O celebérrimo Santo é uma das maiores glórias do Piemonte e da Vale de Aosta, no norte da Itália. A sua mãe, Ermemberga, era uma perfeita mãe de família, enquanto seu pai, Gandolfo, vivia envolvido com seus compromissos seculares. A sua educação foi confiada a um parente, que não soube cuidar bem da saúde do menino. Então, foi confiado aos beneditinos de Aosta. Aos quinze anos, começou a sentir desejo de ser monge, mas o pai não concordou porque lhe queria deixar a sua herança. Graça a isso, os atrativos do mundo e as paixões dominaram o jovem, especialmente após a morte da mãe. O pai — que acabou por morrer monge — tomou aversão pelo filho, e Anselmo decidiu abandonar a família e a Pátria em companhia de um servo.
Depois de três anos entre a Borgonha e a França central, Anselmo foi para Avranches, na Normandia, onde conheceu a Abbaye Notre-Dame du Bec (Abadia de Nossa Senhora de Bec, ou simplesmente Abadia de Bec) e a sua escola, fundada em 1034. Foi até lá para conhecer o prior, Lanfranco de Pavia (famoso por defender a Transubstanciação), e ficar junto dele, como muitos outros clérigos atraídos pela fama de seus conhecimentos. Os progressos nos estudos foram tão surpreendentes que o próprio Lanfranco passou a preferi-lo e até mesmo a fazer-se ajudar por Anselmo no ensino. Assim, o Santo voltou a sentir o desejo de vestir o hábito de monge.
Em 1060, entrou para o seminário beneditino do Bec. Depois de apenas três anos de regular observância mereceu suceder a Lanfranco no cargo de prior e de director da escola, uma vez que este foi designado a governar a
Abbaye de Saint'Etienne-de-Caen (Abadia de Santo Estevão de Caen, também conhecida como Abbaye aux Hommes, ou seja, Abadia dos Homens).
Não obstante que as responsabilidades se tivessem multiplicado, o Santo nunca negligenciou a dedicação cada vez maior a Deus e ao estudo, preparando-se, assim, para resolver as mais obscuras questões até então não resolvidas. Não bastando o dia, para aprofundar-se nas Escrituras e nos Padres da Igreja, Anselmo costumava passar parte da noite em oração e corrigindo manuscritos. Podemos ter ideia do seu ensino lendo os opúsculos e os diálogos que deixou, alguns dos quais são verdadeiras pequenas obras de arte pedagógicas e dogmáticas.
Santo Anselmo foi um grande pensador, mas também uma grande director de almas. A fama do seu mosteiro espalhou-se por toda a parte, e atraiu uma elite ávida de ciência e de perfeição religiosa. Ele ocupava-se disso pessoalmente e com cuidado especial. Muitas das suas 447 cartas mostram a arte que possuía de ganhar os corações, adaptando-se à idade de cada um e utilizando modos afáveis.
Quando, a 26 de Agosto de 1078, morreu o Abade São Herluin, fundador da Abadia em 1034, os confrades, unanimemente, designaram Anselmo para suceder-lhe. A agudeza da inteligência, a extraordinária doçura de carácter e a santidade de vida lhe mereceram uma grande ascendência, tanto no mosteiro quanto fora dele. Estreitou relações com o mestre Lanfranco, nomeado Arcebispo de Cantuária em 1070, e colaborou com a organização de alguns mosteiros ingleses: isto permitiu que fosse conhecido pela nobreza do País e apreciado pela corte de Londres.
Em 1076, Anselmo publicou o “Monologion” para atender ao desejo dos monges de meditar sobre a essência divina. Esta sua primeira obra revelou-se uma obra-prima pela densidade e lucidez de pensamento acerca da existência de Deus, os seus atributos e a Trindade. A esta obra seguiu o “Proslogion”, mais célebre que a precedente por causa do muito discutido argumento que excogitou — o argumento ontológico, sob forma de oração contemplativa — para demonstrar a existência do Ser supremo, em substituição dos longos e tediosos raciocínio que havia exposto no “Monologion”. “Deus é o Ser do qual não se pode pensar em um maior; o conceito de tal Ser está emna nossa mente, mas tal Ser deve existir também na realidade, fora da nossa mente, porque, se existisse apenas na mente, poderíamos pensar noutro maior, um, isto é, que existisse não apenas na mente, mas também na realidade fora dela”.
