgia; mantenham-se e introduzam-se as que forem julgadas aptas a promovê-la.»

À partida, tal poderia indiciar que o Concílio quis uma revisão urgente da forma e erecção dos altares, no sentido de corresponderem a uma nova teologia do altar enquanto mensa populis, i.e., mesa do povo de Deus, à volta da qual este se reúne. Contudo, o n. 128 aqui destacado surge já no fim da SC, num conjunto de pontos com a epígrafe «Promoção da arte e formação dos artistas», por sua vez inserido no capítulo referente à «Arte Sacra e as Alfaias Litúrgicas»

Rapidamente o indício se transforma, e percebemos que a reforma dos "cânones e determinações eclesiásticas atinentes à erecção e forma dos altares" se refere tão só e apenas ao aspecto estético-funcional dos altares. Não se argumente que a própria SC ordena que os edifícios sagrados «permitam a participação activa dos fiéis», pois fica por provar que a participação activa dos fiéis dependa das transformações que se operaram nos altares (sobre este ponto, veja-se os n.os 11 e, especialmente, 30 da SC).


As Constituições conciliares foram sendo densificadas por vários documentos. A instrução Inter Oecumenici, dirigida à boa interpretação da SC, determina o seguinte (tradução nossa):

«91. O altar principal deve ser preferencialmente desencostado, de forma a permitir que se ande à sua volta e a celebração de face às pessoas.»
O principal é notar o tom de mera recomendação, ou seja, a instrução limita-se a dizer que o altar deve ser preferencialmente desencostado, e o advérbio de modo não é aqui empregado de forma leve. Primeiro, é patente que houve a preocupação de permitir a construção de altares na forma tradicional. Segundo, é evidente que tal prescrição só se aplica às novas igrejas, e não implicaria a destruição da arte dos altares a que se assistiu em várias igrejas, com a febre de "virar" os altares. 

Esta instrução é relevante para a segunda parte do "mito": em vários pontos fala da missa verus populum, mas apenas o permite, e não o manda. Aliás, nota-se a tentativa de esgotar as indicações sobre adaptações (p.ex., a supressão de beijar a mão do sacerdote; a supressão da cruz feita com a hóstia aquando da comunhão; etc), pelo que se tivesse havido verdadeiro desejo de impor a Missa versus populum tal estaria explícito.

No mesmo sentido, a IGMR diz, no n. 299, que «Onde for possível, o altar deve ser construído afastado da parede, de modo a permitir andar em volta dele e celebrar a Missa de frente para o povo.». Identicamente, apenas se recomenda uma possibilidade, que pode tanto ser física (ao nível do espaço do santuário), como do próprio povo de Deus (que pode não desejar a reorientação da celebração eucarística).

Quanto às igrejas já construídas, onde havia um ou vários altares, a IGMR (3.ª edição típica) diz expressamente no ponto 303«Na construção de novas igrejas deve erigir-se um só altar, que significa na assembleia dos fiéis que há um só Cristo e que a Eucaristia da Igreja é só uma. Nas igrejas já construídas, quando nelas existir um altar antigo situado de tal modo que torne difícil a participação do povo, e que não se possa transferir sem detrimento dos valores artísticos, construa-se com arte outro altar fixo, devidamente dedicado (…)». Daqui se depreende que a IGMR pretende que os altares antigos, adossados à parede, se mantenham erigidos, ainda que neles não se celebre a Eucaristia, especialmente quando revistam particular valor artístico.

necessidade ou possibilidade de existirem vários altares na mesma igreja justifica-se, ainda hoje, pelo ponto 199 da IGMR (3.ª edição típica), que a propósito da concelebração diz que «No entanto, é lícito a cada sacerdote celebrar a Eucaristia de modo individual, mas não ao mesmo tempo em que, na mesma igreja ou oratório, se realiza uma concelebração». Donde se depreende que, não estando a ocorrer concelebração, poderão existir vários sacerdotes a celebrar a Eucaristia individualmente na mesma igreja ou oratório, o que requer necessariamente a existência de vários altares, incluindo os tradicionais altares laterais.

Note-se também que as rúbricas do Missal de Paulo VI pressupõem que o sacerdote esteja ad orientem, e não virado (obrigatoriamente) para o povo. A IGMR concretiza essas rúbricas, que valem ainda hoje, de acordo com a 3.ª edição típica. Nas seguintes partes (a título de exemplo) manda-se que o sacerdote se vire para o povo; a contrario, significa que o sacerdote não estará virado para o povo e, portanto, esteja virado para a abside:

  1. Na saudação inicial. Veja-se o ponto 124 da IGMR, que diz: «Em seguida, o sacerdote, voltado para o povo e abrindo os braços, saúda-o, utilizando uma das fórmulas propostas.».
  2. "Orai, irmãos". Veja-se o ponto 146 da IGMR, que diz: «O sacerdote vem ao meio do altar e, voltado para o povo, abrindo e juntando as mãos, convida-o à oração, dizendo: Orai, irmãos, etc...».
  3. A seguir à consagração, às palavras "Eis o Cordeiro de Deus". Veja-se o ponto 157 da IGMR (com paralelo no ponto 243), que diz: «Terminada esta oração, o sacerdote genuflecte, toma a hóstia, levanta-a um pouco sobre a patena ou sobre o cálice e, voltado para o povo, diz: Felizes os convidados (...)».
  4. Na comunhão do sacerdote. Veja-se o ponto 158 da IGMR, que diz: «Depois, voltado para o altar, o sacerdote diz em silêncio: O Corpo de Cristo me guarde para a vida eterna(...)». Este ponto precisa de uma pequena explicação: não teria sentido que fosse mandado que o sacerdote se voltasse para o altar se ele estivesse virado para o povo, porque, necessariamente, quando o sacerdote está virado para o povo na Santa Missa versus populum o altar está sempre entre o sacerdote e a assembleia.


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