A fama de Anselmo difundiu-se ainda mais por toda a Europa. Era de tal forma venerado e amado em Inglaterra que, no dia 6 de Março de 1093, por causa das pressões dos Bispos, dos Nobres e de todo o povo, foi eleito pelo
Rei Guilherme II, o Ruivo, como Arcebispo de Cantuária, cuja Sé estava vacante por causa da morte de Lanfranco em 1089. Anselmo resistiu tenazmente, mas foi inútil, e, referindo-se às dificuldades de entendimento entre o Rei e o Primaz, afirmou, como os Bispos e os Nobres que o acompanhavam: “Vós quereis subjugar juntos um touro não domado e uma pobre ovelha. O touro arrastará a ovelha para os arbustos e a fará em pedaços sem que tenha tido qualquer utilidade. A vossa alegria tornar-se-á em tristeza. Vereis a igreja de Cantuária voltar à viuvez vivente do seu pastor. Nenhum de vocês ousará resistir, depois de mim, e o rei pisotear-vos-á a seu bel prazer”.
A situação da Igreja inglesa era efectivamente muito triste naquele período, por causa da simonia, da decadência dos costumes e da violação da liberdade religiosa (verdadeira) por parte do rei. Santo Anselmo tentou remediar a tudo isso, na esteira da reforma adotada por São Gregório VII, promovendo a reforma do clero, as formas tradicionais do culto e da liturgia, lutando ardorosamente pela liberdade da Igreja na Inglaterra, o que lhe acarretou não poucos dissabores e o exílio por duas vezes. Não surpreendeu, portanto, que, em 1095, tivesse rebentado entre a autoridade secular e a autoridade religiosa um grave conflito acerca do reconhecimento do
Papa Beato Urbano II.
Nada foi capaz de demover o Arcebispo e fazê-lo mudar de ideias. E, depois de muitas dificuldades, em 1097, pôde ir a Roma para consultar o próprio Papa. Este recebeu-o com grandes manifestações de estima e, em 1098, o enviou ao Segundo Concílio de Bari, convocado para reconduzir à unidade da Igreja os que tinham aderido ao Grande Cisma do Oriente, de 1054. Nas questões discutidas, Anselmo foi o teólogo dos latinos, confutando vitoriosamente as objecções dos adversários contra a procedência do Espírito Santo das duas outras pessoas da Santíssima Trindade.
Em 1099, Anselmo tomou parte também do Sínodo de Roma, no qual foram reafirmados os decretos contra a simonia, o concubinato dos clérigos e a reinvestitura leiga (A investidura leiga era a nomeação de bispos, abades e outros oficiais da Igreja por senhores feudais e vassalos). Depois, partiu para Lyon, onde foi obrigado a ficar porque o Rei não o autorizava a voltar à sua Sé. Na Itália, havia completado o seu grande tratado sobre os “Motivos da Encarnação”. Em Lyon, terminou outro: “Da Concepção Virginal e Do Pecado Original”.
Em 1110, Henrique Beauclerc (Henrique I da Inglaterra) sucedeu ao seu irmão Guilherme no trono inglês e, desejando ter o Arcebispo da Cantuária entre os que o apoiavam, o convidou a voltar. O novo soberano não tinha, porém, intenção alguma de renunciar ao domínio sobre a Igreja, motivo pelo qual, em 1103, Anselmo, inflexível na defesa dos seus direitos, teve que ir uma segunda vez a Roma, em exílio. Após longas tratactivas com o novo Papa Pascoal II, o soberano renunciou, enfim, à investidura dos feudos eclesiásticos, contentando-se apenas com a homenagem.
Em 1106, o Primaz pôde retornar à sua Sé e dedicar ao intenso trabalho pastoral os últimos anos de sua vida. Não podendo mais caminhar, se fazia transportar diariamente à igreja para assistir à Missa. No leito de morte, lamentou apenas não ter tido tempo de esclarecer o problema da origem da alma.
Santo Anselmo morreu no dia 21 de Abril de 1109, em Cantuária, e foi sepultado na célebre catedral. O Papa Alexandre III, em 1163, concedeu ao Arcebispo São Tomás Becket de proceder à "elevação" do corpo do seu predecessor, acto que à época correspondia, para todos os efeitos, a uma canonização.
Santo Anselmo de Aosta foi, enfim, declarado Doutor da Igreja por Clemente XI, a 8 de Fevereiro de 1720. O Martyrologium Romanum e o Calendário litúrgico da Igreja Universal comemoram o Santo no aniversário de seu nascimento ao Céu.
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